Após investigação, CVM aponta ausência de controles internos na JBS

Autarquia diz que só Wesley Batista, dono da empresa, ditava operações com derivativos

São Paulo

 

A investigação inicial da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) sobre a política de hedge da JBS evidencia a total falta de controles internos da companhia. As apurações da autarquia iniciaram após 17 de maio de 2017, quando a imprensa noticiou a delação premiada de Joesley e Wesley Batista, donos da empresa, e a existência de gravações feitas por Joesley  de conversas com o presidente Michel Temer.

Nos dias seguintes, começaram a surgir notícias de que a família Batista havia operado com ações da empresa e com derivativos cambiais sabendo qual seria a reação do mercado quando a gravação e a delação viessem à tona. A CVM acusa a família Batista e a empresa de terem obtido vantagem indevida no mercado. 

Conforme o relatório feito pela Superintendência de Processos Sancionadores da CVM, durante as apurações, a JBS informou que não possuía uma diretoria de finanças, pois ela não estava prevista em seu estatuto. A empresa mantinha, apenas um diretor financeiro, “não estatutário”, ou seja, que não participava dos riscos do negócio. A autarquia observou, no entanto, que o artigo 20 do estatuto social da JBS pede o diretor de finanças  —estatutário, portanto—  que teria entre suas competências “dirigir e orientar “ as políticas de hedge pré-definidas pelo diretor-presidente.  Empresas que têm exposição cambial, caso da JBS, costumam ter políticas de hedge (proteção) para reduzir a volatilidade dos fluxos de caixa. 

No caso da JBS, existia uma política de hedge aprovada pelo conselho de administração em 15 de dezembro de 2014. A companhia havia feito uma grande posição cambial em 2013. E a primeira vez que a alterou foi em abril de 2016. A segunda vez em que operou em volumes significativos com derivativos cambiais foi em 5 de maio de 2017, dois dias depois de os executivos terem assinado a delação, que vazou no dia 17.

A CVM não concedeu acesso à íntegra do processo sobre o caso. Mas os trechos liberados indicam que, após conversas com executivos e conselheiros da companhia, consegue afirmar que o único responsável pelas diretrizes e execução da política de hedge era Wesley Batista, então diretor-presidente e conselheiro da empresa. Ele cuidava das operações como quisesse, sem seguir qualquer política. O conselho desconhecia as operações e, apesar de ter atribuição de monitorá-las, nunca o fez. O próprio Wesley afirma que o conselho só tomava conhecimento das operações quando a empresa publicava balanços.

Soluções no papel

O volume de operações com derivativos cambiais feitos pela JBS sempre chamou a atenção do mercado.

Em 2013, a CVM já havia solicitado à empresa que prestasse alguns esclarecimentos sobre sua atuação nesse mercado. Naquele mesmo ano, o conselho fiscal da companhia solicitou a contratação de uma consultoria externa para poder responder à autarquia. A escolhida foi a KPMG que, segundo o relatório da CVM, apontou “falhas graves” nos controles internos da empresa. A JBS, como contrapartida, apresentou um plano de ação, elaborado pela diretoria de controle de riscos, para sanar essas falhas.

O plano foi aprovado pelo conselho, mas a CVM identificou que as medidas nunca foram adotadas. Se foram, observa o documento, foi apenas por um breve período. Diz o relatório: “É impressionante que uma companhia que declara cumprir voluntariamente práticas de boa governança corporativa tenha contratado uma consultoria para melhoria de processos, tenha apresentado soluções teóricas para correção de falhas apontadas por essa consultoria, a qual aprovou-as, e então,  não tenha incorporado permanentemente tais melhorias, não tenha aproveitado a oportunidade de melhorar suas práticas”. E complementa: “E, mais, parece ter havido a intenção de apresentar soluções no papel apenas para obter o segundo relatório positivo da KPMG , para, então usá-lo quando necessário, mesmo não tendo ocorrido a implementação completa das recomendações". 

As operações que Wesley ordenava  não passavam pela diretoria financeira, conforme previa o estatuto. A área responsável por executar as estratégias de hedge era a diretoria de controle de riscos. Dois operadores dessa área tinham, inclusive, “livro próprios” para suas operações. Isso equivale dizer que operavam com câmbio de forma autônoma, em operações fora da política de hedge cambial. Os bônus deles dependiam dos resultados gerados nesses livros próprios. 

Obedecer a lei

Apesar do argumento da defesa de Wesley de que o executivo trairia a empresa e violaria o dever de diligência e lealdade se não tivesse feito as operações, a CVM afirma que as oportunidades decorrentes do cenário que a delação anunciava "jamais poderiam ter sido aproveitadas de modo a aparentar pretensa lealdade com a companhia". “Sua lealdade com a companhia inclui o dever de não infringir a lei”, diz o relatório.

Além de operar em nome da JBS, Wesley  também ordenou a compra de derivativos em dólares em nome da Seara e da Eldorado, outras empresas em que era acionista relevante e tinha poder de decisão. Além dele, o irmão Joesle operou com uso de informação privilegiada na venda de ações da JBS em nome da FB Participações, holding controladora da JBS e Eldorado, e de propriedade da família. As apurações estão reunidas num inquérito da CVM, para posterior acusação e julgamento pelo colegiado da autarquia. 

Procurada, a JBS  "esclarece que governança tem sido tema de constante aprimoramento". E em relação às questões levantadas pela reportagem, não irá comentar assuntos que estão em discussão administrativa.

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