Se aprovado, reajuste do STF irá intensificar desigualdade

Já perto do 1% mais rico, Judiciário ficaria mais distante da base da pirâmide

Mariana Carneiro
Brasília

Se prosperar, o reajuste de 16,38% a juízes e procuradores deverá aumentar o abismo entre ricos e pobres no Brasil.

Especialistas em distribuição de renda ressaltam que esses funcionários públicos fazem parte do grupo mais abastado do país, com renda mensal próxima ao 1% mais rico.

Segundo dados do Imposto de Renda de 2016, os mais atuais disponíveis, o rendimento total de procuradores e promotores do Ministério Público, membros do Poder Judiciário e de integrantes de tribunais de contas é próximo a R$ 52 mil mensais.

A média de renda do 1% é R$ 59 mil mensais, segundo contas do economista Marcelo Neri, coordenador do FGV Social, que combina informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do IR.

O valor inclui, além dos vencimentos, limitados ao atual teto de R$ 33.763 —que os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) pretendem corrigir para R$ 39 mil—, benefícios como auxílio-moradia e verbas indenizatórias.

Isso os coloca entre as três ocupações mais bem remuneradas do país, à frente da média recebida por médicos, artistas, atletas e operadores do mercado financeiro.

Sessão plenária do STF, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, com os ministros sentados
Sessão plenária do STF, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia - Pedro Ladeira/Folhapress

Elevar a renda desse estrato é alargar o fosso entre ricos e pobres, mais sujeitos às dificuldades com a economia crescendo pouco.

“Aumentar a renda dos pobres reduz a desigualdade, e aumentar a renda dos ricos faz crescer a desigualdade”, afirma Rodolfo Hoffmann, professor da Esalq/USP, especialista em estudos de distribuição de renda.

Projetar a abertura da brecha é tarefa complexa, pois demandaria simular o que aconteceria em todos os estratos de renda.

A pedido da Folha, o economista foi ao passado para tentar demonstrar os efeitos de um reajuste dessa magnitude para juízes e procuradores na distribuição de riquezas em toda a pirâmide de renda do país.

Simulação feita com os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2015 mostra que um aumento de 16,38% na remuneração de juízes, desembargadores, promotores e defensores públicos faria com que o Índice de Gini (uma medida de desigualdade) daquele ano subisse de 0,485 para 0,487.

Na escala, quanto mais perto de 1, mais desigual é o país.

“O aumento é pequeno, pois se trata de uma categoria que corresponde a menos de 0,03% do total de quase 90 milhões de pessoas ocupadas, mas não foi considerado o efeito cascata”, diz.

Ele se refere aos aumentos que se sucederão com o reajuste do teto do setor público. O vencimento dos ministros do STF limita as remunerações no funcionalismo e evita que servidores acumulem, por exemplo, salários e aposentadorias em valores acima dos atuais R$ 33.763. Se o teto subir, as remunerações também subirão.

O efeito sobre o Gini, no entanto, não é tão irrelevante quando se comparam os movimentos anuais do índice.

Entre 2014 e 2015, o Gini da população ocupada (olhando apenas a renda dos trabalhadores) caiu de 0,491 para 0,485.

Hoffmann usou os dados da Pnad de 2015 porque têm números estatisticamente mais robustos das categorias contempladas pelo reajuste.

Para Carlos Góes, autor de estudos sobre desigualdade, o reajuste aos juízes no atual contexto econômico joga contra a agenda da redução da desigualdade.

Ele afirma que a brecha entre os trabalhadores ricos e pobres diminuiu nos anos 2000 graças a fatores como o aumento da formalização do mercado de trabalho e da expansão de programas focados nos mais pobres, como o Bolsa Família.

“No momento atual não temos essas forças compensando a pressão de aumento da desigualdade provocado pelo aumento [dos rendimentos] do funcionalismo”, afirma.

Neri afirma que o setor público deveria dar o exemplo no comprometimento com o ajuste fiscal, assumindo parte dos custos da limitação de gastos provocada pelo déficit bilionário nas contas públicas, de R$ 103 bilhões nos 12 meses encerrados em junho.

Alegando falta de espaço orçamentário, o governo reajustou o Bolsa Família neste ano em 5,67%. No ano passado, a correção foi de 12,5%, após um ano (2015) sem aumentos nos benefícios.

Já os ministros do Supremo tiveram o último reajuste em 2015, de 14,6%, e agora pleiteiam aumento de 16,38%.

“O ajuste fiscal é necessário e tem de ser generalizado”, afirma Neri. “O Judiciário tem sido um símbolo para o país, é importante sinalizar que a restrição é para todos.”

Para valer, o reajuste dos juízes tem de ser aprovado pelo Congresso, mas o Ministério do Planejamento já adiantou que, para contemplá-lo nos salários do funcionalismo em 2019, será necessário fazer uma nova LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). 

Isso demandaria um novo projeto de lei e uma nova votação no Legislativo.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado no texto, Carlos Góes se graduou em relações internacionais, não em economia

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