Assustados, bois iniciam viagem sem volta rumo ao abate na Turquia

Alvo de críticas, exportação de gado vivo envolve operação milionária

Marcelo Toledo
Ribeirão Preto (SP)

Assustados. Foi assim que eu e o repórter fotográfico Diego Padgurschi percebemos a situação dos bois que entravam no navio Queensland, de bandeira libanesa, após mais de dez horas de viagem entre Sales e a litorânea São Sebastião.

 

Comprados por pecuaristas da Turquia, 5.400 bois embarcaram no último dia 12 no navio ancorado no porto de São Sebastião e ainda não chegaram ao país de destino, o que deve ocorrer até o fim desta semana. Lá, serão engordados até atingirem 550 quilos (deixaram o país com 270 quilos, em média), quando serão abatidos.

Acompanhamos todo o processo de embarque dos animais na fazenda Tabaju, em Sales, com a colocação dos bois em 98 caminhões, e a longa viagem deles por 609 quilômetros até o litoral.
Na fazenda, o condutor elétrico que dá choque nos animais quando já estão dentro do caminhão para que se dirijam ao local apropriado é o que mais acende a luz amarela em relação às críticas feitas por entidades de proteção animal. Será mesmo necessário?

Na estrada, a viagem é cansativa, feita muitas vezes em trechos de pista simples e com grande fluxo de caminhões. Eles se acentuam na rodovia dos Tamoios que, em obras, deixa o trânsito mais lento.
Dentro do navio, ao qual obtivemos acesso após conseguirmos três autorizações diferentes, os animais 
se afastavam conforme parávamos perto dos currais em que estavam.

Recebiam ração —importante após perderem até 5% do peso no transporte— e tinham um forte sistema de ventilação ao seu dispor. Ele alivia bem o calor, mas gera um barulho muito forte para o ouvido humano. Os mais de 90 decibéis medidos com um decibelímetro equivalem ao barulho de uma rua com o trânsito pesado ou a um secador de cabelo. Ou, ainda, ao barulho do metrô.

Os currais têm tamanho adequado para os animais —considerando-se que são de confinamento—, mas os espaços nas laterais do navio para a passagem de humanos são apertados.

O cheiro forte, talvez a principal queixa de moradores do entorno, não foi percebido.

Após todo o enorme processo, que só na fazenda envolve 160 pessoas, o que também chama atenção é a situação dos caminhoneiros. Quando chegamos à fazenda, às 8h de uma segunda-feira, já existia uma fila de mais de 50 deles à espera do embarque, formada desde o fim da madrugada.

Quando saímos do porto para ir para o hotel, já às 3h da terça-feira, cansados, alguns dos caminhoneiros que já tinham deixado a carga ainda retornariam de imediato para o interior, em mais dez horas de viagem sem pausas.

Voltamos ao porto na terça e, já no meio da tarde, ainda havia caminhões chegando, com seus motoristas insones.

E, claro, tem a situação do gado, que está numa viagem sem volta.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.