Mesmo em lista suja, Odebrecht recebeu R$ 5,3 bilhões da Petrobras

Empresa foi vetada em novas licitações, mas teve negócios já firmados mantidos após Lava Jato

Thais Bilenky
Rio de Janeiro

A penalidade imposta pela Petrobras a empresas investigadas na Lava Jato não foi tão draconiana quanto ficou marcada no senso comum. Parte dos contratos firmados antes da operação continuou a ser paga pela estatal aos investigados.

A Odebrecht, por exemplo, recebeu R$ 5,337 bilhões da Petrobras de janeiro de 2015 a junho de 2018 —período no qual esteve na lista suja da estatal e ficou impedida de assinar novos contratos.

Polícia Federal na sede da Odebrecht em junho de 2015
Polícia Federal na sede da Odebrecht em junho de 2015 - Zanone Fraissat/Folhapress

Os valores se referem a negócios fechados antes do bloqueio imposto pela estatal, em dezembro de 2014, em decorrência das revelações da Lava Jato, iniciada em março daquele ano.

À época, a então presidente da Petrobras, Graça Foster, resolveu impedir novas contratações de 23 empresas investigadas, mas manteve vigentes os contratos já assinados.

A Odebrecht permaneceu sendo remunerada por serviços prestados pelo seu braço Óleo e Gás, hoje chamado de Ocyan.

Os valores pagos depois da Lava Jato são o dobro do montante repassado pela Petrobras antes da operação. De 2011 a 2014, a estatal pagou R$ 2,617 bilhões à empresa.

Foram 13 os contratos da Odebrecht vigentes no período da lista suja. No conjunto eles somam R$ 10,970 bilhões.

Do total, 11 foram firmados diretamente com a Ocyan. Dois outros foram fechados com uma sociedade entre Odebrecht e a francesa Technip.

A relação dos contratos foi levantada pelo especialista em combate à corrupção Claudio Weber Abramo, cofundador da entidade Dados.org.

Dos contratos firmados diretamente com a Odebrecht, três são de serviços nas plataformas Delba, dois de construção e montagem industrial de plataformas e seis deles --quase metade-- são relativos aos navios-sonda Norbe.

Na extensa troca de emails de Marcelo Odebrecht, interceptada e investigada na Lava Jato, um trecho sobre negócios com navios-sonda, incluindo os Norbe, despertou a atenção da Polícia Federal.

Na troca de mensagens com executivos da petroquímica Braskem, Marcelo estaria tratando de sobrepreço em contratos relacionados aos Norbe.

Quando interceptou os emails, a PF passou a investigar se contratos já existentes tinham indícios de superfaturamento. Procurada pela reportagem, a força-tarefa da Lava Jato não respondeu se chegou a alguma conclusão.

A Petrobras dispõe de um portal da transparência para detalhar os seus contratos. No entanto, o site só passou a informar os valores que já foram quitados em contratos vigentes em fevereiro deste ano.

O saldo a pagar é disposto em seu valor bruto, sem correções previstas nos contratos. Até então, não era possível saber o status dos contratos.

Mesmo com a mudança, a divulgação dos dados pode causar confusão.

Não consta a data de assinatura de contratos, por exemplo. São destacadas as datas de início e fim de vigência.

Negócios suspensos, como os da Sete Brasil, aparecem como ativos, embora, segundo a Petrobras, não tenham saído do papel.

O conteúdo dos aditivos que alteram os valores, prazos e outros itens permanece sob sigilo.

No último dia 6, a Petrobras informou que assinou um termo de compromisso com o grupo Odebrecht para levantar o bloqueio.

A medida abre caminho para que a Ocyan possa voltar a participar de concorrências.

A decisão foi tomada após a Odebrecht firmar acordos de leniência com o Ministério Público Federal e autoridades americanas e ter adotado medidas contra fraudes e corrupção.

Já a Odebrecht Engenharia e Construção (antes chamada de Construtora Norberto Odebrecht) ainda terá de cumprir pontos do programa de integridade para que sua inclusão seja reavaliada.

OUTRO LADO

A Petrobras, em nota, disse que "não há na Lava Jato nenhuma decisão judicial que confirme a existência de sobrepreço" em relação aos navios-sonda Norbe.

A hipótese levantada de existência de irregularidades não se confirmou, afirmou a estatal.

Na mesma linha, a Odebrecht disse que seu braço Óleo e Gás (OOG), hoje Ocyan, "não sofreu nenhum tipo de acusação, inquérito policial ou denúncia criminal relacionado aos contratos que mantém com a Petrobras".

Entre os 77 delatores do grupo, notou, nenhum fazia parte dos quadros da OOG ou relatou qualquer irregularidade relacionada à empresa.

"Investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, além de auditorias internas, não encontraram nenhuma irregularidade nos contratos da empresa", afirma.

Segundo a assessoria da Odebrecht, nas mensagens interceptadas pela PF, Marcelo discutia modelos lícitos de operação comercial de sondas que ainda seriam fabricadas por estaleiros nacionais e futuramente seriam operadas por empresas prestadoras de serviços de exploração de petróleo, ramo em que a OOG, atual Ocyan, atua.

Sobre os pagamentos feitos à Odebrecht durante o bloqueio cautelar, a Petrobras diz que nos contratos em questão "eventuais aditivos passaram a incluir novas medidas de compliance, que incluíam cláusulas anticorrupção".

A estatal apontou como indício da efetividade da lista suja o fato de a Odebrecht ter recorrido contra o bloqueio na Justiça em duas ações.

A Petrobras também afirmou que, como compromisso para sair da lista suja, "a Odebrecht terá de manter um programa de integridade efetivo", cuja verificação poderá ser feita por auditoria realizada pela estatal.

Em relação ao seu portal da transparência, a estatal diz que ela "evita erros, uma vez que um contrato não vale, necessariamente, a partir da data de assinatura".

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