Costuma-se dizer que os generais se preparam sempre para a guerra passada. Passados 10 anos do colapso do banco Lehman Brothers, muitos especialistas temem uma nova crise financeira. A realidade é que o sistema financeiro mundial é muito mais robusto agora do que antes de 2008, mas a economia mundial continua em risco devido ao excesso de dívidas.
A crise financeira começou por causa de alguns aspectos perigosos do sistema financeiro. Bancos de investimento com alavancagem altíssima se envolviam em transações socialmente inúteis, com volumes imensos de instrumentos de crédito e derivativos complexos. Novas formas de financiamento garantido tornaram o sistema vulnerável a fugas de investidores, que alimentariam fugas ainda maiores caso a confiança no sistema desaparecesse. Os bancos operavam com níveis de capitalização ridiculamente baixos e, por isso, quando o crash do mercado veio, as contrapartes em suas transações colocaram a solvência dessas instituições em dúvida. Duas semanas depois do colapso do Lehman, o mercado monetário interbancário mundial estava congelado, o que gerou perigo real de um colapso econômico.
Os riscos excessivos que as instituições assumiam eram autorizados por má regulamentação, baseada em teorias econômicas falsas. Autoridades especializadas como o FMI (Fundo Monetário Internacional) explicavam que a securitização aumentada e o avanço no volume de transações tornavam o sistema mais eficiente e reduziam o risco. As reformas mundiais na capitalização de bancos buscavam facilitar a obtenção de recursos pelos bancos para financiar o crescimento rápido do crédito.
A primeira prioridade no final de 2008 era usar dinheiro dos bancos centrais e dos Tesouros para impedir que a crise se tornasse uma grande depressão ao estilo da década de 1930. O desafio subsequente para as autoridades regulatórias era tornar menos prováveis futuras crises financeiras, e acredito que tenhamos conseguido sucesso quanto a isso.
A mudança mais crucial foi a elevação dramática nos requisitos de capital dos bancos. As mudanças na definição do que vale como capital bancário e no cálculo de risco ponderado para os ativos, somadas a alíquotas regulatórias mais elevadas, na prática forçaram os grandes bancos a reter três a cinco vezes mais capital do que no passado.
Como integrante da linha dura quanto à capitalização de bancos, eu gostaria de que tivéssemos feito mais: idealmente, os bancos deveriam ter capital equivalente a 15% ou 20% de seus ativos. Mas a probabilidade de que uma crise se desenvolva rapidamente nas entranhas do sistema financeiro é muito menor hoje do que antes de 2008.
Mas o crescimento econômico foi anêmico, a despeito de um imenso estímulo via política monetária. Isso produziu não superaquecimento, como teria previsto a teoria econômica, mas uma década de crescimento lento e inflação média bem abaixo da meta. É verdade que nos últimos 12 meses a economia mundial começou a se sair melhor, mas apenas por conta de déficits fiscais grandes e crescentes, tanto nos Estados Unidos quanto na China.
Esse mau desempenho reflete fatores mais fundamentais do que inovações financeiras desnecessárias e regulamentação inadequada do capital. A crise reflete falhas do sistema financeiro que cresceram ao longo de uma década, mas a recuperação pós-crise foi fraca por conta do imenso crescimento na alavancagem –tanto em termos de dívidas pessoais quanto de dívidas empresariais - nas cinco décadas precedentes.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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