Descrição de chapéu The New York Times

Leitores se tornam acionistas de jornais na região vinícola da Califórnia

Investidores disseram que não querem só salvar o jornal local; também querem salvar a democracia

Healdsburg | The New York Times

A praça central da cidade de Healdsburg parece pertencer ao passado: muito verde, sequoias e palmeiras, uma padaria famosa pelos bolinhos doces que produz a cada manhã, e uma pousada com mais de um século de idade que alardeia a "acolhida calorosa da terra do vinho".

E Healdsburg também é a espécie de comunidade, dada a riqueza abundante e a presença forte de moradores da geração baby-boom [os americanos nascidos entre 1946 e 1964], que ama o jornal local.

O jornal semanal The Healdsburg Tribune, em Healdsburg, na Califórnia
O jornal semanal The Healdsburg Tribune, em Healdsburg, na Califórnia - The New York Times

Mesmo assim, no ano passado, Rollie Atkinson, proprietário e editor do Healdsburg Tribune e de três outros jornais semanais no condado de Sonoma, estava contemplando uma realidade financeira cruel. O modelo de negócios de suas publicações, diz ele, "estava se deteriorando rapidamente". Ele estava farto de investir suas economias pessoais nos jornais para mantê-los em funcionamento, e da batalha diária para continuar operando em um ambiente no qual os leitores têm acesso a uma torrente de informações gratuitamente.

"Eu sabia que precisávamos fazer alguma coisa de diferente", ele disse.

Atkinson contratou um corretor para avaliar o seu negócio, imaginando que talvez pudesse encontrar um investidor dotado de recursos. Mas a ideia não foi adiante.

Em seguida ele identificou uma segunda possibilidade. Ao sul de Healdsburg, em Berkeley, Califórnia, um site noticioso chamado Berkeleyside havia adotado uma abordagem nova quanto à crise nas notícias locais: vender ações aos seus leitores. A ideia foi um grande sucesso. A oferta pública direta de ações do site –um versão mais íntima de uma oferta pública inicial, na qual a empresa coloca ações no mercado sem a assessoria de um banco de investimento– foi aberta em 2016 e se encerrou este ano, e o Berkeleyside arrecadou US$ 1 milhão (R$ 4,08 milhões) em capital.

"A oferta pública direta é a manobra certa", disse Atkinson. "Permite planejamento em prazo mais longo. Permite propriedade comunitária, adesão comunitária".

Por isso, Atkinson adotou estratégia semelhante –o que nenhum jornal local havia tentado até ali–, e organizou vendas diretas de ações nos quatro jornais que formam sua companhia, a Sonoma West, publicações com uma circulação paga combinada de 9,9 mil cópias por semana. De março para cá, ele já obteve um quarto do total de US$ 400 mil (R$ 1,6 milhão) que planeja arrecadar para o Healdsburg Tribune, Cloverdale Reveille, Windsor Times e Sonoma West Times & News. A oferta direta expirará em março de 2019, e os eventos de divulgação consistem de jantares, coquetéis e conversas de Atkinson com os moradores das cidades que seus jornais cobrem. (Há um prospecto sobre a oferta direta inicial disponível online, que oferece um raro vislumbre sobre as finanças de uma cadeia de jornais locais.)

"O esporte aqui envolve muito contato", disse Atkinson em entrevista recente, em  companhia de seu editor executivo Ray Holley. "Nossos leitores estão bem aqui. Falamos com eles cara a cara. Quando estamos na fila do supermercado, as pessoas que vemos lá são nossos assinantes e leitores. Ray e eu sempre demoramos muito para fazer as compras".

Os jornais locais sempre foram um dos esteios das comunidades dos Estados Unidos. Mas as mudanças que varreram o setor de mídia como um todo foram devastadoras para essas pequenas publicações. Ao longo dos últimos 10 anos, muitas fecharam as portas, e outras demitiram pessoal em suas redações e reduziram sua periodicidade.

Rollie Atkinson, dono do jornal The Healdsburg Tribune e três outros semanais em Sonoma County
Rollie Atkinson, dono do jornal The Healdsburg Tribune e três outros semanais - NYT

Mas o momento político que os Estados Unidos vivem está ajudando na cruzada de Atkinson. O condado de Sonoma é fortemente apegado ao Partido Democrata –ainda que haja bolsões de conservadorismo nas comunidade agrícolas–, e os ataques constantes do presidente Donald Trump à mídia noticiosa preocupam muitos dos leitores dos jornais.

Diversos dos novos investidores de Atkinson lhe disseram que não querem só salvar seu jornal local. Também querem "salvar a democracia", ele disse.

Um desses investidores é Marie Gewirtz, 67, que vive em Healdsburg há três décadas e se aposentou de seu emprego em marketing no setor vinícola local.

"Muitos de nós vemos muito valor no jornal local", ela disse. "Fui criada acreditando que o jornalismo é essencial para a democracia".

Nos últimos anos, o jornal reduziu sua edição semanal em duas páginas, em muitos momentos, e isso causou insatisfação na comunidade, especialmente entre os moradores mais velhos, por prenunciar o desaparecimento de um ritual apreciado. "O pessoal que gosta de se acomodar e ler o jornal em papel, tomando um café ou um vinho", é como Gewirtz descreve esse grupo.

Ela acrescenta que "em minha opinião, agora mais que nunca podemos apoiar a democracia ao apoiar nossas comunidades locais".

Rick Theis, 72, que também se aposentou do trabalho no setor vinícola, disse que "recebo minhas notificações do The New York Times a cada dia, e abro os artigos com pavor: o que nosso infame presidente fez agora?"

Por isso ele decidiu investir US$ 5 mil (R$ 20,4 mil) na Sonoma West, uma transação que, segundo ele, serviu para que sentisse estar ajudando, ainda que modestamente, na resistência às forças que reduziram o papel tradicional do jornalismo na sociedade americana.

"Eu realmente confio no pequeno jornal comunitário", disse Theis. "Eles pelo menos têm pessoal treinado para cobrir as notícias, o que não acontece no caso da mídia social".

Em nota aos leitores publicada este ano, os editores do Berkeleyside escreveram que "as notícias locais estão em perigo nos Estados Unidos, mas a oferta pública direta do Berkeleyside mostra que pequenos sites podem arrecadar o capital de que precisam para o sucesso dentro de suas comunidades". O Berkeleyside ajudou a Sonoma West em sua oferta pública direta.

Atkinson acrescentou que não acreditava que uma oferta de ações possa funcionar para muitos outros jornais locais, especialmente aqueles que não atendam a áreas endinheiradas como o condado de Sonoma, ou que não contem com um quadro de leitores semelhante, mais velho e de inclinações progressistas.

Agora que ele tem um influxo de capital, porém, uma das primeiras coisas que planeja fazer é aumentar o salário de seu pessoal de redação, um total de oito jornalistas. Os repórteres estavam ganhando US$ 15 (R$ 61,2) por hora, o que é o valor do salário mínimo que entrará em vigor na Califórnia em alguns anos.

"Não pago tão pouco por ser pão-duro", disse Atkinson. "Pago pouco porque era o máximo com que podíamos arcar".

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