Crescimento exponencial não existe, assegura o diretor do Núcleo de Educação Executiva da FGV em SP

Esta é a 11ª entrevista de Flavio Ferrari em uma série de encontros para o livro 'Atitude Digital'

Flavio Ferrari
São Paulo

Exponencial é a palavra do momento e o brasileiro adora modismos.

Prova disso é que o maior grupo de ex-alunos da Singularity University, fora dos Estados Unidos, é composto por executivos brasileiros que se deslocaram para a base de pesquisas da Nasa no Vale do Silício, onde se localiza a escola, para explorar oportunidades e implicações das tecnologias exponenciais’, que é a promessa oferecida na abertura do site da escola.

A Singularity estimula o networking e participação em sua Comunidade Global, formada por pessoas que consomem algum de seus produtos (cursos, eventos, conteúdos publicados) e estão interessadas em participar da construção de um futuro abundante. A ideia é sedutora.

Paulo Lemos - ex-Vice Presidente da Brasken e um dos criadores da COPPEAD
Paulo Lemos, ex-vice presidente da Braskem e um dos criadores da COPPEAD - Divulgação

Abundante é uma consequência matemática da função exponencial, que cresce aceleradamente e tende ao infinito.

Paulo Lemos é um experiente executivo (ex-VP da Braskem e um dos criadores da COPPEAD), com sólida trajetória acadêmica, que vem ocupando o posto de Diretor do Núcleo de Educação Executiva da FGV em SP há 12 anos, e é um severo crítico dessa visão.

“Não existe crescimento exponencial. Na melhor das hipóteses, podemos ter uma sucessão e superposição de curvas “S” (curvas de desenvolvimento de produtos), que são uma representação mais adequada para a maioria dos ciclos acelerados de desenvolvimento”, afirma o professor.

A curva “S” (sigmoide) obedece a uma função matemática cuja representação gráfica produz um formato semelhante ao da letra “S”. A primeira metade da curva é similar ao da curva exponencial, com crescimento acelerado. A Segunda metade desacelera com a mesma intensidade e tende a um patamar máximo, intransponível.

Isto significa que, na visão do professor Paulo, o que chamamos de crescimento exponencial é, na verdade, a primeira metade de um processo de crescimento que tenderá a desacelerar e se estabilizar num determinado patamar.

“Em 1970, Alvin Toffler lançou o livro Choque do Futuro, que prévia vários desenvolvimentos exponenciais, gerando um choque na humanidade. Um deles era a velocidade de deslocamento do ser humano, inicialmente se deslocando a pé, em seguida a cavalo, em automóveis, em aviões a pistão, e, em aviões a jato. Cada um destes deslocamentos teve sua curva “S”, aumentando sua velocidade e depois estabilizando; quando Toffler colocou cada uma destas curvas “S” em sequência, deu a impressão de termos uma curva exponencial. Se fosse verdade, estaríamos hoje voando de São Paulo a Londres em, talvez, 20 minutos.”

É fácil observar isso no mundo da tecnologia. A velocidade dos processadores cresceu de forma acelerada nas primeiras décadas, mas o crescimento já se atenuou e está próximo do limite da solução tecnológica. O próximo salto (para uma nova curva S), requer o desenvolvimento de uma nova arquitetura. A penetração de novos itens tecnológicos como o smartphone segue o mesmo padrão, começando lentamente e acelerando na medida em que seu custo diminui, desacelerando novamente na medida em que nos aproximamos de seu limite natural, que é o total da população (100%).

Lemos compara esse frenesi gerado pela ideia de crescimento exponencial com a espuma. “A tecnologia está disponível para todas as empresas, mas o que garante a inovação é a criatividade. É nisso que as empresas deveriam e executivos precisam investir.”

“As organizações estão cada vez mais focadas em resultados, e os resultados são produzidos com o que temos, com as coisas atuais. Os investimentos em inovação são alocados na melhoria do que já se tem. Isso vale até mesmo para as novas empresas do mundo digital, que nasceram de uma ideia inovadora. Na medida em que crescem, passam a priorizar o desempenho e o controle. A inovação costuma ser adquirida de terceiros.”

Paulo cita como exemplos Google e Facebook, que investem sistematicamente no seu “exército” de engenheiros, mas não desenvolvem soluções inovadoras e importantes, como o Waze e o WhatsApp, comprados de startups. Aparentemente, segundo o diretor, seus engenheiros se ocupam mais do desenvolvimento de sua plataforma e das melhorias nos sistemas comprados.

Os modelos operacionais das corporações limitam a criatividade. Para Lemos, “além de estimular a criatividade é necessário que o executivo possa trabalhar como um microempresário no ambiente da própria organização, identificando oportunidades, organizando recursos e buscando referências, num processo de delegação planejada, onde os controles essenciais para a sobrevivência existem, mas a responsabilidade é acompanhada de autoridade e autonomia monitorada. Esse modelo resgata a motivação pelo prazer de fazer.”.

O marketing da educação executiva costuma se apropriar das palavras da moda para batizar suas ofertas de cursos. No final do século passado, a maioria dos cursos incluía a palavra “estratégico” no título. Desde o início dos anos 2.000, tudo é digital e, mais recentemente, exponencial. Esses termos atuam como narcóticos verbais, atenuando a ansiedade dos participantes que adquirem o conhecimento.

Paulo considera que é importante desconstruir o paradigma educacional onde a escola é a provedora do conhecimento. “Praticamente tudo que o aluno precisa saber sobre tecnologia está publicado e disponível na Internet. Devemos seguir fazendo a curadoria dos conteúdos relevantes, mas nosso objetivo deve ser estimular o aluno a se apropriar desses conteúdos e desenvolver, ele próprio, o conhecimento, orientado pelos professores, que devem necessariamente ter tido experiência prática na área. O futuro da educação executiva é vivencial, propiciando experiências que estimulem o protagonismo e despertem a criatividade. São essas as referências que devemos buscar e oferecer aos executivos, para que possam promover a verdadeira inovação.”

Flavio Ferrari é consultor e palestrante em comunicação, inovação e transformação digital. Foi diretor dos institutos Kantar Media, Ipsos e GfK. Esta entrevista faz parte de uma série de encontros para o livro "Atitude Digital", com o apoio da ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes)

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