Após compra da revista Placar, empresária leva contrato milionário da CBF

Patrícia Coelho não pagou a 1ª parcela para a editora Abril e diz buscar investidores

Taís Hirata
São Paulo

Em menos de seis meses, a empresária Patrícia Tendrich Pires Coelho passou da posição de desconhecida no mundo do futebol a vencedora de uma disputa milionária da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para transmitir o Campeonato Brasileiro no exterior.

No meio do caminho, também assinou um contrato de aquisição da revista Placar e negociou com a Fox Sports a compra de espaço na programação do canal.

O que parecia ser o início de um pequeno império de mídia esportiva, porém, passou a ser colocado em xeque no último mês.

Patrícia Coelho, 47, é formada em direito pela PUC, trabalhou no Opportunity e na Voga Capital. É sócia da MLog, grupo de navegação e mineração, fruto da fusão da Asgaard, empresa fundada por ela, e da Manabi - Leo Pinheiro - 28.out.2015/Valor

Desde que ganhou a disputa da CBF, em meados de maio, jornalistas que haviam sido contratados para a nova Placar foram dispensados. A primeira parcela que teria de ser depositada à editora Abril, em maio, não foi paga.

Os planos, diz Patrícia, estão em reestruturação. A empresária afirma que está tentando deixar o negócio de pé, mas tem sofrido com a dificuldade de atrair investidores. "O Brasil está muito difícil, você sabe, né? Estamos tentando."

Sotaque carioca, roupas estampadas e quase uma hora atrasada, a executiva de 47 anos, sócia de um grupo de logística, falou à Folha sobre a compra da Placar no fim de março, às vésperas de assinar com a editora Abril.

Por que uma empresária do ramo de navegação decidiu comprar uma revista de esportes? O questionamento, responde Patrícia, é machista.

"Olha como o mundo é misógino: 'De onde saiu essa coisa de uma mulher fazer navio? De onde saiu essa coisa de uma mulher fazer esportes? Isso é uma pergunta misógina. Você não pergunta para o Abilio Diniz: 'De onde saiu essa sua ideia de fazer um supermercado?'", questiona.

"Não há fronteiras para mim e para nenhuma mulher desenvolver nenhum tipo de negócio. A gente tem um papel civilizatório de explicar para os meninos que a gente pode fazer o que a gente quiser."

Patrícia é advogada, formada pela PUC. Trabalhou no banco Opportunity, onde conviveu com o banqueiro Daniel Dantas. Em 2012, fundou a empresa de navegação Asgaard, hoje parte do grupo MLog.

Casada com um médico, tem dois filhos adolescentes. Gosta de assistir a futebol com a família, faz ginástica, natação e joga tênis. "Tem pouca coisa a meu respeito. Não gosto muito. O negócio é importante, o que eu estou construindo é importante", afirma.

Patrícia é considerada cativante. Pessoas próximas à empresária ouvidas pela Folha contam que, ao telefone, pode dizer que te ama, ou ser muito dura. Nos emails é onde mostra a faceta mais rigorosa. No WhatsApp (meio mais usado) pode ser qualquer coisa, a depender do humor.

As reuniões costumavam ocorrer em restaurantes, não em escritórios. Um dos seus favoritos é o italiano Piselli Sud, no Shopping Iguatemi, na zona oeste de São Paulo, onde certa vez Patrícia teria pago uma conta de R$ 1.200 em dinheiro vivo --um hábito da empresária, segundo pessoas que conviveram com ela.

A compra da Placar foi assinada no fim de março --em um contrato que não previa multas caso os pagamentos não se efetivassem.

Muito antes disso, já no primeiro mês de 2018, a empresária começava a montar um escritório no Rio de Janeiro, que chegou a ter seis jornalistas para a nova revista.

Apesar de ser novata no ramo, Patrícia parecia ser difícil de agradar. "Vocês não entenderam nada" era resposta recorrente para explicar que o trabalho precisava ser refeito.

