O crescente número de empresas ocidentais que se distanciaram da Arábia Saudita após o suposto assassinato do dissidente Jamal Khashoggi está minando o esforço do reino em diversificar sua economia para além do petróleo.
Na sexta-feira (12) à tarde, uma dúzia de empresas de tecnologia, mídia e entretenimento abandonaram a conferência de investimentos saudita que será realizada entre os dias 23 e 25 deste mês. o evento é apelidado de "Davos no deserto", em referência ao fórum econômico suíço.
Uma das empresas que estava entre os beneficiários dos US$ 27 milhões (R$ 101 milhões) que a Arábia Saudita gastou fazendo lobby nos EUA em 2017, anunciou que iria parar sua representação. "Estamos encerrando nosso relacionamento", disse Richard Mintz, diretor administrativo do The Harbour Group.
As empresas e os executivos que estão se afastando do reino, incluindo a Uber, e a Viacom, são os mesmos com que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman procurou aproximação no ano passado, na tentativa de modernizar sua economia. e garantir empregos para sua população jovem. Mais de 60% dos sauditas têm menos de 30 anos.
Pode haver limites para a disposição do mundo corporativo de censurar os sauditas. Bancos e firmas de consultoria que obtêm grandes somas por emitir títulos para a Arábia ou oferecer conselhos estratégicos têm permanecido em parte fiéis aos seus planos de patrocinar ou participar da conferência de Riad, apelidada de Davos no deserto.
Até agora a Casa Branca evitou duras críticas, com o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, dizendo na sexta-feira (12) que ainda planeja participar da cúpula, declaração que foi condenada por democratas no Senado.
O presidente Donald Trump chamou a suspeita de Khashoggi de matar uma "coisa terrível", mas não chegou a atribuir culpa e notou que o dissidente não era cidadão americano.
Um grande objetivo do príncipe herdeiro é criar mais um setor privado para afastar as pessoas da folha de pagamento do setor público, segundo Karen Young, uma especialista saudita do American Enterprise Institute.
O governo turco disse a autoridades norte-americanas que possui gravações de áudio e vídeo provando que Khashoggi foi morto dentro do consulado saudita em Istambul este mês.
Autoridades sauditas negaram qualquer envolvimento no desaparecimento de Khashoggi, dizendo que ele deixou o consulado pouco depois de entrar.
Mohammed bin Salman chegou ao poder em junho de 2017, substituindo seu primo como príncipe herdeiro. Sob sua liderança, o reino lançou o plano Visão 2030, para atrair mais investimentos estrangeiros, impulsionando o papel das mulheres na força de trabalho e construindo um setor privado em outras indústrias além da energia.
Antes de os protestos contra o desaparecimento de Khashoggi começarem a ganhar força, a segunda conferência da Iniciativa de Investimento Futuro estava programada para atrair dezenas de altos executivos ocidentais.
Isso começou a mudar na noite de quinta-feira (11). O presidente-executivo da Uber, Dara Khosrowshahi, disse em comunicado que estava se retirando do evento, e também afirmou estar "muito perturbado" com os relatórios sobre Khashoggi.
"Estamos acompanhando a situação de perto e, a menos que surja um conjunto substancialmente diferente de fatos, não participarei da conferência da FII em Riad", disse Khosrowshahi.
O investidor de tecnologia Steve Case também suspendeu os planos para participar da conferência e de uma reunião para um projeto de turismo saudita.
Bob Bakish, presidente-executivo da Viacom Inc., dona da MTV e do estúdio cinematográfico Paramount Pictures, também afirmou que deixará de participar da conferência.
O Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita, que está organizando o evento, não respondeu a um pedido de comentário.
Os anúncios das empresas foram seguidos por empresas de comunicação. O proprietário do New York Times e do Los Angeles Times, Patrick Soon-Shiong, cancelou a participação dos jornais no evento saudita. Sexta-feira de manhã, a CNN e a Bloomberg também cancelaram suas coberturas.
Figuras bem conhecidas no mundo da tecnologia dos EUA também se afastaram de um projeto saudita chamado NEOM, que tem o objetivo de construir um centro de tecnologia e turismo no noroeste do país.
Sam Altman, presidente da Y Combinator, afirmou que estava suspendendo o envolvimento com o conselho consultivo da NEOM "até que os fatos sobre o desaparecimento de Jamal Khashoggi sejam conhecidos".
Mas as indústrias de finanças e consultoria têm permanecido em silêncio sobre o caso Khashoggi. Um porta-voz do JPMorgan disse na quinta-feira (11) que o banco não tem comentários sobre se o suposto assassinato afetaria os planos do presidente-executivo Jamie Dimon, que está na lista de palestrantes.
A empresa de investimentos Kohlberg Kravis Roberts & Co. também se recusou a comentar. Seu presidente, o general David Petraeus, e o vice-presidente, Joseph Bae, estão programados para falar no evento.
Mais de 30 empresas e executivos norte-americanos e europeus listados como patrocinadores ou palestrantes da conferência, incluindo MasterCard, McKinsey e Deloitte, não responderam aos pedidos de comentários.
Particularmente, vários lobistas sauditas disseram que estavam esperando por mais informações antes de tomar uma decisão sobre a continuidade da participação em atividades de lobby e relações públicas em Washington. Um lobista disse que sua empresa estava pensando em anunciar que doaria as taxas recebidas da Arábia Saudita para caridade.
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