Descrição de chapéu MPME

Produtos para a pele negra ganham o país com revendedoras

Marcas que investem em diversidade de tons de maquiagem ampliam seu alcance com porta a porta

Bruna Tiussu
São Pauilo

Em 2015, quando soube que Michelle Obama usava uma base feita para seu tom de pele ao preço de US$ 8, Rosane Terragno reativou seu tino empreendedor. Dona da loja de cosméticos Território da Beleza, em Porto Alegre, a gaúcha de 44 anos pensou que ela e toda sua clientela negra mereciam produtos que atendessem às suas necessidades.

Depois de experimentar oito tons da base Black Opal Beauty, a utilizada pela ex-primeira dama norte-americana, buscou químicos especializados, investiu R$ 80 mil e deu início à criação de seus produtos. 

Em maio deste ano, depois de um ano e meio de testes, Rosane lançou a linha de bases da sua marca, a Divas Bllack. São seis tons específicos para peles escuras, vendidos cada um a R$ 21.

Maria do Carmo Valério, 86, dona da Muene, empresa pioneira no país no setor de cosméticos para pele negra
Maria do Carmo Valério, 86, dona da Muene, empresa pioneira no país no setor de cosméticos para pele negra - Alberto Rocha/Folhapress

“Com os R$ 80 mil, consegui fazer produtos de qualidade a um preço bom, só porque não gastei em divulgação nem em distribuição”, conta.

Ela mesma faz o marketing da marca nas redes sociais —o perfil no Instagram soma 42 mil seguidores.
Para o primeiro lote, Rosane fez 10 mil unidades de base e vendeu 30% delas em quatro meses. “As vendas não estão ruins, mas é um trabalho árduo chegar até as clientes”, diz.

Como pequena empreendedora, ela tem dificuldades em vender para grandes redes e fazer investimentos na distribuição dos produtos. 

Além da loja física, em Porto Alegre, Rosane vende a sua linha por meio do site e revendedoras. Já tem parcerias em Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. “A coisa explodiu em Salvador. Com um bom canal de distribuição explodiria em outros lugares também.”

Essa mesma barreira é enfrentada por Rosangela José, 39, que fundou com Ana Heller, em 2016, a Negra Rosa. 

A empresa de Angra dos Reis (RJ) depende de revendedoras espalhadas por 17 estados para comercializar as 2.000 unidades de batons, bases e sombras produzidas por mês. “Com as revendedoras o negócio foi para outro patamar. No ecommece o valor do frete encarece muito a compra”, diz Rosangela.

Apaixonada por maquiagem, ela começou a escrever sobre o assunto num blog, em 2010. Criou também um canal no YouTube onde ensina a usar produtos em peles escuras, como a dela. Quando a amiga Ana trouxe a ideia de empreender nesse nicho, topou: a dupla investiu R$ 300 mil na criação de cosméticos para mulheres negras.

No primeiro ano, a Negra Rosa teve um crescimento de 50%. Hoje, o carro-chefe são as bases líquidas, lançadas em abril de 2017, em cinco cores. E as empresárias já têm planos de expandir a coleção.

O portfólio da pioneira no segmento, a Muene, tem mais de 50 itens, entre bases, blushes e batons. Todos feitos para peles escuras, ao longo dos 30 anos da marca criada para produzir, em São Paulo, “cosméticos para negras e miscigenadas do Brasil”, como conta a dona da marca, Maria do Carmo Valério, 86.

A advogada deixou a carreira de formação para abraçar a causa quando, nos anos 1980, participou de um programa de TV. “Recebi uma maquiagem que desconsiderava meu tom de pele. Parecia que eu estava mascarada, me senti ofendida”, diz ela, que vendeu um apartamento, um carro e uma linha telefônica para colocar a empresa de pé.

À medida que os produtos eram lançados, viajava o país para buscar revendedores. O que nunca foi fácil. “A sociedade não aceita que os negros estejam no comércio. Ou criando produtos inovadores”, afirma Maria do Carmo, que atribui o crescimento da Muene à divulgação boca a boca.

Quando criou a marca, vendia apenas para pessoas físicas. Hoje, é procurada por salões de beleza e agências de modelos. “A clientela deles ficou mais variada”, diz.

A loja física da marca fica no centro da capital paulista, mas, a exemplo da Divas Bllack e da Negra Rosa, a maior parte das vendas se dá por meio das dez revendedoras. O foco é o varejo, ainda que ela queira fornecer para o atacado. “Para isso, eu precisava de um investidor, mas nunca consegui um. Por que sou negra? Acredito que sim.”

Apesar de não ser seu foco exclusivo, a blogueira de maquiagem Bruna Tavares deu atenção às mulheres negras ao lançar as bases de sua marca, a Pausa para Feminices. Das 16 opções, cinco atendem às peles escuras. 

Bruna chega a vender 10 mil bases por mês e pretende aumentar a gama de tons da linha. “Sonho em ter 30 cores. A diversidade na maquiagem ainda precisa crescer, afinal somos uma nação de muitas misturas”, diz.

Gigantes do setor também começam a olhar para esta lacuna. Relançada em abril, a linha de bases líquidas Aquarela, da Natura, agora possui 5 tons para peles escuras, de um total de 12. Em sua versão anterior, eram apenas 3.

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