Previdência: Por que reformar? Por que agora?

Em série de artigos, Armínio Fraga e Paulo Tafner explicam o desafio da reforma da Previdência

Armínio Fraga Paulo Tafner
São Paulo

Hoje, cada brasileiro nasce devendo R$ 70 mil à Previdência. Já destinamos mais de 50% do orçamento federal para a Previdência, sobrando pouco para educação, saúde e infraestrutura.

Esse gasto leva a uma expansão insustentável da dívida e dos juros. Apenas no âmbito federal, o gasto com Previdência aumenta a cada ano R$ 50 bilhões.

Retrato de Armínio Fraga, que gesticula enquanto fala sentado em uma mesa de reunião
O economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, em seu escritório no Rio de Janeiro - Ricardo Borges - 02.ago.17/Folhapress

Em menos de 10 anos, a Previdência consumirá 80% dos gastos do governo. O Estado brasileiro não pode se reduzir a uma grande folha de pagamento. Precisamos combater a pobreza, as desigualdades e gerar as condições para que o Brasil cresça e as famílias prosperem. O colapso não está distante.

Nossos pais e avós podem não receber suas aposentadorias, como já mostram diversos estados brasileiros. Nossos filhos seguem encontrando obstáculos em uma economia combalida, penalizada pela falta de oportunidades e emprego.

A despesa previdenciária não apenas é alta e cresce rapidamente como a maior parte dela não chega aos mais pobres. Nosso sistema prevê regras mais duras para eles do que para os mais ricos, que se aposentam mais cedo e com valores maiores. É uma vergonhosa injustiça e uma perpetuação de desigualdades.

Ao mesmo tempo, a acelerada mudança demográfica impõe desafios enormes. Ela reflete avanços a comemorar, pois os brasileiros estão vivendo cada vez mais. Porém, exige ajustes, pois demanda crescentes recursos com previdência e saúde.

A expectativa de sobrevida de quem chega aos 65 anos já excede 17 anos em todos os Estados do Brasil. Quem chega aos 65 anos vive além dos 82. Felizmente, este processo não se encerrou: os idosos continuam a viver cada vez mais. Serão mais e mais brasileiros recebendo aposentadorias.

Por isso, o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria é crucial. A pensão por morte também é um grande desafio. Foram cerca de R$ 115 bilhões com esse benefício em 2017. É mais do que o orçamento inteiro da saúde!

A escala da despesa é extraordinária. No ano passado, a aposentadoria por idade urbana consumiu perto de R$ 60 bilhões, mais de 10 vezes o gasto com transporte rodoviário. A aposentadoria por invalidez teve magnitude semelhante, equivalendo a mais de 6 vezes todo o gasto com defesa.

Desde que você começou a ler este texto, a Previdência já gastou R$ 5 milhões. São mais de R$ 20 mil por segundo! Isso somente no âmbito do governo federal, que deve fechar 2018 pagando quase R$ 700 bilhões em benefícios nos mais diferentes regimes.

Mesmo benefícios da Previdência mais progressivos do ponto de vista da distribuição de renda, que chegam a famílias mais pobres, devem ser cuidadosamente repactuados. Há um alto e crescente custo de oportunidade em relação a outras políticas públicas. A Previdência Rural custou cerca de R$ 120 bilhões em 2017, mais que todo o orçamento da União com educação.

Saindo do INSS, é urgente rever as regras dos servidores públicos (regimes próprios), que chegam a uma minoria que recebe os maiores benefícios. Só no governo federal, gastamos com as aposentadorias e pensões dos servidores, civis, cerca de R$ 80 bilhões.

Solucionar a previdência dos servidores é urgente pela emergência dos Estados. Assistimos um a um quebrarem e nos recusamos a investigar de forma imparcial as causas. A crise dos Estados é uma crise de folha de pagamento.

Os estados já gastam mais de R$ 160 bilhões com aposentadorias e pensões. São esses entes que prestam, na ponta, os serviços mais essenciais, como segurança pública, saúde, educação. Como  concentram as categorias com aposentadorias especiais –como policiais e professores– são eles que vão experimentando primeiro a crise previdenciária, cobaias da mazela que em breve atingirá todo o país.

O quadro é ainda mais grave porque essas transferências alcançam poucas famílias, e não são as pobres. Os regimes de previdência dos servidores seria sozinho responsável por não menos do que 7% de toda a desigualdade de renda do país!

Enquanto nos recusamos a enfrentar o desafio previdenciário, a dívida pública sobe implacavelmente e asfixia a economia. A dívida em relação ao PIB subiu de 60% para 70% entre 2014 e 2016. No início do mandato do próximo presidente, chegará a 80%. Sem reforma, terminará o mandato em 100% ou mais.

Como nossos jovens podem conseguir bons empregos e empreender em um cenário como esse? Como nossas empresas podem competir com um gigante tomador de empréstimos que pode imprimir dinheiro ou obter recursos forçadamente por meio de impostos?

A dívida e seus juros inviabilizam a geração de oportunidades. Subir impostos ou cortar ainda mais os minguados investimentos não podem ser a opção. Aceitar um crescimento medíocre que condenará as futuras gerações é trair os laços de solidariedade que devem nortear uma nação.

Foi pensando em todas essas questões que em março deste ano reunimos um grupo fantástico de especialistas e nos propusemos um desafio: oferecer ao país uma proposta de reforma para corrigir essas enormes distorções e estabelecer para os jovens brasileiros uma nova previdência equilibrada, saudável e confiável.

A equipe é composta por Leonardo Rolim, Pedro Nery, Miguel Foguel, Marcelo Pessoa, Sergio Guimarães e Rogerio Nagamine. A reforma da Previdência que propomos, além de reduzir a desigualdade e acabar com privilégios, permitirá reduzir o endividamento e garantir crescimento sustentável para o país.

Este é o primeiro artigo de uma série de quatro em que membros da equipe que elaborou nossa proposta de reforma da Previdência explorarão aspectos das medidas que oferecemos à sociedade brasileira.

Este artigo sobre os regimes próprios de Previdência para servidores civis e militares da União, dos estados e dos municípios, publicado nesta terça (13), compõe uma série de quatro que relatam a proposta capitaneada pelo economista Armínio Fraga e coordenada por Paulo Tafner para reformular o sistema de aposentadorias e pensões em todos os níveis

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