Em 17 anos, XP muda indústria de investimentos e incomoda bancos

Visão de negócio reformulou corretoras, que ampliaram oferta de aplicações, inclusive de terceiros

Ana Paula Ragazzi
São Paulo

Criada há menos de 18 anos, a XP chacoalhou a engrenagem da indústria de investimentos no Brasil, antes comandada pelos bancos.

Mudou a forma de atuação das corretoras, fortaleceu os agentes autônomos, tomou conta da distribuição de fundos e incomodou os bancos.

Tanto incomodou que, no ano passado, o Itaú anunciou a compra de 49,9% da XP, com possibilidade de elevar essa participação nos anos seguintes. No início do mês, o Banco Central deu aval à operação, mas limitou o avanço do banco no controle da empresa.

O negócio criado em Porto Alegre por dois jovens com 20 e poucos anos, Guilherme Benchimol e Marcelo Maisonnave, foi avaliado pelo novo sócio, o Itaú, em R$ 12 bilhões.

“A XP inovou porque deixou de pensar no produto, como faziam os bancos, para pensar nas necessidades do cliente”, afirma Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper.

Os dois sócios começaram, em 2001, como agentes autônomos, profissional que apresenta investidores aos produtos financeiros, mas não pode fazer recomendações.

Nos fins de semana, Benchimol e Maisonnave davam cursos de educação financeira para ampliar a renda. Logo perceberam que era uma excelente forma de captar clientes. 

Cresceram tanto que compraram uma corretora no Sul e depois foram para São Paulo, surfando o boom das ofertas iniciais de ações em 2006 e 2007. Veio a crise financeira global em 2008, e ficou claro que precisavam diversificar. 

Retrato de Guilherme Benchimol, fundador e presidente da XP, sentado em seu escritório, com a cidade de São Paulo ao fundo
Guilherme Benchimol, fundador e presidente da XP, no dia em que BC aprovou, com restrição, a compra de participação de 49,9% pelo Itaú - Joel Silva/Folhapress

Emprestaram, então, a filosofia da corretora americana Charles Schwab e passaram a trabalhar no conceito de supermercado financeiro. Em vez de ofertar só ações, começaram a colocar, numa plataforma eletrônica, todos os produtos de investimentos, como renda fixa e fundos.

A tese era que o cliente é mal atendido nos bancos, que ofertavam apenas produtos próprios. A ideia com a plataforma era deixar todos os produtos da indústria visíveis para que o investidor pudesse compará-los e escolhê-los.

Oferecendo só ações, a XP pegava apenas uns 5% do patrimônio do investidor, destinado a aplicações de maior risco. Ao diversificar, conseguiria alcançar até um terço de seu patrimônio. A medida também blindou o negócio: se o momento era ruim na Bolsa e os juros básicos estavam nas alturas, ofereciam a renda fixa. E assim por diante. 

De início, a própria indústria de fundos resistiu a colocar seus produtos na plataforma da desconhecida XP

Com o passar dos anos, vendo a força e a velocidade de captação da empresa, praticamente todo o mercado aderiu. Isso possibilitou ao pequeno investidor acessar gestores de renome, antes disponíveis só aos mais afortunados, como Gávea, de Armínio Fraga; ou Verde, de Luis Stuhlberger. 

Assim, a XP apontou o modelo de sobrevivência para as corretoras no Brasil. Conseguiu dominar o mercado porque essas casas eram empresas familiares, que geriam os negócios a partir de subsídios dados pelas Bolsas. 

Em 2007, no entanto, BM&F e Bovespa abriram capital e deixaram de funcionar como clubes, transformando-se em empresas que buscam o lucro. 

Todos os subsídios foram cortados. E as corretoras, em vez de tentar modernizar seus negócios, entraram numa briga com as Bolsas por melhores condições —enquanto elas reclamavam, a XP ascendia. 

Em 2008, havia mais de 80 corretoras funcionando. Hoje, esse número está perto da metade. Muitas fecharam, se juntaram ou foram compradas pela XP ou pela sua principal concorrente, a Guide.

Ao mudar o modelo do negócio, a XP consolidou a profissão de agentes autônomos. Mais de uma dezena dos que trabalham com a XP responde hoje por carteiras bilionárias de clientes. 

Há cerca de um ano, eles criaram uma associação, a ABAAI. A Folha apurou que o primeiro grande pleito será retirar o veto que existe hoje para que essas casas possam atrair sócios investidores.

A intenção é conseguir mais recursos para investir em tecnologia e compliance (conformidade com boas práticas), mas também monetizar os seus negócios. 

Os bancos ficaram vendo tudo acontecer e passaram a se movimentar apenas nos últimos anos, lançando as suas próprias plataformas. 

No caminho, houve problemas, principalmente na relação de investidores e agentes autônomos e no investimento sob o aspecto tecnológico. Nada que viesse a comprometer o negócio, mas por essa razão a chancela do Itaú vem no momento certo. 

Continuando na estratégia de ir abocanhando o patrimônio dos clientes, os próximos passos da XP seriam uma seguradora e um banco. Em nota, a XP afirma não dispor hoje de licença para atuar como banco, mas que projeta ter um no grupo, para dar crédito aos clientes, assim como faz a Schwab. 

“Os clientes poderão manter os investimentos que já têm na XP [em garantia] e acessar um crédito mais barato do que nos bancos”, diz a nota.

Desde 2013, Benchimol fala em lançar um banco de varejo. Isso não aconteceu porque poderia atrapalhar o argumento da abertura de capital, inicialmente prevista para dar saída do investimento a alguns fundos de participações que aplicaram na XP —e a viabilizaram. Como sempre criticaram os bancos, poderia soar mal aos investidores querer transformar-se em um. 

“Mesmo que vire banco algum dia, não acredito que a XP seguirá os moldes dos tradicionais, competindo em pontos que exigem escala, como folha de pagamentos”, diz Wellington Lopes de Souza, professor de finanças do Ibmec/SP. “Ela vai atuar como banco digital, em nichos em que pode se beneficiar de sua agilidade.” 

A preocupação de que a XP perca o brilho com o Itaú na sociedade também é afastada por Benchimol. Com as condições do BC para aprovar o negócio, ele vai ter de renegociar a venda do controle da empresa daqui a oito anos. Se ela perder valor, Benchimol perderá também, já que não tem ações do Itaú.

 

A história da empresa

2001  
Nasce com agentes autônomos oferecendo educação financeira

2005 
Cria área de gestão de recursos

2007 
Compra a Manchester e vira corretora

2010 
Vende participação minoritária de 20% para fundo Actis

2011 
Compra as corretoras Senso e Interfloat

2012 
Compra a corretora Prime; fundo general Atlantic entra na XP

2013 
Lança shopping financeiro e anuncia intenção de criar banco de varejo

2014 
Compra a Clear Corretoras

2015 
Adquire a corretora UM

2016 
Compra a corretora Rico

2017 
Começa processo de IPO e recebe oferta do Itaú 

2018 
Fecha negócio com o Itaú

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.