Brasil sofre para expandir internet, 20 anos após privatizar Telebras

Desde 1998, o país universalizou telefonia; hoje, desafio é acompanhar avanços tecnológicos

São Paulo

Após 20 anos da privatização do Sistema Telebras, o setor de telecomunicações brasileiro enfrenta um novo desafio: ampliar o acesso à internet no Brasil.

A banda larga e a fibra óptica têm avançado, mas ainda estão fora do alcance de quem vive em áreas mais isoladas e daqueles que não conseguem arcar com os preços dos pacotes, segundo analistas e representantes do setor.

No país, 62% dos municípios têm estrutura de fibra óptica, segundo dados de 2017 da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Há ainda fortes diferenças regionais: no Piauí, apenas 16,5% dos municípios tinham a rede. No Amazonas, eram 35,5%, e, em Minas Gerais, 40%.

 

Mesmo a cobertura de telefonia móvel (3G e 4G), que já atinge praticamente todo o país, muitas vezes chega com baixa qualidade ou preços altos demais para a população local, diz Arthur Barrionuevo, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Dependendo do local, a rede chega, mas tem de ver com qual velocidade. Há também a questão do preço, porque tem muito imposto sobre a tarifa e porque em diversos locais a renda é baixa demais. Isso deixa muitas pessoas de fora.”

Para analistas e associações do setor, a dificuldade para ampliar o acesso está ligada à rápida mudança tecnológica das telecomunicações, que não foi acompanhada por atualizações nas regras, ainda pensadas para outra realidade.

Em 29 de julho de 1998, quando 12 empresas do Sistema Telebras foram vendidas por R$ 22 bilhões (cerca de R$ 76 bilhões, em valores corrigidos pela inflação), o setor estava diante de uma revolução: universalizar o acesso ao telefone fixo.

À época, havia apenas 17,5 milhões de linhas em todo o país. A população pagava mais de R$ 1.000 por uma linha e esperava cerca de dois anos pela instalação.

A disseminação do telefone celular era ainda mais baixa: havia pouco mais de 4 milhões de assinantes.

Hoje, uma nova reviravolta se aproxima, com a chegada de tecnologias como a internet das coisas (conceito em que todos os objetos da vida cotidiana estariam conectados à rede) e a indústria 4.0 (inclusão de tecnologias de automação e troca de dados ao sistema produtivo).

Com isso, a tendência é que a desigualdade aumente ainda mais, diz Barrionuevo.

“A internet das coisas vai afetar uma série de equipamentos que usamos no dia a dia. Quem hoje já está fora da internet porque é muito pobre é quem mais vai se prejudicar. Temos de correr com uma solução”, afirma.

Uma das medidas apontadas como essenciais para destravar os investimentos na expansão da infraestrutura é a alteração da Lei Geral das Telecomunicações, que completa 21 anos em 2018.

A principal mudança defendida pelas empresas seria isentar as concessionárias de fazer investimentos em telefonia fixa e transferir esses recursos à expansão da internet.

“As companhias investem até R$ 450 milhões por ano para manter o parque público de orelhões no país, uma estrutura que ninguém está aproveitando. Hoje o que a população precisa é de acesso à internet”, afirma Carlos Sequeira, analista de telecomunicações do BTG Pactual.

O projeto, porém, está parado no Congresso, e analistas já começam a duvidar da viabilidade da aprovação.

“Mesmo que seja aprovado [no próximo governo], vai ficar muito perto do prazo final das concessões, que é 2025, porque, uma vez aprovado, deverá haver ao menos um ano e meio de negociações [sobre os valores a serem pagos pela estrutura construída durante a concessão]”, afirma Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco.

Para a Anatel, há outras medidas em debate. Uma delas seria alterar, também via projeto de lei, a destinação de recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações).

O fundo, que recebe 1% da receita operacional bruta das companhias do setor, atualmente só pode destinar os recursos à telefonia fixa.

Na prática, porém, nem mesmo esses investimentos ocorrem, uma vez que os recursos vão para os cofres da União e acabam sendo usados para outros fins.

O Fust arrecadou R$ 20,4 bilhões entre 2001 e 2017, segundo o Sinditelebrasil, que representa as empresas do setor.

