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Imposto de Renda: da alíquota única à isenção

Além de inconstitucional, criação de alíquota única agrava o quadro de desigualdade fiscal

Tathiane Piscitelli
São Paulo

O vencedor da eleição presidencial terá muitos desafios: déficit de R$ 159 bilhões, baixas taxas de crescimento econômico, aumentos significativos do desemprego e da desigualdade social.

Tema fundamental é a questão tributária.

Sendo os tributos a principal fonte de financiamento do Estado, é natural que o debate sobre o ajuste fiscal passe por eles. Alguns candidatos cogitam alterações no Imposto de Renda, com propostas em direções opostas.

Paulo Guedes, economista ligado à campanha de Bolsonaro, cogitou uma alíquota de 20%, única. Já Haddad afirma que irá isentar do IR aqueles que ganham até cinco salários mínimos.

A proposta, além de inconstitucional, agrava o quadro de desigualdade fiscal.

Nos termos da Constituição, o IR é tributo obrigatoriamente progressivo e tem por função, com tributos sobre a propriedade, atuar de maneira distributiva. A progressividade é um instrumento para tanto.

É fato notório, contudo, que o IR, nos moldes em que hoje está instituído, com quatro faixas de alíquotas, mais um nível de isenção, apresenta graus de regressividade pouco desejáveis, em razão da isenção dos dividendos de pessoas físicas.

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Os candidatos Jair Bolsonaro (à esq.) e Fernando Haddad - Reuters

Ainda que a proposta contemple tributar dividendos —algo que não pode ser feito sem repensarmos com seriedade a tributação das pessoas jurídicas—, estabelecer uma alíquota única de 20% desvirtuaria por completo o imposto, além de onerar de forma demasiada os mais pobres.

De outro lado, a proposta de Haddad, em que pese ser coerente com o ideal de justiça distributiva que deve ser perseguido na tributação da renda, igualmente não se sustenta, por razões práticas.

A ampliação da isenção do IR para aqueles que ganham até cinco salários mínimos poderia melhorar o quadro de regressividade, mas representaria severa renúncia fiscal.

É ilusório pensar que mais incentivos não impactarão negativamente a prestação de serviços públicos essenciais.

Ademais, uma larga isenção desse tipo deve vir acompanhada da majoração de outros tributos e essa demanda não se relaciona apenas com o controle do déficit primário, mas, também, com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nos termos do artigo 14 da lei, as renúncias de receita devem conter medidas de compensação (leia-se: aumento de tributos) para assegurar, dentro do possível, o equilíbrio das contas públicas. Medida nada simples.

A pauta do ajuste fiscal e as formas de promovê-lo devem ser prioritárias no debate presidencial. O direito tributário está no centro disso e não há propostas claras, mas frases soltas, sem indicação precisa das providências.

Essa discussão precisa ser estimulada e realizada de forma séria, considerando todos os fatores envolvidos —do montante do déficit até o combate de privilégios.

Tathiane Piscitelli é coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP

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