Relatório da Zelotes aponta compra de portaria do governo envolvendo firma de Roberto Giannetti

Troca de mensagens entre economista e outros suspeitos indica favorecimento da Paranapanema

O economista Roberto Giannetti da Fonseca, ligado ao PSDB e que foi alvo da Operação Zelotes - Marcus Leoni -19.jan.2017/ Folhapress
Fábio Fabrini
São Paulo e Brasília

O  economista Roberto Giannetti da Fonseca, que é ligado ao PSDB, e um grupo de advogados são suspeitos de terem recebido pagamentos da siderúrgica Paranapanema para negociar a compra de uma norma favorável à empresa no governo federal.

Relatórios da Operação Zelotes apontam que a portaria 1.618/2014, editada em conjunto pela Receita e pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), estava no pacote de serviços supostamente ilícitos contratados pela empresa à Kaduna Consultoria, de Giannetti, que recebeu R$ 8 milhões da Paranapanema.

O economista foi alvo de medidas de busca e apreensão em 26 de julho. Outra suspeita é que ele tenha participado de esquema para corromper integrantes do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) —espécie de tribunal que avalia débitos aplicados pelo fisco—, com o objetivo de anular uma cobrança de R$ 650 milhões à siderúrgica. 

A empresa foi autuada em 2007 por uso indevido de benefícios fiscais do drawback (regime que elimina ou suspende tributos sobre insumos de produtos a serem exportados). Mas conseguiu derrubar a sanção em 2014, por recurso.

A portaria editada pelos dois órgãos alterou regras desse sistema especial de tributação. Beneficiou o setor de exportação como um todo, mas, para investigadores, como introduziu novos entendimentos sobre o assunto, foi também um dos motivos que levaram o governo a não recorrer da decisão do Carf. 

Trocas de mensagens entre os investigados constam de relatórios da Corregedoria da Fazenda que subsidiaram a Procuradoria da República em Brasília nas investigações. 

Elas mostram que Giannetti atuou para que, no processo de gestação da norma, o MDIC encampasse o pleito de interesse da empresa e o apresentasse como oficial à Receita. 

Num documento enviado pelo economista à Paranapanema, ele informa que a Kaduna trabalharia para que, no parecer a ser remetido pelo MDIC à Receita, constasse o entendimento da siderúrgica sobre o drawback. 

Em outro documento, no qual cita um acordo verbal feito em 2009, detalha honorários e cobra valores referentes a êxito futuro da empreitada.   

“Agora que o parecer do MDIC e boa parte do trabalho previsto já foi feita por mim sem nenhuma forma de remuneração específica a este caso do drawback, precisamos encontrar uma forma de formalizar o acordo verbal.” 

Os investigados chegaram a elaborar uma minuta de portaria. Em 28 de maio de 2014, o advogado Vladimir Spíndola —suspeito de atuar em conjunto com Giannetti no pagamento de propinas no Carf— remeteu um esboço de norma para a ex-conselheira do Carf Judith Armando e pediu a ela que revisasse o texto.

Judith é suspeita de atuar como cérebro do grupo, fornecendo subsídios técnicos. Teria recebido R$ 272 mil em espécie pelo esquema.

“Estive pensando em construir um texto para incluir em uma portaria conjunta do MDIC/RFB que delineasse as competências de cada órgão, até mesmo para deixar claro que em situações como aquela que trabalhamos não ocorra mais invasão de competência”, escreveu Vladimir.

A decisão do Carf foi publicada em 5 de junho. No mês seguinte, Giannetti enviou email para o advogado pedindo foco na questão da norma.

“Precisamos mesmo agora é da nossa portaria conjunta, que poderia evitar o recurso da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional]. Será que o DG já apresentou a minuta para a outra parte opinar e aprovar?”, questionou.

DG, segundo a Zelotes, é Daniel Godinho, então secretário de Comércio Exterior do MDIC e que assinou a portaria, juntamente com Carlos Alberto Freitas Barreto, da Receita. 

Conforme as investigações, Godinho foi indicado ao cargo pela ex-secretária-executiva da Camex (Câmara de Comércio Exterior) Lytha Spíndola. Ela é mãe de Vladimir e também alvo da operação. 

No ano anterior, ao ser nomeado, ele agradeceu a ela, por email: “Se cheguei até aqui, muito devo a você”.  

A portaria conjunta foi publicada em 2 de setembro de 2014. Atendeu a demanda antiga do setor privado. Antes, as exportadoras tinham de manter estoques separados para insumos destinados a produtos que seriam exportados daqueles usados em mercadorias para o mercado doméstico.

