Após Coca-Cola dizer que deixaria o país, Temer restitui benefício a refrigerantes

IPI do concentrado de refrigerantes havia sido cortado; Coca-Cola nega pressão ou saída do país

Maeli Prado
Brasília

O presidente Michel Temer cedeu à pressão da indústria de refrigerantes e restituiu, em decreto publicado nesta sexta-feira (28), parte do benefício fiscal para fabricantes instalados na Zona Franca de Manaus. 

O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) do concentrado de refrigerantes havia sido cortado de 20% para 4%, o que reduziu substancialmente os créditos gerados pela indústria para abater outros impostos. 

No decreto publicado nesta sexta, Temer voltou atrás e aumentou a alíquota para 12%, no primeiro semestre de 2019, e para 8% no segundo semestre do ano que vem. Em 2020, o percentual volta a ser 4%.

Estimativas do governo apontam que o recuo custará cerca de R$ 708 milhões em arrecadação aos cofres públicos no ano que vem.

Na prática, o presidente deu mais tempo à indústria e jogou para o próximo governo a decisão definitiva sobre o benefício.

Latas de Coca-Cola de 310 ml e 350 ml - Folhapress

A indústria de refrigerantes instalada na Zona Franca vende o produto para envasadores e gera um crédito tributário de IPI proporcional ao valor de venda. Antes esse percentual era de 20%, e foi reduzido para 4%.

O crédito gerado na venda aos envasadores pode ser usado para abater outros tributos, como o Imposto de Renda e a CSLL (Contribuição Social Sobre Lucro Líquido). 

Ou seja, quanto maior o percentual relacionado ao IPI, maior o crédito gerado. 

Em 2016, o setor de bebidas gerou R$ 2 bilhões em créditos na região. Após pagar R$ 767 milhões em IPI, as empresas ficaram com R$ 1,2 bilhão para compensar tributos.

PRESSÃO

Recentemente, a Coca-Cola ameaçou interromper sua produção de refrigerante na Zona Franca caso Temer não devolvesse os benefícios ao setor. A empresa nega.

O assunto foi levado ao presidente pela primeira vez no fim de junho por Alexandre Jobim, presidente da Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes), que representa as empresas.

A Abir reúne 59 fabricantes de refrigerantes, entre elas as gigantes Coca, Ambev e Pepsi. 

Em agosto, o presidente da Coca-Cola no Brasil, Henrique Braun, esteve com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e detalhou a situação.

Pessoas que acompanharam as conversas afirmaram que a Coca-Cola fez chegar a Temer que só faz sentido produzir na Zona Franca se a alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) que incide sobre o concentrado de refrigerante for de, pelo menos, 15%.

Braun também disse teria dito que a matriz nos EUA quer definir a situação no Brasil até o fim deste ano e que, para isso, a companhia aguardava um decreto garantindo 15% de IPI ainda na gestão Temer.

Caso o pedido não fosse aceito, a produção do Brasil poderia ir para a Colômbia. 

COCA-COLA NEGA SAÍDA

Em nota, a empresa nega ter planos para deixar a região, onde atua há 76 anos. "Nossos valores e práticas incluem diálogo e transparência com governos e com a sociedade brasileira. Não trabalhamos com ameaças", afirmou a empresa.

"A Coca-Cola Brasil não tem planos de deixar o Polo de Concentrados de Manaus até o momento. O decreto do governo federal que altera a alíquota de IPI dos concentrados de bebidas produzidos na Zona Franca de Manaus tem impacto para toda a indústria do setor e, por isso, o tema tem sido tratado pela entidade que o representa, a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir)", afirmou a empresa.

INVESTIGAÇÃO

Como revelou a Folha, investigação da Receita Federal aponta que a subsidiária brasileira da Coca-Cola superfaturaria seus produtos para ampliar o lucro na Zona Franca.

Pessoas que acompanham a investigação afirmam que há a suspeita de que a subsidiária tenha se valido das vantagens fiscais e superfaturado a venda de seu concentrado para os envasadores.

Pelas regras tributárias em vigor até maio, a cada R$ 100 vendidos em concentrado, os envasadores geravam R$ 20 em créditos fiscais, que podem ser usados para abater IR e CSLL.

Na investigação, executivos da Coca-Cola precisam explicar por que a fabricante vende o quilo do concentrado por cerca de R$ 200 no mercado interno se exporta o produto por aproximadamente R$ 20.

Como boa parte dos envasadores pertence à própria Coca-Cola, a suspeita é que ela estaria reduzindo ao mínimo o pagamento de impostos e deslocando para o balanço de sua fábrica, na Zona Franca, o lucro do grupo.

Essa alta ao longo dos anos teria permitido remessas mais significativas para a matriz, nos EUA, onde o fisco americano cobra da companhia US$ 3,3 bilhões (R$ 13 bilhões) em royalties devidos por sete países, incluindo o Brasil.

OUTRO LADO

A Coca-Cola negou veementemente as supostas irregularidades. 

"O valor do concentrado para o mercado interno (ou seja, para os fabricantes do Sistema Coca-Cola Brasil) é cerca de duas vezes maior do que o preço do exportado, o que se justifica pelos custos e investimentos na nossa operação no país. Em média, o preço do xarope em relação ao preço final do refrigerante varia entre 11% e 13% no Brasil e nos diferentes mercados da Coca-Cola no mundo inteiro", disse em nota enviada através de sua assessoria de imprensa.

A empresa disse ainda que a carta tributária no país é elevada. "A carga tributária no Brasil para bebidas não alcoólicas é próxima de 40%, a maior da América Latina. Para se ter uma ideia, a média da região é de 27%. Mesmo com os benefícios da Zona Franca de Manaus, o setor gera mais de R$ 10 bilhões de imposto no Brasil ao ano".

Sobre as remessas ao exterior, a empresa afirmou que benefícios fiscais não são remetidos a outros países. "Os benefícios fiscais não são remetidos ao exterior, de acordo com a lei. O benefício do IPI é incorporado pelo fabricante da bebida final", disse a Coca-Cola, em nota.

A empresa disse ainda que possui participação acionária minoritária em apenas três dos seus envasadores."Dos nove fabricantes do Sistema no Brasil, a Coca-Cola tem participação acionária minoritária em apenas três. Destes, a Coca-Cola Brasil tem participação acionária minoritária só em um, Solar. A Coca-Cola global tem participação na operação mundial dos fabricantes Andina e Femsa." 

ABIR

A Abir soltou nota sobre o decreto presidencial, afirmando que a medida é uma "tentativa" do governo federal de amenizar o problema.

"A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcóolicas (ABIR) reconhece a medida como uma tentativa do Governo Federal de amenizar parcialmente o grande impacto suportado pelo setor desde a inesperada e abrupta mudança de alíquota, de 20% para 4%", afirma o texto.

"As alíquotas de transição, de 12% e de 8%, previstas para 2019, demonstram uma decisão de bom senso que, ao menos, viabiliza a possibilidade de planejamento e o diálogo entre as partes para adequação à nova condição. Traz ainda alguma segurança jurídica para o setor produtivo. Não consideramos, contudo, que os efeitos prejudiciais ao desenvolvimento da indústria de bebidas não alcoólicas tenham sido reparados de todo. Ressalte-se que a carga tributária do setor no Brasil é a maior da América Latina."

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