Ela não abriu o valor oferecido pela publicação à editora Abril, mas pessoas próximas da negociação afirmam que o contrato é de R$ 30 milhões.

Os recursos sairiam do próprio bolso, disse ela em março. "Dinheiro meu, para desenvolver o projeto e comprar o ativo. Mas óbvio que teremos outros sócios, que estão em negociação", afirmou.

E a partir de quando espera ter retorno do investimento? "No primeiro dia. Vou ganhar dinheiro no dia zero, amor", diz, mandando um beijo por cima do ombro.

A marca de Patrícia nos novos empreendimentos de mídia se tornou pagar bem: após os R$ 30 milhões pela Placar, ofereceu R$ 20 milhões para comprar um espaço na Fox Sports 2, em uma negociação que não chegou a virar contrato. Os salários oferecidos à equipe também eram bastante acima do mercado.

"Você não quer ficar rico?", costumava dizer a seus parceiros na empreitada, em meio às idas e vindas do negócio.

Foi assim que, a partir de janeiro de 2018, Patrícia começou a se cercar de nomes respeitados no meio jornalístico e editorial, egressos de grandes veículos de mídia do país.

Havia também outros parceiros. Um deles era Helio Viana --que fora sócio de Pelé até um rompimento traumático, em 2001, envolvendo brigas judiciais e acusações de corrupção. Viana teria sido um dos contatos de Patrícia para se aproximar da CBF.

Quem ficou responsável por atrair investidores foi Marco Gonçalves --o "Marcão", ex-BTG Pactual, que ficou conhecido no mercado financeiro por suas festas em Nova York.

Meses depois, Alexandre Grendene, fundador da empresa de calçados Grendene, também entrou no negócio.

Todo esse avanço na cobertura esportiva, porém, foi colocado em banho-maria a partir de meados de abril, quando a empresária deu o maior lance na competição milionária pelos direitos de transmissão no exterior do Campeonato Brasileiro, além da comercialização das placas de publicidade nos estádios de futebol.

O lance vencedor teria sido de R$ 550 milhões por quatro anos de contrato, entre 2019 e 2022. O grupo superou a concorrência de empresas estrangeiras tradicionais no mercado, como a Lagardère e a IMG.

A essa altura, a compra da Placar já estava aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Era o momento de todos os projetos entrarem em prática.

Mas o que ocorreu foi o contrário: desde então, Patrícia parou de atender as ligações, dispensou a equipe da Placar no Rio e ainda não depositou à Abril a primeira parcela pela compra da revista.

Em 21 de maio, a MLog, do qual é sócia, anunciou que a empresária renunciara à presidência da companhia, em uma nota ao mercado na qual "agradece a senhora Patrícia pelos serviços prestados".

Aos parceiros do negócio, ela justificou o desmonte dizendo que precisava se dedicar ao contrato com a CBF.

De fato, o desafio pela frente é grande: ela terá de reunir investidores, além de montar (ou terceirizar) toda a estrutura para realizar a transmissão do Campeonato Brasileiro, que ocorre em todo o país.

Além disso, terá de encontrar anunciantes para as placas de publicidade nos estádios, negócio considerado pouco atrativo, principalmente porque o Corinthians e o Flamengo --que têm as maiores torcidas do país-- ficaram de fora do pacote de venda.

Patrícia falou novamente à Folha nesta sexta-feira (6), no início do primeiro tempo do jogo que eliminou o Brasil da Copa do Mundo, e afirmou que continua em busca de investidores para efetivar a compra da Placar, missão que tem sido difícil, diz ela.

A empresária afirma também que mantém uma equipe de jornalistas no projeto Placar, que já tem um site e um logo prontos. Sobre a oferta feita à CBF, não comenta.

Procurada, a Abril afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a Placar continua com a editora.

A reportagem não conseguiu contato com Helio Viana e não obteve retorno de Alexandre Grendene, procurado por meio da Grendene, empresa da qual é sócio.

Marco Gonçalves afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não participou da operação da compra da revista Placar.

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