No auge, subsídio para setor de caminhões atingiu R$ 34 bilhões

Programa federal chegou em 2015 a valor 46% superior ao destinado ao Minha Casa Minha Vida

Ana Paula Ragazzi
São Paulo

​As facilidades que inflaram a frota de caminhões do país vieram com o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que durou sete anos, de 2009 a 2016.

O auge do PSI, que concedia financiamentos acessíveis para a compra não só de caminhões, mas também de ônibus e máquinas agrícolas, foi em 2015, quando atingiu R$ 34 bilhões, valor 46% superior aos R$ 23,3 bilhões destinados ao Minha Casa Minha Vida naquele mesmo ano.

Esses são os maiores volumes atingidos pelos dois programas, de acordo com dados do Ministério da Fazenda. 

caminhões na estrada
Caminhoneiros em greve em Goiás, no último dia 26 - Pedro Ladeira/Folhapress

A análise dos números que concentram subsídios no país mostra que, nos últimos 15 anos, o governo brasileiro concedeu R$ 4 trilhões a diversos setores e hoje não tem a menor ideia do retorno —positivo ou negativo— obtido com esses incentivos.

Foram R$ 3 trilhões referentes a gastos tributários, que derivam da isenção de impostos e reduzem a receita potencial do governo. E mais R$ 1 trilhão nos chamados benefícios, que impactam as despesas públicas: os explícitos afetam as despesas primárias do governo; e os implícitos, a dívida pública.

Vilma da Conceição Pinto, economista da FGV/Ibre, destaca que a concessão desses subsídios cresceu a partir de 2008/2009 —quando o PSI e o Minha Casa Minha Vida foram lançados—, depois da crise financeira global por conta dos problemas do mercado de crédito nos Estados Unidos.

O PSI e outros programas foram encerrados pela gestão Michel Temer. 

Mas houve a elevação, no último ano, de novas facilidades, à medida que o governo enfrentava denúncias e costurava apoios para sua sustentação. Foram concedidas mesmo diante da necessidade de ajustar as contas públicas.

“O problema não está na quantidade de recursos, mas sim em não se ter ideia da qualidade do retorno que eles trazem. Não é possível medir isso, porque nunca houve um acompanhamento de parte dos governos”, diz Vilma. 

Marcos Lisboa, presidente do Insper, afirma que estamos assistindo a um retrocesso, pois o país vive uma crise fiscal em um ambiente institucional distorcido por benefícios como isenções e exonerações, um quadro que se agravou no último ano.

“E em vez de reduzir essas distorções e enfrentar o problema fiscal, veio o Refis, o custeio agrícola e, agora, o diesel para pagar o resgate aos caminhoneiros, pois o país ficou refém deles na greve.”

Na avaliação de Lisboa, o quadro reflete um governo fraco, que se submete a interesses de grupos específicos. 

“Cada grupo faz pressão por um benefício próprio, leva o que quer e a conta vai para todos nós, que ficamos mais pobres”, resume. 

Quando se olha para os gastos tributários, os maiores volumes estão no Simples, um regime tributário que beneficia as empresas com faturamento bruto de até R$ 3,6 milhões por ano.

A crítica em relação a esse programa é em relação ao valor de corte, que seria muito elevado —em outros com programas semelhantes, nem se aproxima de R$ 1 milhão ao ano. Desde 2012, o Simples concentra mais de R$ 70 bilhões anualmente.

Outros incentivos existem desde sempre, como os dados à Zona Franca de Manaus, atribuídos na Constituição e que nos últimos anos rondaram a casa dos R$ 20 bilhões. 

Entre os benefícios implícitos, que somaram R$ 636 bilhões nos últimos 15 anos, três linhas respondem por 77% desse total: Fundos Constitucionais de Financiamentos (R$ 164,5 bilhões); Fundo de Amparo ao Trabalhador (R$ 164,5 bilhões); e Empréstimos da União ao BNDES (R$ 160,3 bilhões).

Lisboa, do Insper, avalia que programas que envolvam subsídios podem ser válidos, mas em casos específicos: “Quando você tem indícios muito claros de que o setor pode se desenvolver e desde que o programa tenha um prazo definido e metas de desempenho”.

“Mas de maneira nenhuma com essa política de concessão sem critérios, só para atender interesses de grupos”, afirma o especialista.

Vilma, da FGV/Ibre, destaca também que esses incentivos são muito fáceis de conceder pelo governo, por meio de lei ou medida provisória.

No entanto, se optar por revogá-los, as dificuldades são imensas, por conta da tramitação necessária no Congresso. Um bom exemplo atual é a discussão em torno da reoneração da folha de pagamentos.

A desoneração começou até tímida, em 2012, com R$ 5 bilhões anuais, mas em 2017 já havia triplicado de tamanho. 

Lisboa diz que o governo de Michel Temer tinha tudo para tratar dessas questões fiscais, pois reuniu nomes de técnicos como Ilan Goldfajn (Banco Central), Ana Paula Vescovi (Tesouro) e Eduardo Guardia (Fazenda), que mesmo em condições adversas tiraram o país de uma crise no ano passado.

Mas ele cita os eventos que levaram à demissão de Pedro Parente da Petrobras como um sinal de que todo o trabalho será perdido.

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