Lira turca se recupera e dá alívio a emergentes; dólar recua para R$ 3,87

Bolsa brasileira avançou mais de 1% com resultados corporativos

Mulher sentada perto de painel com cotação de moedas na em Istambul, na Turquia
Mulher sentada perto de painel com cotação de moedas na em Istambul, na Turquia - AFP
Anaïs Fernandes Danielle Brant
São Paulo e Nova York

Após bater R$ 3,93 na segunda-feira (13), o dólar fechou em baixa ante o real nesta terça (14), em um movimento de acomodação em sintonia com o exterior após dois dias turbulentos devido à crise cambial na Turquia. 

O dólar comercial recuou 0,79%, cotado a R$ 3,867. Das 31 principais divisas do mundo, 15 ganharam força sobre o real. A lira turca avançou 8,94%, após cair mais de 8% no pregão anterior.​

A Bolsa brasileira, que conseguiu se segurar em alta na segunda, subiu 1,43%, a 78.602,11 pontos, segundo dados preliminares. Além da trégua no exterior, o índice ganha na correção da semana passada, marcada por perdas, e com resultados corporativos fortes.

O movimento de correção pelo qual passaram países emergentes e Wall Street nesta terça não foi observado na Europa, onde investidores continuaram preocupados, ainda que em menor grau, com a exposição de instituições financeiras à lira turca.

Nos Estados Unidos, o Dow Jones, principal índice de Nova York, subiu 0,45%, enquanto o S&P 500 avançou 0,64%. O índice de tecnologia Nasdaq ganhou 0,65%.

Entre os europeus, no entanto, os maiores mercados operaram no vermelho. A Bolsa britânica recuou 0,40%, e a francês caiu 0,16%. A Bolsa da Alemanha ficou estável.

Bancos europeus são os maiores financiadores do governo e de empresas turcas, que têm uma dívida em dólar considerada elevada. Conforme a lira turca perde força, o temor é que fique mais difícil para elas honrarem suas obrigações junto às instituições. 

O BCE (Banco Central Europeu) já demonstrou receio, principalmente em relação aos bancos BBVA, UniCredit e BNP Paribas.

O ministro das Finanças turco, Berat Albayrak, tentou acalmar os mercados informando que realizará uma teleconferência com investidores dos Estados Unidos, Europa e Oriente Médio na quinta-feira (16), a primeira desde que assumiu o cargo há quase dois meses.

Albayrak disse que a Turquia protegerá a lira e espera que a moeda se fortaleça. Afirmou ainda que continuará a tomar medidas dentro das regras do livre mercado e que agirá para diminuir os riscos cambiais às empresas. 

A declaração de outros membros do governo turco, no entanto, ameaça reverter o quadro de trégua.

O ministro do Meio Ambiente e Urbanização, Murat Kurum, disse que a Turquia não vai utilizar produtos americanos para construções.

Mais cedo, o próprio presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que o país boicotará produtos eletrônicos dos Estados Unidos, em mais um capítulo na disputa com Washington que contribuiu para provocar quedas recordes da lira.

A moeda entrou em queda livre devido a preocupações com a direção da política monetária de Erdogan, e o agravamento das relações do país com os Estados Unidos. 

Na véspera, o banco central turco anunciou ações para tentar aumentar a liquidez no mercado, mas elas não foram suficientes para conter a queda da lira, e o que investidores esperavam mesmo era uma elevação nas taxas de juros —como a promovida pela Argentina.

Hoje, analistas avaliam que as medidas trazem algum alívio.

"A injeção de liquidez do BC turco para recuperar a estabilidade do sistema financeiro e a decisão da bolsa de Istambul de proibir vendas a descoberto geraram uma trégua. Mas os efeitos aparentam ser apenas marginal [...] A inflação gira acima de 15% e a alta dos juros parece inevitável. No extremo, o controle de capital no país pode ocorrer", escreveu a Guide Investimentos em relatório.

Também na segunda, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, se reuniu com o embaixador da Turquia nos EUA para discutir a detenção do pastor americano Andrew Brunson, conforme informou a Casa Branca.

Brunson, que vive na Turquia há mais de duas décadas, enfrenta julgamento no país por acusações de terrorismo e está em prisão domiciliar, impedido de viajar. Em retaliação à situação, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na sexta-feira (10) que dobraria as tarifas sobre o aço e alumínio importados da Turquia.

MERCADO BRASILEIRO

Antes da crise turca atingir o mercado brasileiro, os gestores de fundos estavam mais otimistas em relação às perspectivas para Bolsa e real no fim do ano.

A percepção está refletida em pesquisa do Bank of America Merrill Lynch realizada entre 3 e 9 de agosto, um dia antes da piora das turbulências na Turquia, feita entre 39 especialistas com cerca de US$ 136 bilhões de ativos sob gestão.

O levantamento mostra que 46% dos gestores viam o Ibovespa, principal índice do mercado acionário brasileiro, acima de 85 mil pontos no fim do ano. Em julho, 23% achavam o mesmo.

Já 72% viam o dólar cotado abaixo de R$ 3,80 no final do ano, contra 49% em julho.

O otimismo tem relação com o cenário eleitoral, embora as eleições ainda sejam consideradas pelos gestores o maior risco ao mercado brasileiro. 

Para 36%, há mais de 50% de chances de vitória de um candidato de centro-direita na eleição, ante 14% em julho. Além disso, 75% confiam que a reforma da Previdência seja aprovada em 2019.

 

Entenda a crise da moeda turca e como ela afeta o Brasil

Por que a lira turca cai?
Há diversas razões. Nos últimos dias, as atenções se voltaram a uma disputa entre os EUA e a Turquia, aliada dos americanos há mais de 60 anos, porque o Departamento de Estado americano impôs sanções ao país em razão da detenção, pelas autoridades turcas, de um pastor evangélico da Carolina do Norte.

O problema todo é o pastor?
Não. O país prosperou com o fluxo de capital estrangeiro, conforme países ricos (tidos como mais seguros) mantinham juros baixos, encorajando investidores a buscar retornos mais altos na Turquia e em outros emergentes, que pagam taxas mais elevadas como "prêmio" pelo risco maior. Agora, com a alta das taxas nos EUA, ficou mais difícil para a Turquia (e outros emergentes, como o Brasil) obter os fundos de que necessita. O deficit em conta-corrente turco, de 5% do PIB, é considerado muito alto —no Brasil, o indicador ronda 0,5%.

Qual o papel de Erdogan na crise?
Economistas sugerem ações para frear economia, como a alta dos juros, para controlar a inflação, que atingiu 16% em julho, e reduzir o deficit —com menor consumo, as importações cairiam e, assim, a dependência de capital externo diminuiria. No entanto, o presidente Recep Tayyip Erdogan, o mais poderoso líder da Turquia desde Mustafa Kemal Ataturk, não parece convencido de que haja necessidade de corrigir o equilíbrio da economia.

O que BC da Turquia anunciou nesta segunda?
O Banco Central turco não mencionou taxas de juros, mas se comprometeu a fornecer liquidez ao mercado. A autoridade monetária revisou os índices de reservas obrigatórias que bancos precisam manter no BC e informou que proporcionaria ao sistema financeiro quase 10 bilhões de liras, US$ 6 bilhões e o equivalente a 3 bilhões em ouro.

Por que a situação na Turquia afeta o Brasil?
A crise turca sinaliza para o mercado a existência de fragilidades nos mercados emergentes como um todo, incluindo o Brasil. Avessos a esse risco potencial, investidores preferem tirar capital dessas praças e buscar segurança em outros mercados, como o americano.

Com Reuters

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