Tecnologia subverteu relações de poder entre marcas e consumidores, aponta coordenador de mestrado profissional da FGV

Esta é a 15ª entrevista de Flavio Ferrari em uma série de encontros para o livro 'Atitude Digital'

Flavio Ferrari
São Paulo

Dalai Lama e Noam Chomsky tem algo em comum: ambos foram entrevistados por Marcelo Coutinho, quando era Editor Assistente da Agência Estado, a primeira empresa de informação de negócios em tempo real do Brasil.

Desde que deixou a Agência em 1999, já como gerente de marketing, Marcelo trilhou um longo caminho no cenário digital. Foi Diretor de Pesquisa do Zoom Media Group e de Inteligência de Mercado no Terra Networks, comandou várias empresas do Grupo Ibope, dedicou-se a compartilhar conhecimentos nas áreas de Marketing, Internet e Estratégia de Dados através de palestras, consultorias e de sua atuação acadêmica na FGV (Fundação Getúlio Vargas), na qual atualmente ocupa o cargo de coordenador do mestrado profissional.

Sua formação em Comunicação (USP) e Negócios (FGV), além do doutorado em Sociologia (USP) e a experiência como pesquisador visitante em Harvard (EUA), combinados com a trajetória profissional, resultam em um olhar diferenciado sobre as relações entre empresas, consumidores e mercados.

Marcelo Coutinho, coordenador do mestrado profissional da FGV
Marcelo Coutinho, coordenador do mestrado profissional da FGV - Divulgação

Nossa conversa gravitou em torno das relações de poder da sociedade e, em particular, das marcas com seus consumidores.

Marcelo esclarece que, nas relações sociais, poder “é a capacidade de fazer o outro adotar um comportamento que me beneficie”. No caso do mercado, uma das manifestações do poder é a capacidade que uma empresa tem em fazer o consumidor comprar seus produtos.

De acordo com Coutinho, “ao longo do século passado transitamos do poder pela força (hard power) para o poder pela persuasão financeira, até chegar ao poder através da atração e emoção (soft power), tanto na esfera geopolítica, onde a negociação de acordos entre os Estados vem substituindo as guerras, como na social, onde a cultura e a comunicação influenciam comportamentos”.

Coutinho traça paralelos entre o conceito de Soft Power, desenvolvido pelo professor Joseph Nye, de quem foi aluno em Harvard, e as transformações observadas no mercado nas últimas décadas. Ele menciona como exemplo o fato de que, 30 anos depois da Guerra do Vietnã, “Born in USA”, canção de Bruce Springsteen, era uma música popular naquele país.

“Utilizar as práticas do ‘hard power’ para manter o Poder é pouco efetivo, e muito custoso, em uma economia cada vez mais interconectada, seja pelos fluxos globais de comércio seja pela tecnologia. Neste cenário, o poder de mobilização da opinião pública é mais eficiente que o poder da força das armas”.

O soft power é representado pelo fluxo comercial entre os países e pela comunicação em redes sociais entre pessoas, construindo novas relações e percepções da realidade.

Na relação entre as marcas e seus consumidores, Marcelo aponta para algumas mudanças fundamentais.

“É importante perceber que a conectividade entre as pessoas, oferecida pelas redes sociais, facilita o processo de transformação de uma classe em si para uma classe para si - um conceito Marxista que indica o momento em que os indivíduos com características ou questões similares tomam consciência de sua existência coletiva e passam a defender seus interesses comuns em grupo. Isso não acontece apenas para causas sociais. Os consumidores de uma marca ou produto também podem formar uma espécie de 'consciência de classe' diante de uma atitude com a qual não concordam”.

Marcelo dá como exemplo a situação em que um consumidor se sente prejudicado por uma marca e manifesta sua crítica numa rede social.

“Em outros tempos, a marca poderia ameaçar o consumidor com um processo e forçar uma retratação (hard power). Hoje, um consumidor ameaçado por uma marca volta às redes sociais para comunicar a ameaça e encontra suporte de outros consumidores, que tomarão seu partido e poderão boicotar a marca deixando de consumi-la, trazendo prejuízos ainda maiores do que as críticas difamatórias originais. A situação requer ações mais suaves do que a ameaça através da força, o que poderíamos chamar de Soft Power Marketing.”

Numa referência à política externa de Theodore Roosevelt, presidente dos EUA entre 1901 e 1909, Coutinho reforça que “o poder do grande porrete (‘big stick’) é menor do que o poder do grupo mobilizado”.

Nesse contexto, o Marketing deve entender a marca não só apenas como um ativo financeiro, mas como um capital social, que é construído a partir da confiança, da abertura para o diálogo e a ´expertise´ atribuída pelo consumidor à marca.

“Uma questão adicional é que os indicadores de performance e de resultados ainda estão, na maioria dos casos, configurados exclusivamente para a aferição do ‘hard power’, representado pelo volume de vendas, faturamento, penetração, participação e margens de contribuição. Os indicadores relevantes para o ‘soft power’ não estão relacionados com a produção ou o resultado financeiro. São indicadores de ideias, percepções e motivações em relação à marca.”

Marcelo conclui alertando para o fato de que “no contexto atual da sociedade, o valor da marca está menos na posse do produto e mais na associação do consumidor com a marca e seus valores”.

Numa sociedade que caminha para substituir a posse pelo acesso, como indica a megatrend Imaterialização do CIFS (Copenhagen Institute for Futures Studies), a conclusão do Marcelo faz todo o sentido.

Flavio Ferrari é consultor e palestrante em comunicação, inovação e transformação digital. Foi diretor dos institutos Kantar Media (Ibope), Ipsos e GfK. Esta entrevista faz parte de uma série de encontros para o livro "Atitude Digital", com o apoio da ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes)

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