Sem águas do rio São Francisco, turismo em Pirapora acumula perdas

No norte de Minas, cidade perda verba de turismo e usa carro-pipa com diminuição na vazão do rio

Carolina Linhares
Pirapora (MG)

 Que uma cidade à margem do Rio São Francisco esteja ameaçada de falta de água parece história de pescador. Mas não é invencionice que Pirapora (MG), a 360 km de Belo Horizonte, precisa trocar de lugar um dos pontos de captação de água ou não consegue garantir o abastecimento de 60% dos 60 mil habitantes.

Castigado pela falta de chuvas dos últimos cinco anos e pelo assoreamento, o rio encolhe no período de seca e deixa à mostra bancos de areia que impedem a captação de água e danificam a bomba, chegando a causar desabastecimento por algumas horas até que o problema seja solucionado.

Junto com a água, minguou em Pirapora 70% da arrecadação que o turismo proporcionava. A principal atração da cidade e orgulho dos piraporenses, o barco Benjamim Guimarães, único do tipo em funcionamento no mundo, não navega desde 2014 por falta de condições do rio e por necessidade de uma reforma.

 “O pessoal vinha aqui para nadar no rio, andar no barco a vapor e comer peixe. Nem peixe tem mais”, diz o presidente da empresa municipal de turismo, Orlando Lima.

O barco precisa de uma profundidade mínima de um metro, mas o rio tem alcançado apenas a metade disso. Só em ingressos do passeio no Benjamim, a cidade perde de R$ 15 mil a R$ 30 mil por mês. A navegação, feita nos fins de semana e feriados, tinha duração de três horas. 

Com a reforma do barco, a cidade poderia, ao menos, aproveitá-lo para eventos ainda que ancorado. A Capitania Fluvial do Rio São Francisco, da Marinha, vetou o transporte de passageiros até que sejam feitos os consertos necessários. 

Cabe ao Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) contratar a reforma, já que o Benjamim Guimarães é tombado —hoje pertence ao patrimônio histórico de Pirapora. Com estado em crise, não há verba para isso, embora o governo estadual tenha prometido o valor de R$ 4 milhões até o fim do ano. 

 O barco foi construído em 1913, nos Estados Unidos, e foi levado para o Rio São Francisco na década de 1920. Com três andares, possui 12 camarotes, um bar e pode levar até 244 pessoas. Até a década de 1980, quando a navegação no rio entrou em decadência, o Benjamim transportava carga e passageiros desde Juazeiro, na Bahia. De Pirapora, por meio da Estrada de Ferro Central do Brasil, se chegava ao Rio de Janeiro e São Paulo. 

DEGRADAÇÃO

Foi em uma enchente de 2012 que a água do São Francisco chegou pela última vez ao nível da rua em Pirapora. Hoje as margens se alargaram, criando áreas de campo de futebol e pasto onde antes era leito do rio.

 O cenário se explica, segundo Lima, não só pelo contexto da seca que atinge todo o norte de Minas, mas pelo desmatamento das margens, o que amplia o carreamento de sedimentos para o rio, e pela falta de dragagem do canal, que não é feita há oito anos. Sem a vegetação para absorver água da chuva e recarregar os lençóis freáticos, nascentes e córregos da região também secaram.

 “Na época da transposição do rio São Francisco, teve aquele papo de que iria trazer benefícios a todos. Isso infelizmente ficou só no papel. Não houve limpeza do leito do rio, não houve revitalização, não houve nada. Isso era pra já e se passaram seis anos”, diz Lima.

A vazão do rio também depende do reservatório da usina de Três Marias, que acaba retendo água para produção de energia e para reserva de abastecimento no período sem chuvas.

De uma média de 600 m³/s, a vazão chegou a um mínimo de 80 m³/s e hoje está em cerca de 270 m³/s, o que não tira o Benjamim Guimarães do lugar, mas garante nível regular na usina (40%) e no volume do rio.

Em 2014, no auge da crise hídrica, o município ganhou uma ação na Justiça obrigando que Três Marias liberasse ao menos 250 m³/s para viabilizar a captação de água por gravidade no ponto que abastece os demais 40% da cidade. A decisão valeu até que fosse feita uma obra emergencial para implantar um sistema de bombeamento, que agora funciona mesmo com vazão mais escassa.

No entanto, o segundo ponto de captação, que abastece a maior parte da população e também as indústrias, já tem projeto pronto para mudança de local, longe dos bancos de areia, mas depende de obter R$ 2 milhões do governo federal ou estadual.

“Já vivemos momentos piores, mas a situação ainda é crítica”, diz Esmeraldo Pereira Santos, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto da cidade.

A área rural de Pirapora depende de poços artesianos e de caminhões-pipa. São dois veículos, bancados pela prefeitura e pela Defesa Civil de Minas Gerais, que circulam todos os dias para entregar água aos produtores. A cidade possui um decreto de emergência devido à seca em vigor desde 2013.

Silvia Durães, coordenadora regional do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, avalia que a solução para Pirapora depende do resgate do rio desde sua nascente, em São Roque de Minas (MG), que chegou a secar em 2014. 

“Realmente o rio está morrendo, está definhando. A calha do rio são as águas que chegam nele, e os afluentes que o alimentam estão secando. Onde corria água, não corre mais", resume. 

O comitê tem ações de revitalização do rio, como cercamento de nascentes, construção de pequenas barragens, plantio de mata nativa e levantamento da demanda e oferta de água, mas reclama de falta de apoio federal. "A gente faz milagre com a verba que temos, mas é obrigação do governo. Se ninguém fizer, o povo vai morrer de sede.", diz Durães. 

A especialista reclama ainda de que o projeto de revitalização do Rio São Francisco, promessa da transposição que foi renovada com o Plano Novo Chico, já sob o governo Michel Temer (MDB), em 2016, não foi colocado em prática de forma efetiva. "Sem revitalizar não vai ter água para ninguém e nem para a transposição. É como tirar sangue de um anêmico."

Em resposta, o Ministério da Integração afirmou que o Plano Novo Chico prevê R$ 7 bilhões em investimentos até 2026 e que ações de revitalização ocorrem desde 2007, com gastos de R$ 1,9 bilhão em sistemas de esgoto, recuperação de nascentes e matas ciliares, distribuição de peixes, entre outros. 

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