Descrição de chapéu Brasil que dá certo

Compartilhamento avança na aviação e promete democratizar o transporte aéreo

Novos serviços e aplicativos conectam passageiros a aeronaves no Brasil

Edson Aran

Nos momentos de crise, qualquer renda extra é bem-vinda. Digamos que o seu jatinho Legacy 600, de US$ 30 milhões (R$ 110 milhões), um dos modelos mais caros da Embraer, esteja acumulando poeira no hangar. Você agora pode conseguir uns trocados a mais se cadastrá-lo em um empresa de “flight-sharing” (compartilhamento de voo).

Mesmo que você não tenha uma aeronave e seja, como a maioria, um pobre integrante do movimento dos sem-avião, as notícias são ainda melhores: seu jeito de voar vai ficar mais barato, eficiente e privativo, sem aeroportos lotados e longas horas de espera.

Na Flapper, principal empresa a oferecer serviço de “flight-sharing” no Brasil, a rota São Paulo-Rio num bimotor King Air B200, fabricado pela americana Beechcraft, custa R$ 750, na média. 

Montagem sobre foto de jato Phenom 100, produzido pela Embraer, parte da frota da Avantto, empresa que é um misto de clube de voo, cooperativa e consórcio
Montagem sobre foto de jato Phenom 100, produzido pela Embraer, parte da frota da Avantto, empresa que é um misto de clube de voo, cooperativa e consórcio - Divulgação

O avião, de seis passageiros, decola de Congonhas e pousa no aeroporto de Jacarepaguá, atual Roberto Marinho, que fica na avenida Ayrton Senna, uma das principais vias da Barra da Tijuca. Na ponte aérea, o mesmo trajeto sai por R$ 600, na média.

No entanto, as melhores oportunidades estão nas “pernas vazias”, as rotas de retorno da aeronave, que podem ser reservadas pelo aplicativo da Flapper, disponível para todos os celulares. O trajeto mais popular é a rota São Paulo-Angra dos Reis. A ida, no monomotor Caravan Grand de nove lugares, construído pela americana Cessna Aircraft, fica em R$ 680. Mas a volta, quase sempre uma “perna vazia”, pode sair por R$ 250.

“Nosso maior desafio é educar o passageiro para que ele descubra o serviço, que antes era restrito e exclusivo”, explica Paul Malicki, presidente da empresa. “Estamos democratizando o transporte aéreo.”

O “flight-sharing” é mais uma daquelas ideias “disruptivas” que começam discretamente mas têm potencial para mudar completamente um segmento de mercado.

É o que acredita a EBAA (European Business Aviation Association), com sede em Bruxelas, na Bélgica, e que congrega toda a aviação executiva no continente europeu.

Em 2017, a associação fez uma ampla pesquisa para identificar tendências e oportunidades de negócios. A conclusão é que o compartilhamento de veículos para transporte de passageiros não ficará restrito aos automóveis e bicicletas, mas avançará rapidamente para o mundo da aviação comercial.

Dois vetores apontam nessa direção. Por um lado, o progresso tecnológico produzirá aparelhos cada vez mais seguros, de maior autonomia e com baixa emissão de carbono. Por outro lado, juram os marqueteiros, as novas gerações preferem “viver experiências”, em vez de “possuir coisas”. Logo, aceitam melhor a ideia do “compartilhamento”. 

Caso essas tendências se confirmem, as gigantescas empresas da aviação comercial terão de dividir forçosamente o espaço aéreo com companhias menores, mais ágeis e capazes de oferecer um serviço melhor, mais eficiente e, com o passar do tempo, também mais barato.

Não por acaso, esses novos serviços são com frequência chamados de “Uber aéreo”, pois podem transformar a maneira de voar da mesma forma que o aplicativo de transporte mudou a locomoção nos grandes centros. 

“O mercado de aviação civil cresce 4% nos EUA”, explica Malicki. “Enquanto isso, o de compartilhamento de voos cresce 10%. Hoje, no Brasil, as empresas de táxi aéreo atendem cerca de 300 mil pessoas, mas acreditamos que existe um mercado potencial de até 2,7 milhões de passageiros com poder aquisitivo para usufruir do nosso serviço”.

O entusiasmo da empresa é tamanho que, ano que vem, ela lança um inédito sistema de assinaturas. O usuário pagará entre R$ 4.000 e R$ 8.000 por mês e terá direito a voos ilimitados na região Sudeste, além de descontos no fretamento de aeronaves. 

A Flapper tem uma frota de 127 aparelhos. Além de trabalhar com aviões particulares, também se associou a tradicionais companhias de táxi aéreo do país, como a Líder, fundada em 1958. 

A empresa não foi a única a perceber o potencial do “flight-sharing”. A Voom, criada no ano passado pela A3, braço tecnológico da Airbus, faz a mesma coisa: conecta passageiros a operadores de helicópteros na cidade de São Paulo. Hoje, as reservas são feitas pelo site da companhia, mas em breve haverá um aplicativo para celulares. 

“Não somos uma empresa de táxi aéreo nem uma operadora de helicópteros”, explica Olivier Capoulade, gerente da companhia no país. “Somos uma plataforma online que conecta passageiros a táxis aéreos.”