Uma mudança para tornar o fundo mais efetivo está atualmente em discussão no Congresso. A ideia é fazer com que os recursos sejam usados para expandir o acesso à internet, diz Carlos Baigorri, superintendente-executivo da Anatel.

Além das reformas que dependem do aval do Congresso, o governo deverá ter uma importante janela para estimular a universalização da banda larga nos próximos anos: o leilão de frequência para o 5G.

O 5G, como é chamada a quinta geração de internet móvel, tem potencial de atingir uma velocidade cerca de dez vezes maior do que o 4G.

A expectativa da Anatel é realizar entre 2019 e 2020 o leilão para o 5G, no qual as empresas poderão comprar pedaços da faixa de frequência.

Para Baigorri, seria determinante que o governo federal ampliasse suas exigências de universalização no leilão—ou seja, determinasse que as vencedoras fizessem investimentos nas regiões mais pobres ou isoladas do país.

Isso não tem sido feito nos leilões porque, quanto mais exigências, menor é a arrecadação, e o governo nunca está disposto a abrir mão de receita, afirma Eduardo Levy, presidente-executivo do Sinditelebrasil.

“Quando faz o leilão, o governo fica muito feliz com ágios [prêmios sobre o valor inicial] altos. Eu fico triste, porque, se a empresa pagou ágio alto, vai cobrar mais do cliente. E paga-se mais porque não se exige cobertura em áreas difíceis de cobrir. Como o governo faz [o leilão] para arrecadar, exige pouco”, afirma Levy.

Procurado para comentar o tema, o Ministério da Fazenda não quis se manifestar.

Levy estima que, para universalizar a estrutura de banda larga no país, seria preciso dar um salto de ao menos R$ 50 bilhões adicionais nos investimentos anuais, por um prazo de cinco anos.

Hoje, o setor investe cerca de R$ 25 bilhões por ano.

As empresas de telecomunicações sofrem também com os tradicionais obstáculos do setor de infraestrutura, como a dificuldade para realizar obras extensas que atravessam municípios, diz Eduardo Santini, diretor da consultoria KPMG.

“A legislação de ocupação do solo é municipal, então cada cidade tem sua regra e exige uma licença diferente. Isso é um problema para a construção tanto da fibra óptica quanto de torres de antenas.”


A telecomunicação no Brasil, desde d. Pedro

1876
Alexander Graham Bell cria o telefone; o então imperador brasileiro, d. Pedro 2º, em visita a uma feira nos EUA, testa o aparelho —ele teria dito, assombrado: “Meu Deus! Isto fala!”.
 
1877
Impressionado, d. Pedro 2º decide instalar o primeiro telefone no Brasil, em sua própria residência: o Palácio de São Cristóvão (hoje Museu Nacional), no Rio de Janeiro
 
1879
O americano Charles Paul Mackie consegue a primeira concessão para construir uma rede de telefonia no Brasil e monta a Telephone Company of Brazil
 
1881
A lista telefônica ganha sua primeira versão no país; além de trazer os números das primeiras (e poucas) linhas, o livro dava instruções de como usar o aparelho
 
1890
Como não havia ligação direta entre telefones, aparecem as primeiras centrais telefônicas e uma nova profissão: a telefonista
 
1935
É instalado o primeiro telefone público, no centro do Rio —ainda sem o formato do atual orelhão, que se popularizou só nos anos 1970
 
1958
O sistema de DDD estreia no país, inicialmente conectando São Paulo a Santos
 
1969
A Embratel constrói torres de satélites que permitem transmissões ao vivo
 
1990
A rede de celular estreia no país, apenas com transmissão de voz, no Rio
 
1992
Embratel lança o fax —uma inovação por integrar voz, transmissão de dados e textos
 
1995
A internet comercial começa a funcionar no Brasil
 
1997
É implementada a Lei Geral de Telecomunicações, com a criação da Anatel (agência reguladora do setor)
 
1998
Leilão do Sistema Telebras

2001
A tecnologia GSM (Sistema Global para Comunicações Móveis) para celulares se espalha em 16 estados
 
2007
É lançado o primeiro iPhone, da Apple

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