Empresas de comércio eletrônico não estão preparadas para fechar operações no sistema dos grandes bancos

Plataformas que fazem intermediação de vendas devem aderir a liquidação centralizada em um mês

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Ana Paula Ragazzi
São Paulo

A partir de 28 de setembro, por determinação do Banco Central, as fintechs de meios de pagamento terão de liquidar todas as operações realizadas com cartão de crédito na CIP (Câmara Interbancária de Pagamentos).

Para elas, essa exigência atrapalha os negócios. O primeiro questionamento está no fato de os bancos serem os donos da CIP —eles estariam reforçando com a medida o poderio no sistema financeiro. Além disso, os custos são mais altos.

O BC decidiu pela centralização em prol da segurança do sistema financeiro —para reduzir riscos. O papel da CIP é identificar as pontas de débito e crédito na operação financeira, certificar que elas existem e que os valores batem. Mas a decisão do BC acabou interferindo em outros aspectos para as empresas de inovação.

Os mais atingidos nesse momento serão os chamados market places, que também serão submetidos às regras.

Essas empresas não são meios de pagamento, mas plataformas que oferecem serviços e ligam consumidores e empreendedores. Elas reúnem restaurantes, taxistas, casas de show, ou empresas de viagens, como exemplos, num mesmo ambiente digital.

As grandes instituições já estão liquidando na CIP desde o ano passado e o BC deu um prazo adicional, de um ano,  para que esses market places se adaptassem. No entanto, eles consideraram o tempo curto demais.

Para ingressarem na CIP, os market places terão de colocar a atividade de meios de pagamentos em seus negócios e aderir aos contratos das bandeiras de cartão de cartão de crédito.

Como no caso da interoperabilidade, se não houver possibilidade de negociações bilaterais, vão ter de arcar com todo o custo regulatório e operacional das grandes empresas, mesmo sem ter esse negócio como foco.

Repetem-se, também, os problemas de divulgar informações estratégicas.

Mas o ponto crucial para elas é o prazo de liquidação de 30 dias definido pelas bandeiras. Trabalhar assim, no caso dessas empresas, pode significar até mesmo aumentar os riscos do sistema.

Hoje, um consumidor pode comprar um ingresso para um show para daqui a quatro meses, por exemplo. No formato atual, uma empresa de comércio eletrônico recebe o dinheiro do cliente, retira a sua comissão e só repassa para a produtora do show depois de o evento acontecer. Com isso, ela garante que se o espetáculo for cancelado, o cliente será ressarcido.

Se a liquidação for em 30 dias, na prática, o cliente vai perder essa espécie de seguro.

No entanto, o BC mostrou preocupação com o fato de as empresas estarem dando essa garantia aos clientes. Isso porque, se no período em que guardam os recursos ocorrer algo com elas, tanto os clientes quanto os empreendedores também podem ser prejudicados.

A um mês do prazo para o ingresso na CIP, nenhuma dessas empresas está preparada, tecnologicamente falando, para isso, afirma Vitor Magnani, presidente da ABO20.

“O prazo de 28 de setembro é impraticável. Nós estamos trabalhando para que as questões com as bandeiras sejam resolvidos e a política pública produza apenas os efeitos esperados”, afirma Magnani.
Se o prazo do BC não for retirado, essas empresas poderão ser desligadas do sistema financeiro. Ou seja, serviços de táxi ou compra de comida por aplicativos ficarão indisponíveis.

Aldo Chiavegatti, superintendente de infraestrutura do mercado da CIP, afirma que hoje só a CIP está habilitada a oferecer o serviço de liquidação centralizada, que necessita de autorização do BC. “Mas nada impede que outra empresa se estabeleça no Brasil”, diz.

Ricardo Vieira, diretor da Abecs, afirma que, se o aumento de custos e a transparência fossem tão prejudiciais ao atendimento dos microempresários, as grandes companhias não estariam criando produtos para competir nesse nicho das pequenas. Ele também ressalta que a liquidação centralizada é uma medida comum em outros países.

“A única opção é a CIP. A reação das fintechs seria como se a pessoa quisesse fazer uma viagem no Brasil por uma companhia aérea que não tem autorização para voar aqui”, diz.

Gustavo Noman, diretor da Visa, reforça que a centralização das operações da CIP dá mais segurança ao mercado. “Só quem tem volume acima de R$ 500 milhões será obrigado a ir para a CIP. Quem faz esse volume não é uma startup”, diz.

O consultor Aldo Mendes, ex-diretor do Banco central, avalia que as discussões em torno da CIP são questões políticas. Mas o BC também está atento a isso porque em outra consulta pública tratou da governança no segmento, para dar mais poder político às pequenas em relação às grandes. “Acredito que o BC está tentando procurar alguma neutralidade.”

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