Como conquistar o primeiro milhão? A pergunta mais famosa entre aqueles que começam a empreender ganhou novo significado. Para a geração pós-redes sociais, a pergunta chave do momento é como conquistar o primeiro milhão de seguidores.
A recifense Camila Coutinho, 30, tem mais de dois milhões só no Instagram. É a blogueira brasileira mais influente de seu segmento, a moda, mas não conseguiu, ou quis, entregar as chaves do baú em seu primeiro livro, o “Estúpida, Eu?”.
Escrito como um grande e bem amarrado post, a fundadora do blog Garotas Estúpidas versa menos sobre os macetes do ofício e mais sobre os porquês da vida de “influenciadora digital” —nova alcunha para o trabalho de angariar likes por meio de looks produzidos— ter virado projeto de carreira da juventude millennial.
Camila oferece o sonho de muitas embalado em sacola Chanel: um emprego bem remunerado, viagens de executiva e as luzes dos flashes.
Entrega, também, bastidores de um arquétipo de glamour que combina a conquista de uma carona com a top Alessandra Ambrósio para uma festa, na qual Leonardo DiCaprio é convidado, e um elogio do estilista Karl Lagerfeld ao seu look do dia numa das centenas de festas do ano.
Boa parte desse sucesso —ela repassa o mantra dos autores de autoajuda—, vem do network. Outra parte é aprender a dizer não, dar um chilique quando necessário e perseverar mesmo sob o escrutínio dos “haters”, os detratores.
Mas ninguém “chega lá”, ela escreve, sem a “ralação”. No mundo das grandes influenciadoras, isso significa, por exemplo, reuniões com patrocinadores, provas de roupa, voos extenuantes e agenda lotada de compromissos nas semanas de moda internacionais. Cansativo.
Há detalhes sobre a espessa camada superficial da profissão. Camila, porém, deixa de fora o mais importante, a engrenagem que movimenta esse reality show fotografado.
Não estão descritos valores, porque faz parte do jogo leiloar a própria imagem a partir de quantos posts, looks ou interações uma marca pode pagar. Duas fontes do mercado falam em uma média de R$ 20 mil por post. A depender do nível de envolvimento, às vezes fugaz, esse valor pode chegar em R$ 50 mil.
Presenças em eventos e coleções assinadas são negociadas caso a caso, assim como a mala de viagem repleta de grifes. Tudo tem seu valor na tabela de preços e a separação do que é espontâneo e o que está incluso no pacote é cada vez mais tênue à medida que o dinheiro entra aos montes na conta.
Esse talvez seja o maior problema dos influenciadores de moda uma década depois da profissionalização dos blogs.
Se o motivo que atraiu um séquito de seguidores às contas dos blogueiros foi a espontaneidade e o poder de transpor para a vida real um mundo até então inacessível como o da moda, de que forma convencer a audiência de que a maior parte do que se veicula agora é uma escolha pessoal?
Grifes já sacaram essa encruzilhada e o universo digital passa agora pela ascensão de blogueiros regionais, com o poder de influenciar a compra em seus microcosmos, lugares em que a opinião de um local vale mais do que a da blogueira “superstar”.
A partir disso se descortina o motivo para o lançamento de “Estúpida, Eu?”. Não há nada de estúpido na escolha de Camila, que, ao ultrapassar a linha do estereótipo de blogueira brasileira do look do dia, recorreu ao livro, à “obsoleta” celulose, para marcar território e provar ser alguém que “chegou lá”.
Essa é a lição implícita que nenhuma blogueira dará de bandeja. O sucesso na internet, quando acontece, é meteórico, mas também fugaz. “Velhas mídias” são o porto seguro da audiência, do que é real e tátil, e é preciso ser muito estúpido para não reconhecer isso. Ela não é nem um pouco.
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