Essa segregação impunha custos e burocracia.

Giannetti foi secretário-executivo da Camex no governo FHC. Era cotado para coordenar o programa de governo do candidato à Presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin (SP), na área econômica, mas o escolhido foi Persio Arida. 

O economista integrava a equipe de campanha de João Doria para o governo paulista, mas anunciou seu afastamento após a operação. 

A Kaduna foi contratada pela Paranapanema a título de prestar consultoria. O procurador de República Frederico de Carvalho Paiva, responsável pelas investigações, diz que não há, contudo, indícios de que esses serviços tenham sido prestados. 

A empresa teria atuado como intermediária no esquema de pagamento de propinas no Carf. Dos R$ 8 milhões recebidos, R$ 2,28 milhões foram remetidos ao escritório da ex-conselheira Meigan Sack e outros R$ 2,28 milhões para Vladimir.

Uma planilha apreendida em endereço de Vladimir aponta pagamentos entre R$ 150 mil e R$ 272 mil a conselheiros que participaram do julgamento do Carf.

Relação com portaria não faz sentido, afirmam suspeitos

Outro lado

O advogado de Giannetti, Cláudio Pimentel, afirmou que não teve acesso integral aos autos e que não se pronunciaria via imprensa. “Daremos explicações no momento e no foro competentes.”

A defesa de Vladimir Spíndola não se pronunciou. 

Sérgio Moraes, que representa Judith, disse que não responderia  aos questionamentos da Folha e que ela, oportunamente, exercerá o seu direito de defesa “perante as autoridades judiciárias”.

O ex-secretário de Comércio Exterior do MDIC Daniel Godinho, em nota, afirmou que “não há relação entre a portaria e o tema da delimitação das competências de cada órgão [Secex e Receita]”, de interesse dos investigados.

“Trata-se de uma portaria conjunta, que foi objeto de entendimentos técnicos entre as duas secretarias. Foi desenhada e elaborada pelas equipes da Secex e da Receita, que realizaram inúmeras reuniões técnicas a respeito. Cabe destacar que o tema já vinha sendo objeto de tratativas e reuniões antes que eu assumisse a secretaria”. 

“Nunca recebi nenhuma vantagem por fazer o meu trabalho na Secex”, afirmou. 

Godinho negou ter sido indicado ao cargo por Lytha ou qualquer outra pessoa.  

A Paranapanema, em nota, informou que tomará medidas para apurar o que aconteceu.

“A companhia reitera ainda que repudia quaisquer atos de ilegalidade e conta com rigorosas políticas de controle e conformidade que têm sido aprimoradas desde o ingresso da nova administração, em 2016.” 

O MDIC alegou, por escrito, que a portaria regulamentou o que já estava previsto na lei 12.350/2010. “Tratou-se, pois, de medida objetiva e aplicável a todos os setores da economia que utilizam o regime de drawback.”

A pasta ressaltou que as portarias conjuntas do MDIC e da Receita são “atos habituais, que contam com análise prévia das áreas técnicas e das consultorias jurídicas dos ministérios envolvidos”.

Procurada, a Receita não se pronunciou.

Trechos de emails de suspeitos

“Agora que o parecer do MDIC e boa parte 
do trabalho previsto 
já foi feito por mim 
sem nenhuma forma 
de remuneração 
específica a este 
caso do drawback, precisamos encontrar uma forma de formalizar o acordo verbal”
Mensagem de Roberto Giannetti para Luiz Ferraz, ex-presidente da Paranapanema

“Precisamos mesmo agora é da nossa portaria conjunta, que poderia evitar o recurso da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). Será que o DG já apresentou a minuta para a outra parte opinar e aprovar?”
Mensagem de Roberto Giannetti em suposta referência a Daniel Godinho, secretário de Comércio Exterior do MDIC que assina a portaria

“Estive pensando em construir um texto
 para incluir em uma portaria conjunta do MDIC [Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços]/ RFB [Receita Federal 
do Brasil] que delineasse as competências de 
cada órgão, até mesmo para deixar claro 
que em situações 
como aquela que 
trabalhamos não 
ocorra mais invasão 
de competência”
Mensagem do advogado Vladimir Spíndola para Judith Armando, ex-conselheira do Carf que teria revisado uma minuta da portaria

“Se cheguei até aqui, muito devo a você”
Mensagem de Daniel Godinho, quando de sua nomeação para o cargo, para Lytha Spíndola, mãe de Vladimir Spíndola, advogado que teria intermediado o esquema

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.