Repasse cambial à inflação sobe a 10% em crises, aponta estudo do BC

Resultados de pesquisa apontaram volta a período de crise nos dois primeiros trimestres deste ano

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Brasília | Reuters

Turbinada pelas incertezas eleitorais, a atual escalada do dólar frente ao real pode ter impacto de longo prazo na inflação de 0,1035 ponto percentual para cada 1% de alta da moeda americana, segundo estudo feito dentro do Banco Central, que mostra que fortes choques cambiais têm efeito proporcionalmente maiores em períodos de crise.

Os autores do trabalho "Exchange Rate Pass-Through in Brazil: a Markov switching estimation for the inflation targeting period (2000-2015)", publicado neste ano pelo BC, rodaram novamente o modelo para estender sua análise ao primeiro semestre de 2018.

E os resultados apontaram a volta a um período de crise nos dois primeiros trimestres deste ano, com alta incerteza e instabilidade econômica, cenário que acarreta repasse cambial –ou "pass through", no jargão do mercado– da magnitude de 10%. Isso só chegou a ser identificado antes para os anos de 2000 a 2003 e em 2015.

Cédulas de 100 dólares
Atual escalada do dólar frente ao real pode ter impacto de longo prazo na inflação - Gabriel Cabral/Folhapress

De acordo com o estudo, que não reflete uma posição oficial do BC, o repasse em períodos normais é perto de zero: apenas 0,00057 ponto percentual para cada 1% de valorização do dólar.

"O que se consegue ver é que existe grande chance de voltar para um 'pass through' alto dada a força do choque externo. A gente tem o Fed (banco central americano) subindo os juros e no mundo inteiro as pessoas estão reacomodando as carteiras em mercados emergentes. Teve muita saída de capital no Brasil e não tinha como câmbio não reagir", afirmou Fabrizio Marodin, um dos autores do trabalho, citando também a incerteza econômica e fiscal no país, especialmente com as indefinições ligadas à corrida presidencial.

"(Isso) só vai acabar com eleição e olhe lá", complementou ele, que atualmente faz doutorado em Economia na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

O dólar acumula alta de cerca de 25% neste ano até a véspera e muito próximo do seu maior patamar histórico de fechamento, de R$ 4,1655, batido em 21 de janeiro de 2016. Por trás do salto, estão desde tensões comerciais no cenário externo a temores dos investidores de que o novo presidente eleito no Brasil não implemente uma agenda de reformas econômicas para colocar as contas públicas nos trilhos.

Ou seja, no cenário atual, o impacto desse salto na inflação poderia ser da ordem de 2,5 pontos percentuais a longo prazo. Hoje, o IPCA marca alta de cerca de 4,3% no acumulado de 12 meses, perto do centro da meta oficial de 4,5%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

Marodin destacou o que considerou o achado mais importante da atualização do estudo: o período de crise de 2015, que já havia sido identificado na publicação original, estendeu-se até o terceiro trimestre de 2016, data que coincide com a chegada do atual presidente do BC, Ilan Goldfajn, ao comando da instituição. A partir daí, as expectativas de inflação foram ancoradas e o 'pass through' voltou à condição de normalidade.

"Esta evidência mostra possível papel para a credibilidade da autoridade monetária na moderação do efeito do 'pass through'", afirmou. "Em outras palavras, quando as expectativas de inflação estão bem ancoradas, as empresas tenderão a moderar o grau de reprecificação e o repasse cambial será menor".
Na avaliação de Marodin, o fato de a credibilidade do BC funcionar como um fator "moderador", no entanto, não foi suficiente para manter o repasse tão baixo a partir de 2018.

"É possível que seja um repique que seja só de dois trimestres ou três de alto 'pass through'... ou pode continuar por um bom tempo. Mas aparentemente, se você olhar o Focus, as expectativas continuam bem ancoradas, então eu acho que esse fator está colaborando", disse.

Pesquisa Focus do BC, que ouve cerca de uma centena de economistas todas as semanas, mostra que as projeções para a inflação estão um pouco acima de 4% para este ano e o próximo, abaixo do centro da meta oficial.

"O BC conseguiu manter credibilidade no regime de metas, só que ele não é Superman, sozinho não faz milagre. Acho que fundamentalmente agora é o resultado da eleição (que vai influenciar)", completou.

ATIVIDADE FRACA

Sobre eventual elevação nos juros pelo BC numa reação à alta do dólar, Marodin foi na linha de comunicações recentes da autoridade monetária, de que a fraqueza da atividade econômica acaba moderando o choque cambial, uma vez que as empresas já estão com dificuldade de vender e adiam aumento de preços.

Também pontuou que, diferentemente dos períodos anteriores de crise apontados no estudo, a inflação agora não está deslocada da meta.

"A política monetária olha para a inflação e para a atividade econômica fundamentalmente. Isso é o coração do regime de metas. Não vai responder ao câmbio no curto prazo, isso acontecia no passado", opinou.

O BC se reúne dia 19 deste mês para nova decisão sobre os juros básicos da economia, hoje estacionados na mínima histórica de 6,5% ao ano. Na pesquisa Focus do BC, as projeções são de que a Selic não será alterada neste ano em meio ao cenário de atividade e inflação fracas.

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