Dados econômicos fortes nos EUA levam juros a maior patamar em sete anos e puxam outros países

Expectativa de taxas mais elevadas pressiona Bolsas pelo mundo e fortalece o dólar

Anaïs Fernandes
São Paulo

Dados mostrando que a economia americana está ainda mais (e consistentemente) aquecida do que se imaginava puxaram para cima juros de títulos da dívida americana, arrastaram consigo taxas de outros países ao longo desta quinta-feira (4) e influenciaram mercados financeiros pelo mundo.

As treasuries (títulos de dívida americana) com vencimento em dez anos, usadas como referência pelo mercado, subiram 0,18%, para 3,187%. Na máxima do dia, alcançou a taxa de 3,2%, maior nível desde 2011.

O avanço das treasuries nos EUA pressionou os juros de títulos de dívida de outros países pela manhã. Na Alemanha, por exemplo, as taxas saltaram de 0,48% para 0,53%, enquanto o Reino Unido registrou avanço de 1,58% para 1,67%.

A escalada começou na quarta-feira (3), quando relatório mostrou que a criação de vagas no setor privado americano atingiu em setembro o maior nível em sete meses. No mês, a folha de pagamento aumentou em 230 mil vagas, contra 168 mil em agosto.

Economistas consultados pela agência Reuters projetavam criação de 185 mil vagas.

Pesaram também para os rendimentos mais altos comentários do presidente do Federal Reserve (banco central americano), Jerome Powell, na véspera.

Powell disse que a expansão econômica dos EUA poderia continuar por um bom tempo e que o Fed poderia elevar as taxas de juros acima do nível estimado como neutro enquanto esse avanço fosse notadamente positivo, numa sugestão aos mercados de que mais aumentos estariam no horizonte da autoridade monetária.

"Se nós virmos as coisas ficando mais e mais fortes, com a inflação subindo, então poderíamos nos mover mais rapidamente. Se virmos a economia enfraquecendo, ou a inflação caindo, nós podemos mexer um pouco mais devagar [nos juros]", afirmou Powell.

"Assim, elevou-se a percepção de que o Federal Reserve poderia elevar os juros mais rapidamente do que o mercado espera", escreveu a corretora Rico em relatório.

Nesta quinta, mais dados positivos: os pedidos semanais de auxílio-desemprego caíram 8.000, para 207 mil, na última semana de setembro, perto da mínima em 49 anos.

O mercado de trabalho americano vive um momento próximo ao pleno emprego, o que acende o alerta para pressões inflacionárias.

A taxa de desocupação nos EUA está em 3,9%, mas a inflação ainda se mantém próxima da meta de 2% ao ano estabelecida pelo Fed.

Victor Candido, economista da Guide, explica, no entanto, que a taxa de desemprego americana está abaixo de um nível ótimo de desocupação, isto é, que não geraria pressão inflacionária.

Segundo o Federal Reserve de Saint Louis, a nairu (non-accelerating  inflation rate of  unemployment) para o último trimestre de 2018 seria de 4,6% no curto e no longo prazo.

"Isso significa que tem mais gente trabalhando do que apontaria a taxa natural para que não houvesse pressão inflacionária. Então, os juros teriam que subir", diz Candido.

A última elevação na taxa americana ocorreu na última quarta-feira (26), colocando os juros na faixa entre 2% e 2,25% ao ano. As projeções gerais para os movimentos dos juros continuaram, porém, inalteradas em relação à reunião do Fed em junho. 

A expectativa é que haja mais um aumento neste ano, em dezembro, três em 2019 e um em 2020, o que levaria os juros a 3,4%.

"O mercado olhou para aquilo e duvidou um pouco. Depois vêm esses dados ultrapositivos, apontando para uma economia consistentemente aquecida, e o mercado pensa: 'Essa alta vai ter que ser maior do que o Fed está falando'. Isso reflete no rendimento das treasuries, porque os investidores apostam que os juros vão subir mais e começam a demandar rendimento maior também", explica Candido.

Em relatório, no entanto, a Moody's considerou a disparada das treasuries exagerada.

"Os preços das ações caíram recentemente em resposta a um salto imprevisto e, possivelmente, fundamentalmente exagerado nos rendimentos dos títulos do Tesouro", disse. 

"Uma convincente justificativa fundamental para a última escalada nos rendimentos do Tesouro é elusiva. A inflação dos preços ao consumidor nos EUA segue bem contida", acrescentou.

O mercado aguarda para esta sexta-feira (5) a divulgação de outro dado importante nos Estados Unidos. O conhecido payroll vai apontar o ritmo de criação de vagas no país em setembro. Segundo a Bloomberg, a projeção de economistas é de uma taxa de desemprego de 3,8%, contra 3,9% em agosto.

REAÇÃO NOS MERCADOS

As taxas americanas afetam ainda os mercados financeiros pelo mundo, ajudando na retração de Bolsas e no fortalecimento do dólar.

"O investidor pega dinheiro emprestado lá fora a um juro mais baixo e aplica aqui no Brasil, por exemplo, a juros mais altos, ganhando nessa diferença. Mas a perspectiva é de uma taxa nos Estados Unidos subindo e a nossa ainda em nível baixo. Com um diferencial pequeno, muitos preferem ficar por lá e evitar um risco Brasil e a variação cambial", diz Candido.

O Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas na Bolsa brasileira, recuou 0,38%, 82.952,81 pontos. 

O dólar comercial avançou 0,20%, cotado a R$ 3,897.

No exterior, 27 das 31 principais divisas do mundo se desvalorizavam em relação à moeda americana.

O Dow Jones, principal índice de Nova York, caiu 0,75%. O S&P 500 recuou 0,82% e o índice de tecnologia Nasdaq perdeu 1,81%. Na Europa, o FTSE 100 (Londres) registrava queda de 1,22%, o CAC (Paris), de 1,47% e o DAX (Frankfurt) perdia 0,35%.

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