Capacidade de fazer reformas define nível de risco do Brasil, diz S&P

Agência de classificação de risco afirma que futuro presidente precisa ter plano consistente

Anaïs Fernandes
São Paulo

Após rebaixar a nota de crédito do Brasil em janeiro, a agência de risco S&P Global está de olho no resultado das eleições e, mais especificamente, na capacidade do futuro presidente de formar coalizões e promover reformas fiscais para reavaliar a classificação brasileira.

"A fraqueza fiscal é a chave para a avaliação do Brasil. Há muito espaço para volatilidade, qualquer eleição é assim. Mas nada vai acontecer com a nota de crédito do país até sabermos qual é o plano da administração", diz Sebastian Briozzo, analista de ratings soberanos para a América Latina.

Sede da agência de classificação de risco Standard & Poor's, em Nova York
Sede da agência de classificação de risco Standard & Poor's, em Nova York - Henny Ray/AP

Em janeiro, a S&P rebaixou a nota de crédito da dívida do Brasil de "BB" para "BB-", --três degraus abaixo do grau de investimento, concedido a países considerados bons pagadores--, argumentando lentidão no progresso de medidas para corrigir em tempo a piora fiscal.

Segundo Briozzo, para a nota de crédito brasileira permanecer no patamar em que está após as eleições ou até subir, o futuro presidente deverá apresentar um plano consistente para a questão fiscal, e isso passa, necessariamente, por uma reforma da Previdência, diz o analista.

"Para nós, é menos importante quem vai ganhar, mas qual é a capacidade que terá de criar coalizões e mudar essa estrutura no longo prazo", afirma.

Briozzo ressalta que mudanças mais brandas na condição fiscal e no sistema de aposentadorias podem sustentar a classificação do Brasil no curto prazo, mas, no médio prazo, serão necessárias medidas mais profundas.

"Estamos incorporando agora na nossa avaliação que mudanças fiscais vão acontecer. Temos a consciência da sensibilidade em se promover esse tipo de reforma, mas se nada mais estrutural for feito, vai ser muito difícil o Brasil manter o rating de hoje", diz, acrescentando que um sucesso em promover mudanças vai depender da vontade do novo presidente de "gastar capital político" com isso.

"Faremos reuniões com mais frequência. Se algo inesperado acontecer, vamos reagir. Mas não é a tendência. Após as eleições, será preciso observar as medidas da nova administração, o nível de suporte, como será a implementação, tudo isso toma um tempo para avaliar", afirma Briozzo.

MERCADO FINANCEIRO

Sobre a volatilidade nos mercados financeiros no Brasil --seja pela instabilidade pré-eleição, seja pela contaminação por crises em outros emergentes--, a equipe da S&P para a América Latina explica que observa fundamentos mais estruturais para definir suas notas e reforça que o Brasil tem particularidades.

"A depreciação do câmbio aconteceu mais rápido do que esperávamos inicialmente, mas fatores estruturas são mais importantes para compor o rating. Não é problemático, a não ser que o Brasil de torne mais dependente de financiamento externo no longo prazo, como é o caso da Turquia ou da Argentina, que precisam ir ao mercado para se financiar. O Brasil tem um capital doméstico maior que outros emergentes e, por isso, não está sofrendo tanto", diz Briozzo.

Julyana Yokota, especialista de infraestrutura, destaca, no entanto, que as companhias que estão expostas à flutuação do dólar --em geral, exportadoras-- estão fazendo hedge (seguro cambial).

Em relação às empresas brasileiras de forma geral, Diego Ocampo, especialista em corporações, diz que a nota de crédito no Brasil não difere tanto de pares como o México, mas destaca que as companhias brasileiras também sofrem com incertezas políticas. 

"Elas não sabem como agir ao se orientar para um mercado doméstico em que não conseguimos prever as principais variáveis. As empresas estão muito mais cautelosas no uso do capital e nas finanças dos negócios", afirma.

Comentando sobre a proposta do candidato Ciro Gomes (PDT) de tirar 63 milhões de brasileiros do SPC, Cynthia Cohen-Freue, especialista em instituições financeiras, diz que a medida não seria boa para a avaliação dos bancos.

"Algo parecido foi feito no Chile há alguns anos e não foi positivo para os bancos. É uma medida popular, com a ideia de dar uma nova oportunidade aos devedores, mas o que acabou acontecendo é que eles voltaram a se endividar. Não houve uma deterioração do setor por isso e não chegamos a baixar a nota dos bancos chilenos, mas é preciso lembrar que o risco dos tomadores de crédito no Brasil não é tão bom quanto no Chile", afirma.

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