Recuso-me a aceitar que governo Bolsonaro não vai falar com indústria, diz presidente do Iedi

Para Pedro Wongtschowski, canal de comunicação é vital para que Estado e empresas possam gerar desenvolvimento

Pedro Wongtschowski, 72,  presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) desde 2015
Pedro Wongtschowski, 72, presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) desde 2015 - Gabriel Cabral/Folhapress
Raquel Landim
São Paulo

O engenheiro Pedro Wongtschowski, 72, não está preocupado com a decisão do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de extinguir o Ministério da Indústria ou com a troca de farpas públicas entre membros da equipe de transição e representantes do setor.

O executivo —que preside o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), seleto grupo que reúne os comandantes das maiores empresas brasileiras, como Vale, Embraer e Votorantim— diz que ainda vai surgir uma via de comunicação entre a indústria e o novo governo.

“A indústria sabe da sua relevância e sabe o quanto é importante para o governo manter a comunicação com o setor. Se a nova administração realmente pensa no desenvolvimento, no emprego, na educação, vai abrir um canal com a indústria”, disse Wongtschowski, que comandou por cinco anos o Grupo Ultra, que atua na distribuição de combustíveis com as bandeiras Ipiranga e Ultragaz.

Ao contrário de outros representantes da indústria, ele é a favor da abertura da economia e chega a sugerir uma transição para apenas quatro alíquotas de importação, variando de zero a 15%. 

E, por enquanto, afirma que não percebeu uma retomada dos investimentos, a despeito do entusiasmo do mercado financeiro com a eleição de Bolsonaro. “Vai demorar algum tempo para essa máquina engrenar.”

 

Quais são as suas expectativas em relação ao próximo governo? As mensagens divulgadas até agora —redução do tamanho do Estado, queda da carga tributária, incentivo ao empreendedorismo, encaminhamento do déficit fiscal, reforma da Previdência— são todas positivas e necessárias.
Mas até aqui são declarações de intenção. A sociedade só vai saber quais são as ideias efetivas do governo à medida que se transformarem em projetos de lei, emendas constitucionais e planos de ação. Só aí entenderemos o alcance e as implicações dessas medidas.

Passadas as eleições, o sr. já percebe uma recuperação da economia e dos investimentos? Não. Vejo as empresas se preparando para um cenário melhor, mas sem tomar providências práticas. Ainda temos capacidade ociosa em muitos ramos industriais e haverá cautela no anúncio de novos investimentos. Vai levar algum tempo para essa máquina engrenar.

Tome-se, por exemplo, uma área em que certamente virão investimentos para o Brasil, que é a concessão de obras de infraestrutura e a privatização de estatais. Existe hoje uma certa ilusão de que essas coisas podem ser feitas rapidamente. Quando o governo resolve vender um ativo da União, tem uma inércia no processo por causa do ambiente regulatório.

O que o governo precisa fazer para o empresariado retomar a confiança? Três sinais são extremamente importantes: a aprovação de uma reforma da Previdência, o entendimento de que é possível reduzir o déficit fiscal num prazo razoavelmente curto e como a União vai tratar a crise dos estados.
O país precisa de clareza sobre como vai ser feito o ajuste fiscal e que a solução encontrada é crível. Além disso, vai ser difícil resolver a situação dos estados, porque é preciso respeitar a austeridade, mas também entender que alguns estados enfrentarão uma crise grave sem apoio federal.

Para solucionar essas questões, será necessário diálogo com o Congresso. Como o sr. acha que vai ser a relação entre o novo governo e os parlamentares? Não consigo prever isso. Tenho apenas a esperança de que se estabeleça uma relação construtiva entre o Executivo e Legislativo e que os dois Poderes se entendam em torno de uma agenda comum. 

Depois de idas e vindas, o governo disse que vai acabar com o Ministério da Indústria e unificá-lo no superministério da Economia. O sr. é a favor ou contra? A indústria tem grande representatividade no PIB, na arrecadação, no emprego formal e no investimento em pesquisa e tecnologia. O agronegócio também é muito importante, mas não existe agricultura sem fertilizantes, colheitadeiras, tratores, irrigação.

Resumindo, a indústria é central para o Brasil. Portanto, é indispensável para o governo um canal simples e privilegiado de acesso ao setor industrial.

Temos 29 ministérios e queremos chegar a 15 ou 16. Não vai funcionar se cada grupo quiser manter seu próprio ministério. Essa é uma posição que a indústria não deve ter. A indústria sabe da sua relevância e o quanto é importante para o governo manter a comunicação com o setor industrial.

Neste momento, o diálogo entre a indústria e o governo Bolsonaro parece truncado... O governo Bolsonaro ainda não existe. O que temos é uma equipe de transição. Essa comunicação com a indústria vai se estabelecer no momento adequado. Só quando a nova administração estiver pronta é que vamos descobrir se realmente pensa no desenvolvimento, no emprego, na educação. Ao se preocupar com tudo isso, vai abrir um canal de comunicação com o setor industrial.

E se esse canal de diálogo não se abrir? Vai se abrir. Recuso-me a aceitar outra alternativa. Não há alternativa para o Brasil.

