Descrição de chapéu Consumo Consciente

Consumo consciente globaliza arte indígena

Empresa americana de brasileiros leva cestas, bolsas, redes e até vassouras de tribos locais a 800 lojas no mundo

Fernanda Ezabella
Los Angeles

Vinícius Vieira de Vieira lembra bem quando acampou com sua mulher em uma aldeia indígena no interior de Goiás. Durante um banho de rio, um cacique xavante pegou em suas mãos, olhou fixo em seus olhos e repetiu: “Calma, vai dar tudo certo, temos a vida inteira para trabalhar juntos”.

Os xavantes foram a primeira parceria de artesanatos da Incausa, empresa fundada pelo paulistano Vieira, 35, e a paulista Carolina Monteiro Vieira, 22, com sede no Brooklyn, Nova York. 

O primeiro lote de nove baquités (bolsas) havia sido enviado pelo correio mais de um ano antes e esgotado rapidamente.

Hoje, cestas dos ianomâmis, bolsas dos fulniôs e até vassouras dos caiapós estão espalhadas por 800 lojas do mundo como parte de um experimento que os fundadores da Incausa chamam de comércio consciente. O objetivo é desenvolver infraestrutura e demanda coerentes com a agenda indígena e potencial de produção sustentável.

Formada em 2012, a empresa tem quatro funcionários e prevê faturamento de US$ 800 mil (R$ 2,9 milhões), ante US$ 250 mil (R$ 912 mil) em 2016. A soma obtida com os produtos indígenas gira em torno de apenas R$ 50 mil (R$ 182 mil), e o lucro, zero.

Os ganhos vêm de uma linha de produtos de incensos diversos, como palo santo do Peru, cerâmicas e sabonetes feitos nos Estados Unidos e cuias cantantes do Nepal. 

Os resultados são apertados. Cada fundador tira um salário de US$ 1.200 (R$ 4.380) e compartilha lucros entre os quatro funcionários, todos tibetanos. 

“Queremos estabelecer um exemplo de que talvez exista um tipo bom de capitalismo”, disse à Folha Vieira, que pensou na ideia da Incausa na época do Occupy Wall Street, protestos em Nova York contra a desigualdade econômica, em 2011. “Estava atraído por aquilo tudo e me perguntava: qual o propósito do capital, de abrir um negócio?”

O dinheiro das vendas no varejo de artesanatos indígenas é usado para reinvestir na produção local ou resolver problemas de infraestrutura, como transporte, conserto de equipamentos e compra de cobertores.

Índios Xavantes caminhando com folhas para fazer artesanato
Índios xavantes foram os primeiros a fazer parceria com Incausa - Ana Caroline de Lima/Incausa

Já no atacado, eles vendem praticamente pelo preço de custo. Por exemplo, uma rede de buriti dos mehinákos é comprada por R$ 550 no Brasil e vendida para lojas do exterior por US$ 200, contando com a conversão do dólar e incluindo gastos com material de envio e taxas de correio e cartão. A loja, por sua vez, vende por quanto quiser, ainda que o sugerido seja o dobro.

Como a Incausa também vende no varejo pelo dobro (US$ 400), seja no site próprio ou no showroom recém-inaugurado no Brooklyn, as lojas tendem a não extrapolar.

Na curadoria de produtos, Monteiro fala que a Incausa não apoia miçangas, nylon ou tintas artificiais. “A vontade da missão é tentar fortificar e resgatar estilos originários”, disse a fundadora, cuja avó trabalhou com os xavantes, há 30 anos, como bióloga.

Para Vieira, ainda há muito tabu no Brasil em trabalhar com os indígenas. “Algumas pessoas acreditam que eles precisam de autorização do governo para vender artesanato, como se eles não tivessem liberdade de se expressar e fazer comércio”, disse o ex-ator e ex-diretor de cinema que saiu do Brasil em 2003. 

“Fica muito claro que esse mercado nunca teve um desenvolvimento.”

A dupla ainda vê as vendas de artesanato como um “estudo” para manter a flexibilidade de estratégias e checar os impactos.

“Houve uma época em que achamos que poderíamos estar causando inflação na fonte, porque o mercado de Nova York pode pagar mais”, explicou. “Então tudo o que fazemos vai muito devagar, de forma muito consciente para evitar desequilíbrios.”

Foi por causa disso que afirmam ter dito não a parcerias a redes de lojas mais engajadas, como Whole Foods, Urban Outfitters e Nordstrom, interessadas em pagar à vista por centenas de peças.

Apesar da delicadeza dos negócios, Vieira critica aqueles que têm uma visão romântica sobre os indígenas. “Somos todos humanos”, diz, contando que há muito ciúme entre vilas e que não é raro o chefe de uma tribo favorecer familiares antes de compartilhar os lucros com a aldeia.

“Mas é extraordinário ver esses indivíduos entrarem em contato com a gente, muitos pela internet, e ver suas peças viajarem tão longe”, disse, completando que a Ásia é o mercado que mais cresce.

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