Dos anos Vargas à redemocratização, o empresariado sempre teve participação em momentos históricos da política brasileira. Tudo indica que o nível de engajamento recente deve se somar a essa lista, mas também romper com ela por uma novidade: o crescente protagonismo.
Se anteriormente empresários se articularam para influenciar Executivo e Legislativo, hoje cada vez mais querem ocupar esses espaços.
Segundo levantamento feito pela Folha na base de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), havia 309 empresários candidatos em 1998, cerca de 2% do total. Em 2006, foram 1.468, quase 8% do total.
Na disputa em curso, até agora, são 2.491 —mais de 10% do total. O número é parcial, pois a entrega de informações ao TSE só se encerra nesta semana, mas já é um recorde.
Exemplos notáveis dessa estratégia são as candidaturas de João Amoêdo (Novo), do setor financeiro, Paulo Skaf (MDB), que presidia a Fiesp, entidade que representa a indústria paulista, e João Doria (PSDB), que, ao concorrer à prefeitura paulistana em 2016, virou referência no discurso de que o público precisa de um gestor.
Embora não sejam os primeiros empresários na política, alicerçam uma plataforma que coloca como diferencial o fato de serem empresários.
É sintomático que o tema do Fórum da Liberdade, organizado há 30 anos pelo IEE (Instituto de Estudos Empresariais), tenha sido em 2018 “A Voz da Mudança” —e que a edição tenha obtido número recorde de participantes.
“Há uma descrença por parte do empresário em acreditar que o caminho exercido até então, de apoiar campanhas ou partidos, poderia funcionar como agente de mudança”, afirma Júlio Bratz Lamb, presidente do IEE.
As crises econômica e política nas quais o Brasil mergulhou influenciaram diretamente esse ceticismo, avalia ele, motivando empresários a levar o lema “faça você mesmo” para a política.
A abordagem mais pró-ativa dos empresários na política ocorre também no momento em que doações de empresas a campanhas foram proibidas. Sai na frente, assim, quem já tem patrimônio pessoal —Amoêdo, por exemplo, declarou R$ 425 milhões.
Além de candidaturas, os empresários também estão se articulando em outras frentes políticas, caso do Movimento Brasil 200, encabeçado pelo presidente da Riachuelo, Flávio Rocha —que chegou a se lançar pré-candidato à Presidência, mas desistiu.
Outras iniciativas de empresários são o Renova Brasil, liderado por Eduardo Mufarej com o apoio de Abilio Diniz e Luciano Huck, e a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), criada por Guilherme Leal, da Natura.
O objetivo desses projetos, segundo seus idealizadores, é capacitar novos quadros para a política.
“Não existe vácuo de poder. Ele é sempre ocupado por alguém. No momento em que alguns nomes são retirados do cenário eleitoral, como o ex-presidente Lula e o [senador] Aécio Neves, um novo espaço é aberto para novas ideias e novos nomes”, afirma Lamb.
Horácio Lafer Piva, empresário do Grupo Klabin e ex-presidente da Fiesp, tem uma visão mais cautelosa. “Não estou tão certo [de que os empresários estão mais ativos]. Vejo que a sociedade está mais atenta, mas ainda falta ação.”
Piva diz acreditar que uma reorientação está em curso.
“Há uma curva de inflexão, e o empresário, como vários outros, está se convencendo de que o Brasil de antes está liquidado. Ou se adequa ou morre. Ou colidera ou será sempre um grupo que produz, mas lamenta, o que é péssimo exemplo.”
Lamb, do IEE, identifica dois grandes grupos de empresários no país: aqueles que se utilizavam da máquina pública para obter privilégios, ligados ao que ele chama de “capitalismo de Estado”, e aqueles detentores de negócios de pequeno e médio portes que querem o mínimo envolvimento possível com o Estado.
Estudos sobre a atuação política do empresariado atentaram para a relação ora de parceria, ora de conflito entre o grupo e o Estado. Na era Vargas, por exemplo, o empresariado integrava e apoiava o nacional-desenvolvimentismo.
A parceria se mantém nos anos 1950 com o presidente Juscelino Kubitschek, é rompida na crise institucional às vésperas do golpe de 1964, reatada no desenvolvimentismo militar na década de 1970 e rompida novamente na transição democrática dos anos de 1980.
Essa oscilação levou muitos pesquisadores a concluir que não há um projeto nacional por parte dos empresários.
Haveria, sim, um pragmatismo “caracterizado por sucessivas adaptações a posições de maior ou menor alinhamento com um papel mais ativo do Estado”, segundo análise da cientista política Eli Diniz, professora-titular aposentada do IE/UFRJ (Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), publicada em 2010.
Apesar das iniciativas recentes, essa característica permanece, avalia o cientista político Renato Boschi, professor do Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro): “Orientação curto-prazista do empresariado sempre foi uma característica. E ainda falta precisamente um projeto de nação”, diz.
Romeu Zema, do Grupo Zema
Presidia o conselho de administração do Grupo Zema, conglomerado com redes de lojas de eletrodomésticos, concessionárias de veículos e postos de gasolina. Contrariando sua antiga crença de que deveria se manter longe da política, afastou-se dos negócios para disputar a eleição ao governo de Minas Gerais pelo Novo: “Se deixamos a política apenas para as pessoas sem ética que estão aí, também somos responsáveis”
Renato Feder, da Multilaser
Presidente da fabricante de eletrônicos Multilaser, que faturou cerca de R$ 2 bilhões em 2017 e se prepara para abrir capital na Bolsa. Fundou o site Ranking dos Políticos, de orientação liberal, para “ajudar as pessoas a escolher seus candidatos”. Desde 2010, o ranking organiza informações públicas sobre parlamentares: “Na campanha, há um monte de gente do setor privado disposta a colaborar, independentemente se é candidato ou não”
Alexandre Guerra, da Giraffas
Herdeiro da rede de restaurantes Giraffas, é candidato ao governo do Distrito Federal pelo Partido Novo, a agremiação que mais reúne empresários: “Se houvesse pessoas competentes liderando o poder público, talvez não tivéssemos a necessidade de nos colocar à disposição para ter um governo mais eficiente. Quem dera estivesse tudo bem. Eu não precisaria estar me submetendo a isso”
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