O azedume com que o mercado recebeu os termos do casamento entre a Boeing e a Embraer pode ser explicado pela porosidade do contrato nupcial até aqui e pelos riscos políticos a que ele está exposto.
Talvez não houvesse como ser diferente a essa altura, mas o fato é que não se sabe exatamente como ficará a futura velha Embraer, aquela que tem ações negociadas em Bolsa.
O prazo de até 18 meses de negociação também a deixa vulnerável ao humor do próximo presidente. Presidenciáveis como Ciro Gomes (PDT) já se colocaram contra o acerto.
Após ser aprovado pelo Conselho de Administração da empresa, é improvável que o negócio possa ser anulado, mas uma oposição política do Planalto teria efeito desastroso sobre o valor da empresa.
Se o acordo realmente decolar com a bênção do governo, será feita a excisão da divisão mais lucrativa da fabricante.
DÚVIDAS SOBRE O NEGÓCIO
- Os presidenciáveis já disseram que vetariam o negócio;
- Empresa criada para venda de cargueiro garante a saúde financeira da área militar?
- Sem inovação da área comercial, haverá novas famílias de jatos?
- Nada impede que as linhas regionais sejam levadas para os EUA, afetando empregos no Brasil
No primeiro trimestre deste ano, jatos regionais responderam por 38,3% do lucro líquido da Embraer. Serviços, que incluem majoritariamente esse segmento, geraram 24,05% do bolo.
Esse filé vai para as mãos da Boeing. Ficam para trás os produtos militares (24,4%) e a aviação executiva (12,95%), que serão geridos pela velha Embraer.
Durante meses, especulou-se como a empresa focada em defesa sobreviveria sem a interdependência da área civil.
A solução apresentada, uma indefinida quarta empresa para cuidar de um produto já pronto, o KC-390, parece ter convencido o governo a dar o aval ao negócio.
Pode dar certo. O cargueiro é um produto que está praticamente pronto, com a primeira unidade a ser entregue este ano à Força Aérea.
E o mercado que ele mira é de cerca de 700 aeronaves nas próximas duas décadas, nicho hoje ocupado por rival da Boeing, a Lockheed americana, que fabrica o C-130 Hércules desde os anos 1950.
A Boeing já é responsável pelo marketing internacional do KC-390, e pode alavancar suas vendas. Se isso ajudará a dar solvência futura à velha Embraer, é outra questão.
Pelas declarações iniciais, o outro produto militar de excelência da empresa, o Super Tucano, não entra no acerto, o que é estranho dado que ele disputa uma concorrência nos próprios EUA.
Há a questão da inovação. O departamento de engenharia da Embraer era um só, com transbordo de tecnologias de lado a lado.
E a divisão militar da Embraer sempre esteve ligada à Força Aérea, que criou a empresa em 1969. O KC-390 só existe porque o Brasil investiu R$ 5 bilhões em seu desenvolvimento e compra das 28 primeiras unidades.
Assim, com o país lidando com uma crise fiscal enorme, é previsível que não haja dinheiro para novos programas no futuro próximo, e tudo dependerá do sucesso de exportações de produtos já existentes.
O arranjo agradou o governo porque preservou o poder decisório sobre novos produtos e negócios sensíveis como a participação no submarino nuclear brasileiro.
Ainda na área militar, é preciso esperar a reação dos suecos da Saab, empresa que fornecerá o novo caça do Brasil, o Gripen, que será produzido em conjunto com a Embraer.
Quando a Boeing manifestou interesse de comprar toda a empresa, seu presidente foi a Brasília dizer que não aceitaria ter seu avião sendo montado por uma rival. A separação em tese resolve a questão.
Na aviação executiva, a Embraer tem uma família completa, cujos modelos sempre emularam processos e tecnologias dos jatos regionais. Haverá novos produtos no futuro?
Outro ponto de interrogação do negócio é sobre o real potencial de geração de empregos.
Segundo a empresa, inicialmente as linhas de produção ficarão em São José dos Campos, mas isso pode mudar no futuro.
A Boeing lidera uma das grandes cadeias mundiais de produção aeronáutica, a outra é da Airbus, sua rival europeia, e há um polo russo-sino-indiano incipiente.
Não é despropositado pensar que ela poderá levar as linhas para os EUA, assim como a própria Embraer monta seus aviões com peças de diversos países.
Nesse caso, a preocupação com os empregos no Brasil é lícita. Por outro lado, especialistas apontavam a dificuldade de a Embraer sobreviver no mercado sem integrar-se a uma dessas cadeias, aí o desemprego seria maior no futuro.
Quando a Airbus comprou a linha de jatos regionais da canadense Bombardier, ficou claro para os executivos brasileiros que sua rival teria uma plataforma formidável para alavancar vendas. Nesse sentido, o casamento com a Boeing ficou quase inevitável, apesar das repetidas declarações de que não era prioritário.
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