Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

Democracia é lidar com o embate entre opostos e acomodá-los, diz Luiz Guilherme Schymura

Para economista, não apenas a campanha, mas a gestão do eleito será marcada por crescente cobrança de diferentes grupos sociais

Luiz Guilherme Schymura, presidente do IBRE (Instituto  Brasilero de Economia)
Luiz Guilherme Schymura, presidente do IBRE (Instituto Brasilero de Economia) - Magdalena Gutierrez/Valor
Alexa Salomão
Rio de Janeiro

Para o economista Luiz Guilherme Schymura, o próximo presidente não pode subestimar opositores. Precisa ter consciência de que, mesmo cacifado pelas urnas, vai enfrentar duras resistências de congressistas e da própria população para impor os ajustes que o país precisa.

"Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar", diz Schymura. E dá exemplo.

"Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. Não deixam."

Ele também já não está tão certo de que a reforma da Previdência sai na largada do próximo governo: "O sentido de urgência passou", diz.

 

Quais serão os desafios do próximo presidente na área econômica?

O novo presidente, seja quem for, vai ter enorme dificuldade para apresentar a sua pauta de prioridades ao Congresso. Lá já tem uma fila de temas prioritários. Quatro se destacam.

Vai ter de discutir a nova regra de reajuste do salário mínimo. Vai ter de ver o que faz com o salário do funcionalismo público --ver o que pode dar, porque se não der nada já entra com as corporações pressionando contra. Vai precisar ver o que faz com o teto de gastos, que não fica em pé, mas precisa ser substituído por alguma coisa que dê âncora fiscal. Se tirar o teto e não colocar algo no lugar, o mercado surta. Outro item sensível é a política de subsídio do diesel. Ela acaba em dezembro. O que faz na sequência?

São brigas complicadas. Não é trivial discutir nada disso. É inexorável a queima de capital político já no começo do mandato.

Mas não é o momento certo para enfrentar todas as brigas, uma vez que esse presidente vai estar em início de mandato, cacifado pelas urnas?

Mas será que essas são as prioridades dele? Ele quer se desgastar com esses temas? Não vamos esquecer que o novo presidente vai precisar atender a expectativa dos eleitores. A população não vota em presidente para ele só trazer maldade. O ajuste fiscal, que é o maior desafio hoje de qualquer governante brasileiro, só traz notícia ruim. Mas a população vai esperar boas notícias também. Dizer que a reforma da Previdência, por mais importante que ela seja, vai melhorar a vida da população não cola. Ele vai ter de apresentar outras agendas junto, como melhorar o emprego.

Todos os economistas dizem que a reforma é prioridade e melhora para todos.

As mudanças não se dão como economistas e técnicos desejam, rapidamente. Eu escrevi artigos e dei consultoria propondo novos modelos previdenciários no início da década de 1990. Há 20 anos. Num dado momento, me dei conta que já estava acontecendo uma reforma da Previdência, mas no sentido contrário ao que eu propunha --estava em curso uma que dava mais direitos via aumento do salário mínimo. A reforma foi sendo empurrada. Ela já deveria ter sido feita. Vamos sofrer por retardá-la.

O governo e dezenas de técnicos passaram um ano explicando que a Previdência é um problema para o caixa público, que a conta não fecha. Não ficou claro que ela é prioridade?

O problema em relação à reforma da Previdência não é técnico. Não falta economista para fazer conta e mostrar o problema. A equipe econômica que está aí é excepcional e mostrou isso. O problema é político.

Temos uma sociedade com distribuição de renda horrível e extremamente patrimonialista. Ninguém abre mão de nada. Quanto mais você explica o problema fiscal mais os grupos de pressão se armam para vetar qualquer possibilidade de participação deles no ajuste. Há concordância da necessidade, mas nenhum consenso quanto à forma de fazer. Construir e coordenar com o Congresso um ajuste da dimensão que a gente precisa é um imenso desafio.

