Macri busca FMI por 'selo de aprovação' a política econômica, diz historiadora

Claudia Kedar diz que presidente da Argentina não recorre a fundo por questões financeiras

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Washington

Autora de um livro sobre o relacionamento entre o FMI (Fundo Monetário Internacional) e a Argentina, a historiadora Claudia Kedar afirmou em entrevista à Folha que o presidente Mauricio Macri, tal como fizeram seus antecessores, não recorreu ao fundo apenas por questões financeiras, mas para ganhar um “selo de aprovação” para suas políticas econômicas, que enfrentam forte oposição no país.

“É quase um pretexto. Ele precisa de apoio, e não está encontrando em nível doméstico”, disse.

Nascida na Argentina e professora da Universidade Hebraica de Jerusalém, Kedar sustenta que a relação entre o FMI e o país latino-americano é simbiótica, num jogo de interesses que vai muito além da dominação. “Para que o FMI exista, ele precisa fazer empréstimos, precisa ser ativo. E o retorno à Argentina é uma boa forma de marcar posição na região”, diz.

 

SELO DE APROVAÇÃO

Como fizeram outros presidentes argentinos no passado, Macri está buscando não apenas o dinheiro do FMI, mas o seu apoio político. Ele está tentando impedir uma crise financeira maior, é claro, mas também quer dizer ao povo argentino que o país precisa aumentar as tarifas, por exemplo, porque do contrário o FMI não irá aprovar o empréstimo. É quase um pretexto. Ele está buscando um selo de aprovação do FMI. “Nós tentamos, mas foi impossível; se queremos ser parte da economia global, temos que fazer isso”.

Internacionalmente, Macri está indo muito bem, mas corre um sério risco em nível doméstico. Para começar, ele é um presidente não peronista. A recente desvalorização do peso e a grande resistência às suas políticas econômicas, especialmente em relação às tarifas, o deixou praticamente sem escolha. Ao recorrer ao FMI, ele divide a responsabilidade por eventuais medidas impopulares. 

 

IMAGEM INTERNACIONAL

Eu não fiquei surpresa que Macri tenha buscado o FMI. O que me surpreendeu foi que tenha demorado tanto. Ele está marcando uma clara mudança em relação à administração passada [de Cristina Kirchner, que rompeu com o fundo]. Macri representa a nova direita na América Latina, e renovar a parceria com uma instituição financeira como o FMI faz sentido para ele. 

RISCOS

Se é uma manobra arriscada? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Eu acho que o risco, em especial político, é enorme. A população argentina ainda está em estado de trauma pelas crises passadas. É claro que o FMI foi apenas um dos atores envolvidos, e não é o único responsável pelo que ocorreu, mas o trauma foi muito profundo.

Eu temo que o impacto social desse novo empréstimo seja, novamente, muito alto [pelo controle de gastos públicos]. Para Macri, é um risco político altíssimo. Mesmo que ele decida não desembolsar o valor ao final, o que pode ocorrer, ele ainda terá que cumprir com as condições impostas pelo fundo. Isso vai atingir a sua imagem muito seriamente, e pode ser catastrófico.

O problema de Macri não está apenas no peronismo, ou no kirchnerismo, ou na esquerda, mas na população em geral, que ainda está sob o trauma de crises econômicas passadas e que atribui parte disso aos acordos com o FMI. 

ESTADOS UNIDOS

A relação com o FMI é sempre uma relação triangular com os Estados Unidos, que são o maior cotista da organização [têm 17,46% dos votos da diretoria]. A administração de Donald Trump está relutante a desembolsar grandes valores para organismos multilaterais como o FMI, e declarou várias vezes que iria rever esses pagamentos. A melhor resposta por parte do FMI é demonstrar que ainda é necessário numa região como a América Latina, por exemplo.

Nem sempre o FMI esteve alinhado com os EUA ao longo da história. Não tenho certeza se dessa vez eles estão coordenados, embora as relações de Trump com Macri sejam muito boas, aparentemente. [O empréstimo] pode ser uma ferramenta para retomar a influência americana na região, mas ainda não está claro. Temos que esperar para ver. 

INTERESSE DO FMI

Para que o FMI exista e seja relevante, ele precisa fazer empréstimos, precisa ser ativo. O retorno à Argentina é uma boa forma de marcar posição na região. Ainda mais num momento em que o fundo enfrenta elevado criticismo, tanto por parte dos EUA quanto dos países mutuários. 

MUDANÇAS

Eu não acho que o FMI tenha mudado muito [desde os últimos empréstimos à Argentina]. Eles argumentam que estão mais sensíveis do que no passado ao impacto da política econômica sobre as populações mais vulneráveis. Eu espero que eles compreendam que precisam ser mais cautelosos e mais flexíveis. É um organismo que ainda suscita extrema controvérsia na América Latina. Mas eu não estou muito otimista.

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