Mercado financeiro vira alternativa de empresas para captar recursos em projetos de infraestrutura

Para especialistas, ainda faltam projetos estruturados que atraiam investidores

Trecho de estrada de terra
Trecho em obras da rodovia BR 163, em Morro do Moraes, Pará - Divulgação
Gilmara Santos
São Paulo

Os recursos destinados para financiamento de projetos em infraestrutura caíram 17% entre 2014 e 2017, saindo de R$ 132,6 bilhões para R$ 110,7 bilhões, respectivamente. Nesse mesmo período, aumentou a participação de empresas privadas, que passaram a investir mais no setor.

Os dados são do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que sempre foi o principal financiador de obras públicas no país, já que tinha melhores taxas de juros e prazos mais longos para pagamentos. 

Esse cenário mudou nos últimos três anos, de acordo com Marcelo Girão, responsável pela área de project finance do Itaú.

“Com juros caindo e a questão fiscal do país pressionando os subsídios oferecidos pelo BNDES, houve mais competição e o desenvolvimento do mercado de capitais para infraestrutura”, diz.

“O BNDES deixou de ser necessariamente a opção mais barata e com prazo mais longo”, completa Daniel Vaz, chefe do mercado de capitais de renda fixa e project finance do BTG Pactual.

A redução da Selic (taxa básica de juros), hoje em seu menor patamar histórico, levou investidores a buscar melhores opções de retorno. E as debêntures (títulos de dívidas privadas negociados no mercado) de infraestrutura aparecem como alternativa.

No ano passado inteiro foram emitidos R$ 9 bilhões em debêntures de infraestrutura. Neste ano, até agosto, já foram R$ 14 bilhões, segundo a Anbima (associação das entidades do mercado de capitais).

“O gestor está procurado mais retorno para os seus clientes e está alocando parte dos recursos para esses investimentos. A tendência é que siga em alta”, diz José Eduardo Laloni, diretor de mercado de capitais da Anbima.

O fundo de investimento Pátria, por exemplo, recorreu a essa modalidade para levantar cerca de R$ 1 bilhão para financiar obras de uma concessão rodoviária.

A AES Tietê já realizou quatro emissões de debêntures de infraestrutura para financiamento de projetos, sendo que a primeira foi em 2015. A companhia conta hoje com R$ 900 milhões de saldo no balanço para investimentos em projetos e avalia novas oportunidades de financiamento.

“As debêntures têm taxas bem competitivas e trouxeram uma nova oportunidade para o mercado. Quanto mais forte o mercado local, melhor para a nossa companhia, já que nossas dívidas devem ser em real”, comenta Clarissa Sadock, vice-presidente financeira e de relações com investidores da AES Tietê. 

Eliane Lustosa, diretora da BNDESPar (braço da instituição que atua no fomento ao mercado de capitais) explica que para resolver os problemas de infraestrutura no país seria necessário investir entre 4% e 5% do PIB (Produto Interno Bruto) por ano, mas hoje a taxa está entre 1,5% e 2%.

“O mercado tem espaço e há demanda para projetos estruturados. Temos apoiado o uso de debêntures para os financiamentos em paralelo com outras opções”, diz Lustosa.

A executiva cita um projeto de energia sustentável em que o BNDES fez uma parceria com a Vinci Partners, que ficou responsável pela gestão, ajudando na captação de recursos. Foi o primeiro investimento nesse novo modelo.

“Iniciamos esse projeto há um ano e meio e concluímos a captação em maio. Nossa intenção era ficar com 50% do financiamento, mas no final, com a captação de mercado, ficamos com 43% do total”, diz.

De acordo com ela, não há limites para montante de investimentos destinados ao setor privado ou público, mas o banco não pretende ficar com mais que 50% do total dos projetos.

“Há casos, como o de um projeto de energia solar, em que o mercado se interessou tanto que o banco ficou com menos de 10%”, afirma.

Recentemente o BNDES anunciou a criação de um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), que vai investir em debêntures de projetos de infraestrutura. 

Com essa iniciativa, além de criar mais uma fonte de financiamento, a instituição espera aumentar a base de investidores e incrementar a liquidez de títulos de infraestrutura.

Além do mercado de capitais e dos recursos do BNDES e demais instituições públicas, ainda há possibilidade de financiar os projetos de infraestrutura com captação no mercado externo, agências de crédito à exportação e recursos de órgãos multilaterais. 

A tendência é que com as taxas de juros mais baixas os fundos de pensão também migrem para os projetos de infraestrutura, de acordo com Venilton Tadini, presidente executivo da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base).

“Os investimentos nunca estiveram em patamar tão baixo. Na década de 1970 chegaram a 5% do PIB e agora estamos em 1,5%”, diz Tadini.

Para especialistas, faltam projetos bem estruturados para que os investidores coloquem seus recursos nesses financiamentos. “Há um risco alto na largada das obras, que podem ter problemas não previstos.

E, além disso, não são todos os projetos que são verdadeiramente bem estruturados, o que afasta os investidores”, diz George Sales, professor do Ibmec/SP.

“Há um aumento do interesse de investidores privados em participar do mercado de infraestrutura”, diz Edson Ogawa, responsável pela área de project finance do Santander.

Os bancos privados tendem a atuar no curto prazo, com o chamado empréstimo ponte, em que as instituições dão garantias para a fase inicial dos projetos. 

Segundo Pedro Kassab, do Banco Fator, as novas oportunidades de financiamento preenchem um vazio do mercado. “Mas não vão solucionar o problema. As pessoas físicas não vão suportar porque é necessário muito investimento, e o governo sozinho também não dará conta. O caminho é a parceria”, afirma.

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