O objetivo da Voom é cobrir distâncias de médio curso, de 20 a 50 quilômetros, em megalópoles caóticas e congestionadas como São Paulo e Cidade do México, as duas capitais onde atua. As aeronaves podem ser fretadas, mas no geral funcionam no esquema de compartilhamento mesmo, como uma lotação de luxo. 

Olivier Capoulade explica melhor: “O voo compartilhado permite oferecer preços até 80% menores que o de um operador tradicional”. 

Para usar o serviço, basta se cadastrar no site da empresa e informar os endereços de partida e de chegada. O sistema localiza os helipontos mais próximos para a viagem e pronto. 

A Voom funciona de segunda a sexta, das 7h às 20h, e nos sábados, das 10h às 16h. É possível agendar voos com antecedência, mas também “chamar” o helicóptero na hora, como se faz com um táxi. 

Só que isso precisa ser feito com pelo menos 60 minutos de antecedência. O custo da viagem é baseado no tempo do percurso, mais as despesas de infraestrutura em solo. 

Para se ter uma ideia, o trajeto entre o Aeroporto Internacional de Guarulhos e um heliponto na avenida Luís Carlos Berrini, no Brooklin, a rota mais popular da empresa, custa R$ 400. No táxi tradicional, terrestre, o mesmo trajeto fica entre R$ 135 e R$ 165. 

A plataforma Voom agrega 80% dos serviços de táxi aéreo da cidade de São Paulo e utiliza helipontos nas regiões de  Alphaville e da avenida Paulista, no Itaim Bibi, e no heliporto Helicidade, no Jaguaré (zona oeste), além dos principais aeroportos.

“Queremos democratizar as viagens de helicóptero nas cidades mais congestionadas, começando por São Paulo e Cidade do México”, diz Capoulade. “Isso não é o futuro, já é o presente, mas vai mudar ainda mais com a chegada dos drones e dos aviões elétricos”. 

Helicóptero da Voom, empresa de voos sob demanda, que atende São Paulo e a Cidade do México 
Helicóptero da Voom, empresa de voos sob demanda, que atende as cidades de São Paulo e México - Divulgação

E isso vai acontecer em breve. A própria Uber promete entrar na concorrência e lançar seu serviço Uber Air até 2023. No início, em apenas duas cidades americanas: Dallas, no Texas, e Los Angeles, na Califórnia. Mas a área de atuação deve se ampliar rapidamente para outras cidades de trânsito congestionado.

O aparelho, que tem o nome técnico de eVTOL, sigla em inglês para “veículo elétrico de pouso e decolagem vertical”, está em desenvolvimento por empresas associadas ao projeto, entre elas, a Embraer. Silencioso e “carbon free”, terá uma bateria elétrica com autonomia para 100 quilômetros. Para o passageiro, o custo da viagem será equivalente ao do Uber Black, o mais caro e luxuoso serviço disponibilizado pelo aplicativo. 

Mas ele não vai pousar na frente da sua casa, sinto muito. O eVTOL utilizará “skyports”, uma versão mais glamourosa dos atuais helipontos e cujo design lembra algo saído do filme “Blade Runner”.

Enquanto isso não acontece, você pode compartilhar aviões e helicópteros ou até comprar a sua própria aeronave.

A Avantto, criada em 2011 pelo empreendedor Rogério Andrade e a Rio Bravo Investimentos, é uma curiosa mistura de clube de voo, cooperativa e consórcio.

Nesse caso, você não divide um voo com desconhecidos, mas, sim, a propriedade do avião. O aparelho é vendido por meio de cotas e o preço varia a depender do modelo. 

É claro que o custo é salgado mas, ainda assim, bem mais em conta do que comprar uma aeronave sem sócios. 

A Avantto, que tem bases nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, funciona como um clube de investidores no segmento da aviação comercial.

A diferença é que o empreendedor pode usufruir da infraestrutura da empresa, como manutenção, logística, tripulação e também do serviço de desembaraço da inevitável burocracia. 

E desde que o voo seja reservado com seis horas de antecedência (no caso dos helicópteros) ou 24 horas (aviões), a Avantto afirma que o associado sempre conseguirá voar, mesmo que o aparelho “dele” esteja sendo utilizado naquele momento. 

A empresa também dispõe de um aplicativo no qual os clientes fazem reservas, acompanham o andamento do voo e até compartilham assentos vazios com outros cotistas.

“O objetivo é ajudar o cliente a ser dono do próprio tempo”, afirma Rogério Andrade. “Aviões e helicópteros encurtam distâncias e multiplicam nosso tempo.”

O leitor acostumado a tomar chá de cadeira em aeroportos lotados e com voos atrasados agora pode se perguntar: “Mas essa história de compartilhamento não pode exaurir ainda mais uma malha aérea já sobrecarregada?”.

Na verdade, não. O “flight-sharing” pode até ajudar a organizar o tráfego aéreo no país. Segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), existem aproximadamente 580 aeródromos públicos no Brasil e mais 2.000 privados. Os helipontos somam 1.150.

O problema é que a maioria dessas estruturas é subutilizada ou está fechada por falta de demanda. Na medida em que pequenas empresas e aplicativos passarem a usar essa malha aérea alternativa, o congestionamento nos grandes aeroportos tende a diminuir. 

O fato é que você nunca mais voará do jeito que um dia voou. E essa revolução ainda nem tomou conta do céu.

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