As equipes dos presidenciáveis que estão liderando as pesquisas estão preparadas para isso?

Jamais é fácil negociar com o Congresso. Ainda mais no que vem pela frente. Nunca na história desse país --parafraseando o grande líder [risos]-- um ministro da Fazenda entrou com tudo travado. Para fazer qualquer gasto adicional, vai ter de ir ao Congresso negociar. E vai precisar compor com o Congresso sem desagradar a população --o que é cada vez mais difícil.

Por que mais difícil?

Vou dar um exemplo. A greve dos caminhoneiros. Essa greve tem um dado novo. Toda vez que uma classe entra em greve, num primeiro momento, cria-se uma expectativa de lado a lado, porque se inicia uma barganha. Um lado pede 100 o outro quer dar zero. A barganha conduz ao meio termo e a greve acaba bem para ambos os lados. Mas nos caminhoneiros isso se complicou porque a população tomou partido. A população mostrou a sua insatisfação junto. Ali a gente viu o que acontece quando o presidente tem popularidade baixa.

A política de reajuste dos combustíveis pelo preço internacional foi um dos pilares da gestão Temer. E ele sacrificou essa política para atender os caminhoneiros porque a população escolheu lado. É preciso entender que esse nosso patrimonialismo, com essa distribuição horrorosa de renda, no mundo contemporâneo, é uma associação explosiva. Os interesses se chocam. Gera atrito.

Temer foi vítima disso?

Temer foi e todos os presidentes serão. Meu colegas costumam acreditar que as soluções na área econômica são técnicas. Não funciona assim. Ouvi muitos colegas dizerem quando Dilma saiu que o problema na economia estava resolvido. Mas eu bati na tecla. Dilma não foi brilhante na economia, mas não foi ela que nos tornou o país vagabundo em termos de condução da economia. Esse problema é histórico. Ela falhou na condução da política.

Quando Temer entrou, meus colegas economistas falaram: agora está tudo resolvido. Eu argumentei que não era bem assim. E não foi. Depois que não deu certo, Temer virou o diabo. Não é culpa de Temer também. O fato é que não existe milagre. Não existe salvador da pátria imune a pressões e cobranças da sociedade.

O candidato Jair Bolsonaro, o líder nas pesquisas, é chamado de mito por seus eleitores. Como o sr. acha que ele vai se sair se ganhar a eleição?

Bolsonaro tem essa aura de salvador, mas por questões subjetivas. Defende segurança, fala contra a corrupção. Eu vou ler uma coisa para explicar o que é isso [pega o celular].

Estou em dois grupos de economistas no WhatsApp. Essa mensagem foi enviada pelos dois grupos. A intersecção entre os grupos é vazia. Os integrantes não se conhecem. Um só tem bolsonarista. O outro é misto. Mas em ambos só tem PhD e ambos enviaram essa mensagem, esse espécie de fábula pós-posse de Bolsonaro. Diz assim:

'Acabo de chegar do futuro para contar a vocês que a posse do Bolsonaro foi pura emoção. Estou vindo de julho de 2019 e o país já é outro. Gleise e Haddad foram presos e o PT fechou as portas. Lula foi condenado mais duas vezes. O MST se desbaratou e Stédile fugiu para o Uruguai. Boulos foi preso mais uma vez e parece que desta vez o bicho pegou. A economia deu um salto. O desemprego caiu. O estatuto do desarmamento foi revisto e a bandidagem parou de assaltar abertamente com medo de ser alvejada pela população. Não entram mais na casa de ninguém. Gilmar Mendes foi expulso do STF e Toffoli renunciou por denúncia de corrupção. Com a vacância dos dois, o presidente Bolsonaro nomeou para os cargos de ministros do Supremo Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Aliás, a Lava Jato se tornou uma operação de elite permanente. Outra coisa, aluno agora que maltrata professor é expulso e fichado na polícia. A maioridade penal foi votada ontem e agora é de 15 anos. Bolsonaro é ovacionado aonde vai, seja no Brasil ou no exterior. É isso pessoal. Tenham fé. O Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.'

