Descrição de chapéu

Uso de ações especiais não pode ser vulgarizado

Instrumento foi criado no Reino Unido em 1970, no governo Margaret Thatcher

Rafael Wallbach Schwind
Brasília

As “golden shares” entraram na discussão da sucessão presidencial.

Nesse contexto, surgem algumas questões. As “golden shares” são uma alternativa viável, adequada e eficiente para a nova etapa de privatizações em um futuro governo que se inicia a partir de 2019?

Para enfrentar esse questionamento, é importante compreender melhor o mecanismo das “golden shares” e quais as cautelas que devem ter na sua aplicação.

O instrumento das “golden shares” (ou “ações de classe especial”) foi criado no Reino Unido na década de 1970, notadamente a partir da política de transferência de ativos estatais à iniciativa privada no governo Margaret Thatcher.

Entendia-se que a política de privatização precisava conciliar de um lado a maior eficiência da iniciativa privada e, de outro lado, a proteção de interesses estratégicos do Estado.

Assim, previu-se que o Estado poderia deter “golden shares” em certas companhias privatizadas.

O controle dessas empresas passaria a ser da iniciativa privada, mas o Estado teria uma ação que lhe conferiria prerrogativas específicas no interior da companhia como forma de resguardar os interesses estratégicos do Estado nas atividades.

Em outras palavras, apesar de ser necessária a transferência do controle de certas companhias à iniciativa privada, o Estado entendia que era imprescindível manter um certo grau de intervenção estatal em virtude da importância estratégica das empresas para a economia e para a satisfação de necessidades essenciais da população.

No Brasil, as “golden shares” já foram usadas em alguns casos. Os mais conhecidos são os da Embraer e da Vale.

Mas são ainda um mecanismo útil, viável e eficiente?

A resposta é: depende de cada situação.

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Ozires Silva [ao centro], ex-presidente da Embraer, e André Franco Montoro [à direita] ajudam a bater o martelo no leilão de privatização da Embraer, na bolsa de São Paulo, em 1996 - Antonio Gaudério - 14.abri.1994/Folhapress

De início, é necessário compreender que as “golden shares” são apenas um dos vários mecanismos que a legislação coloca à disposição do Estado para garantir que certos fins considerados essenciais sejam atingidos.

Em certos casos, as “golden shares” podem ser o mecanismo mais adequado.

Em outros, estabelecer uma regulação eficiente será a melhor solução.

Haverá ainda situações em que o Estado pode manter uma participação minoritária na empresa privatizada, de modo a deter certas prerrogativas normais de um acionista.

Diversos elementos influenciam na própria viabilidade de se empregar o mecanismo.

O primeiro será o da atratividade do negócio à iniciativa privada.

É evidente que, em tese, a presença de uma “golden share” de titularidade estatal reduz a atratividade do negócio. No entanto, isso não quer dizer que as “golden shares” sempre eliminarão essa atratividade.

O segundo será o da pertinência da “golden share”.

É impertinente, por exemplo, a previsão de uma “golden share” em setores que não tenham nenhuma relevância estratégica. O uso do instrumento não pode ser vulgarizado.

O terceiro será o da definição concreta das prerrogativas previstas para a “golden share”.

Elas deverão ser sempre compatíveis com as necessidades do caso. Prerrogativas exageradas em favor do Estado são inaceitáveis. E a invocação dessas prerrogativas também deve observar limites.

Em síntese, as “golden shares” são um mecanismo útil, viável e adequado, mas apenas a certas situações.
Deve-se ter cautela para que elas acabem não “maquiando” um processo consistente de privatizações.

Rafael Wallbach Schwind é doutor em direito pela USP e sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini Advogados
 

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