Candidatos desaparecem no aquecido mercado de trabalho dos EUA

Aumenta o "ghosting" entre americanos: pessoas deixam empresas no vácuo diante de várias opções

Danielle Brant
Nova York

Tudo parece correr bem, vocês têm objetivos semelhantes e estão se falando com regularidade. Até que, um dia, você manda uma mensagem que fica sem resposta e os telefonemas não são atendidos. 

A situação acima poderia retratar um relacionamento frustrado. Mas basta trocar a ideia de casal e substituí-la pela figura de empresa e candidato e obtém-se um retrato do que tem acontecido no mercado de trabalho americano. 

Mulher caminha enquanto olha o celular.
Mulher caminha enquanto olha o celular. Diferentemente do Brasil, há mais vagas vagas do que desempregados nos Estados Unidos - Danilo Verpa/Folhapress

É o chamado ghosting, quando a pessoa deixa de dar sinal de vida depois que perde o interesse.

Nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, o desemprego está em patamares muito baixos. Excluindo o setor agrícola, a taxa de desocupados em agosto foi de 3,9%. Foram criados 201 mil postos de trabalho, no 95º mês seguido de geração de vagas no país. 

Em junho, havia mais vagas do que desempregados: 6,7 milhões de postos contra 6,6 milhões de desocupados.

O resultado é que muitos candidatos participam de várias seleções ao mesmo tempo e são aprovados em empresas diferentes. Só que, em vez de comunicarem que desistiram da vaga, somem. 

“Eu acho chocante, antiprofissional, imaturo e rude. Por que as pessoas fazem isso, eu não sei”, afirma Alyssa Gelbard, fundadora e presidente da consultoria de carreira Point Road Group. Ela identifica o comportamento como comum dos millennial, nascidos a partir dos anos 1980.

“Eles ficam com esse estereótipo. Eles fazem ghosting em níveis diferentes. Ignoram pessoas que tentam entrar em contato durante a entrevista e depois de formalizada a proposta”, diz. 

O reflexo para a carreira pode ser duradouro, afirma. A empresa que sofreu ghosting dificilmente vai entrar em contato novamente. 

“Todo mundo se conhece nessas áreas. Então a pessoa que aplicou para uma vaga numa empresa e desapareceu pode não ser convidada para uma seleção na concorrente.” 

Se há um componente geracional, também não se podem excluir fatores culturais, afirma Zuca Palladino, diretor da empresa de recrutamento Michael Page. Ele avalia que a relação entre empresas e candidatos é muito mais transacional e fria do que ocorre, por exemplo, no Brasil. 

“As empresas não procuram uma proximidade com o potencial funcionário.” 

Ou seja, antes de cair no gosto dos candidatos, o ghosting era prática do lado corporativo, o que não justifica a retaliação. “Não pode queimar fontes, porque o mundo dá voltas”, afirma.

É a mesma recomendação de Alyssa Gelbard, do Point Road Group. “Se não era certo quando o empregador fazia, por que está ok você fazer isso agora?”

No Brasil, com taxa de desemprego de 12,4% no segundo trimestre, a prática de desaparecer dos processos seletivos pode soar incoerente. Mas acontece em algumas áreas, afirma Caio Arnaes, gerente sênior de recrutamento da Robert Half.

A principal é a de tecnologia da informação, em vagas para desenvolvedores e segurança da informação. “É um mercado aquecido, há mais vagas abertas do que profissionais para preenchê-las”, diz.

Mas o diagnóstico sobre o comportamento é o mesmo. “É um tiro no pé, é pensamento de curto prazo. É possível ser sincero no meio do processo e dizer que recebeu outra proposta mais interessante.”

São raros os candidatos que fazem isso. “Já entrevistei mais de 3.000 profissionais. Foram muito poucos os que entraram em contato e avisaram que decidiram aceitar outra proposta”, afirma Caio Arnaes, da Robert Half. “Mas foram de um profissionalismo incrível. Causaram ótima impressão."

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