O que chama a atenção aqui? Alguém detalhou medidas econômicas? Falam que foi feita a reforma da Previdência, a reforma de não sei de quê? Não. Nada.

São economistas com PhD esperando que se resolva a segurança, que se respeite autoridade do professor. Se fosse um grupo de médicos ou de policiais, eu poderia entender. Mas nem economista com PhD vê Bolsonaro sendo ovacionado porque fez reforma da Previdência. O que vamos esperar? Todas as pessoas no fundo imaginam que é mais fácil do que realmente é.

O sr. está querendo dizer que a reforma da Previdência corre o risco de ser postergada outra vez?

Estou dizendo que há consenso sobre a necessidade dela, mas que o sentido de urgência passou. É difícil você convencer essa figura etérea que chamamos de sociedade de que a reforma da Previdência é urgente se o país voltou a crescer, se a inflação e o juros estão baixos, e o desemprego está alto.

Como vou dizer para quem não tem emprego que ele vai ter de trabalhar mais 10 anos para se aposentar? O cara já não tem trabalho. Dou título de doutorado para quem fizer, de forma clara, a relação entre o desemprego e o problema fiscal do Brasil para gente convencer as pessoas de que vão sair ganhando se o país fizer a reforma da Previdência. Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar.

Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. A inflação da Argentina caminha para 40%, a moeda se desvaloriza, mas ainda assim não deixam ele fazer o ajuste.

Existe um grupo defendendo que, se o presidente eleito concordar, se aprove a reforma da Previdência após a eleição e antes da posse. É viável?

Não há a menor possibilidade, mas vamos supor que desse. Primeiro, teria de negociar com o Temer. O que ele vai pedir em troca? Pode ser um pato manco, mas a caneta está com ele. Vai ter de negociar com os antigos congressistas. Como é o approach com eles? Percebe a dificuldade? É impensável, mas as pessoas podem acreditar no que quiserem. Eu não consigo criar esse cenário.

A marca da eleição é a polarização nos extremos que tem sido considerada nociva. Qual a sua opinião?

Como pai de um jovem estudante de engenharia de 19 anos e de uma estudante de medicina de 22, eu me preocupo com o futuro, com o país que estamos deixando para as próximas gerações. Mas como intelectual, eu considero fabuloso. Democracia é isso: lidar com riscos, com o embate entre opostos e saber acomodá-los.

Alguns defendem que o avanço de um candidato de centro teria sido mais saudável.

Compor é uma segunda etapa. Por experiência, a gente sabe que quem ganha a eleição não entra no governo chutando o balde. Tenta compor. Veja o PT. Já lança nomes de economistas de direita para ocupar a Fazenda. Nem sei se vão ocupar. Mas mostram que, no PT, economistas mais liberais não são leprosos.

Circulou a informação que um dos nomes ventilados é o seu. O sr. foi sondado?

Não. Não teve isso.

O sr. conhece o Haddad?

Nunca estive com ele.

De onde o sr. acredita que saiu essa informação, então?

Não faço a menor ideia. Deve ser porque a gente recebe todas as pessoas aqui no Ibre. Estivemos com todo mundo. Paulo Guedes [economista da campanha de Bolsonaro], Pérsio Arida [de Geraldo Alckmin], Mauro Benevides [de Ciro Gomes]. Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda de Dilma] trabalha aqui com a gente. Mas este é o momento do balão de ensaio. Eles ainda têm uma eleição para ganhar. Os nomes de verdade vão vir depois.

 

Luiz Guilherme Schymura, 57 Diretor do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), cursou Engenharia Elétrica e de Sistemas na PUC-Rio, doutorado em Economia na FGV e pós-doutorado em Economia na The Wharton School da Universidade da Pensilvânia (EUA). De 2002 a 2004, presidiu a Anatel, agência do setor de telecomunicações

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