Um exemplo da dificuldade de comunicação é uma frase recente do economista Paulo Guedes, já indicado como futuro ministro da Economia. Ele disse que vai “salvar a indústria, apesar dos industriais”, que estariam “entrincheirados” no protecionismo. O que o sr. achou dessa afirmação? Não há nenhum setor homogêneo na economia. Em todas as áreas existem subsetores mais avançados e outros mais retrógrados. Ele provavelmente se referia a uma minoria de industriais com os quais eu não lido, porque eles não compõem o Iedi.

O sr. já defendeu mudanças no Sistema S, um tema que o novo governo pretende abordar. O Sistema S deveria ser extinto ou reformado? O Sistema S presta importantes serviços ao país e deve ser mantido desde que removidas as distorções e identificadas outras formas de financiá-lo, que não seja diretamente da folha de pagamento das empresas.

No Brasil, o empregado custa para a empresa o dobro do seu salário, o que é um desincentivo ao emprego formal. A folha deveria ser composta apenas de salário e contribuições previdenciárias. No entanto, existe uma série de penduricalhos, e a contribuição ao Sistema S é um deles.

Outra distorção é que o Sistema S paga uma taxa de administração para as federações industriais, que hoje representa uma parcela muito importante do orçamento dessas entidades. Acho razoável que as federações participem da gestão do Sistema S, mas não que sejam remuneradas para isso.

Bolsonaro pretende aprofundar a reforma trabalhista, com a criação da carteira verde e amarela [que assegura apenas direitos constitucionais, como férias remuneradas, 13º salário e FGTS]. Qual é a sua opinião? Não conheço esse projeto e não quero me manifestar.

O BNDES vem encolhendo de tamanho desde o início da gestão Michel Temer, e o novo governo diz que quer “abrir a caixa-preta” do banco. O que o sr. acha disso? O BNDES tem um papel muito importante a cumprir no futuro do país. Provavelmente vamos ter um banco mais focado. É muito difícil, por exemplo, que o setor financeiro privado substitua o BNDES nas obras de infraestrutura, porque os prazos exigidos são longos.

O BNDES também é fundamental para financiar exportações, inovação, micro e pequenas empresas, sustentabilidade. São áreas em que o BNDES devia se concentrar.

Houve uma demonização do banco, que é improcedente. O BNDES tem uma equipe técnica competente e correta. Precisamos restaurar as condições para os técnicos darem pareceres com responsabilidade, mas sem serem punidos na pessoa física em razão disso.

Outra proposta do presidente eleito é uma abertura unilateral da economia. O sr. é contra ou a favor? O Brasil precisa aumentar sua inserção no comércio internacional. O sistema tarifário está todo desorganizado com alíquotas de importação altas para a compra de insumos e tarifas baixas para produtos acabados. Temos que remontá-lo.

Além disso, existe um número exagerado de tarifas. Deveríamos escolher apenas quatro —zero, 5%, 10%, 15%— e distribuir os produtos ao longo desses grupos.

A abertura da economia vai aumentar a competitividade da indústria brasileira, proporcionando acesso a insumos com custo mais baixo e facilitando a modernização.

Mas hoje temos muitos produtos —automóveis e confecções, por exemplo— com 35% de tarifa de importação. O sr. acredita que é um equívoco? Acho que está errado. Essas tarifas são muito altas e deveriam ser reduzidas ao longo do tempo dentro de um regime de transição.

O sr. teme uma invasão de importados ou o fechamento de fábricas? Não. Vamos continuar tendo um sistema de defesa comercial bem estabelecido, logo práticas desleais de comércio serão combatidas. E estamos partindo do princípio de que a abertura da economia virá com medidas de desoneração do setor industrial e de simplificação da estrutura tributária.

Como parte desse processo, também temos de incentivar a assinatura de acordos comerciais com economias relevantes, o que o Brasil praticamente não tem. Hoje estão em andamento negociações com o México, a União Europeia e outros.

Guedes já disse que o Mercosul não será prioridade, embora seja um mercado muito relevante para a indústria. O que o sr. acha disso? O Mercosul é um mercado importante para o Brasil, mas a mudança de status de acordo de livre-comércio para união aduaneira eventualmente poderia ser revista. Um acordo de livre-comércio tem todas as vantagens de uma união aduaneira e ainda permite a cada país negociar livremente seus acordos comerciais.

Mesmo após as eleições, a sociedade brasileira continua bastante polarizada. Isso pode afetar a economia? A livre iniciativa exige um ambiente em que as pessoas possam inovar. Por sua vez, diversidade e admissão de divergências são partes indispensáveis para que a inovação avance.

A liberdade de discussão é vital, por exemplo, para termos universidades vivas, criativas e alimentando o setor empresarial de novas ideias.

Às vezes, vejo sinais preocupantes de que isso poderia estar em risco. Todos os empresários do Brasil deveriam dar relevância à manutenção de um ambiente em que a discussão, o debate e a divergência sejam incentivados, porque é daí que vêm a inovação, a criatividade e o crescimento.

 

Pedro Wongtschowski, 72
Engenheiro químico com mestrado e doutorado pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), é presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) desde 2015; atua em cargos de chefia no Grupo Ultra desde 1985 e foi presidente e presidente-executivo de janeiro de 2007 a dezembro de 2012; permanece no conselho de administração

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