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Atuação do BC na compra da XP pode gerar insegurança jurídica

Cade ter permitido operação foi ruim, mas BC cometeu erro (talvez mais grave) de ir além de seu mandato

Sede do Banco Central em São Paulo
Sede do Banco Central em São Paulo - Charles Sholl/Raw Image
Marcos Köhler

A XP é uma plataforma on-line de negociação de valores mobiliários e de distribuição de investimentos de outras instituições, como CDBs, LCI e outras alternativas de aplicação financeira. 

Detém quase 50% do mercado em que atua e é uma das mais bem-sucedidas entre as chamadas fintechs brasileiras.

Nesta sexta-feira (10), o Bacen (Banco Central) decidiu que o Itaú não poderá deter imediatamente o controle acionário da XP. 

É uma providência que mitiga os danos causados pela controversa decisão anterior do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que surpreendentemente permitiu a aquisição.

Vista estritamente sobre o mérito, a medida tomada pelo Banco Central foi acertada, pois reforça a concorrência. 

Consideradas suas atribuições institucionais, entretanto, a decisão foi um retrocesso, pois o Bacen exorbitou de sua competência. 

Esse retrocesso faz crescer a desconfiança —que já não era pequena— entre os consumidores, sobre a real capacidade das diversas agências de regulação econômica do país de exercerem com competência os seus papeis específicos. 

De fato, o Cade ter permitido a aquisição da XP pelo Banco Itaú foi muito ruim. 

A baixa competição no segmento bancário, que vem se agravando nos últimos anos, só pode ser contrastada pelo surgimento e crescimento das chamadas fintechs —empresas financeiras que, por utilizarem tecnologias mais avançadas e atuarem em nichos, podem operar com custos muito menores do que os grandes bancos. 

E elas vêm incomodando as grandes instituições.

Manter um ambiente de independência das fintechs é essencial para que se estabeleça real concorrência no mercado bancário brasileiro.

A conselheira Cristina Alckmin —que foi voto vencido na decisão do Cade— sublinhou exatamente esse aspecto do julgamento: se o Cade autoriza o maior banco privado a comprar a corretora on-line que detinha 50% do mercado dessas plataformas, como o órgão poderá futuramente proibir a absorção de plataformas menores?

Depois do estrago, é claro que a decisão do Bacen é positiva para esse caso específico, mas levanta preocupações sobre a qualidade das instituições que deve zelar pela regulação econômica no Brasil. 

Para consertar um erro, o Banco Central cometeu o erro —talvez mais grave— de ir além de seu mandato.

Sempre houve conflito de competências entre o Bacen e o Cade no que respeita os processos de aquisição no setor financeiro. 

Esse conflito teria sido dirimido pelo acordo feito pelos dois órgãos, segundo o qual o Banco Central se ateria apenas à análise de risco sistêmico que pudesse haver em processos dessa natureza, enquanto ao Cade caberia a análise estrita de concorrência.

Com a decisão anunciada nesta sexta-feira, o Banco Central rompeu com esse arranjo. Daqui para frente, qualquer decisão do Cade poderá ser desfeita pelo Banco Central.

Em outras palavras, temos insegurança jurídica e desordem institucional.

Para facilitar o entendimento, vale alusão ao futebol. Para evitar o gol contra do Cade, o Banco Central espalmou a bola, mesmo não sendo o goleiro. 

A decisão nos salvou de uma derrota feia, mas à custa de as instituições meterem os pés pelas mãos. E assim não se ganha o campeonato.
 

Consultor legislativo do Senado e ex-analista do Banco Central do Brasil

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