Com peso recorde, frango sofre as dores do crescimento

Aos 2,4 kg, aves brasileiras passaram a mancar, ter infarte e deformação óssea

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São Paulo

​Está mais difícil comer um franguinho. Não é bem por causa do preço e menos ainda por falta de produto —todos os dias, são abatidos mais de 15 milhões de aves no país.

Não há mais franguinho porque o bicho jamais foi tão pesado no Brasil. Desde 1997, o peso médio da carcaça depenada e em parte eviscerada aumentou 32%, de 1,8 kg para quase 2,4 kg. O frango na média está pronto para o abate aos 45 dias de vida, quando pesa em torno de 3 kg.

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Frangos em Uberaba; desde 1997, peso da carcaça depenada e em parte eviscerada aumentou 32%  - Celio Messias - 11.jun.18/Folhapress

O frango não foi “bombado”, não toma hormônio, o que é proibido por lei. O que melhorou foi a genética, a tecnologia de criação e a supervisão sanitária. Ainda assim, parte dos bichos sofreu ou sofre, a depender do ponto de vista, se de criadores ou de protetores dos animais.

O ganho rápido de peso criou bichos desproporcionados em termos de músculos, ossos, órgãos e fisiologia. Massudas demais, as aves passaram a padecer de distúrbios metabólicos, que causavam problemas cardiorrespiratórios. As aves enfartavam. Além do mais, ficavam com as pernas bambas, mancas, com dores, problemas de calcificação e deformações nos ossos.

“Esse foi um problema colateral do avanço da genética, que começou a ser mais notado nos anos 1990 e chegou a um pico lá por 2005”, diz Ariel Mendes, professor emérito da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, atualmente diretor de relações institucionais da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), dos produtores de carne.

Tanto o frango quanto o mercado cresceram nessas duas décadas. O preço médio dos produtos no Brasil (a inflação) foi multiplicado por 3,7. O do frango, por 3,8 vezes; o do contrafilé de boi, 6 vezes. Nesse período, de 1997 a 2018, o salário mínimo aumentou 8 vezes.

O consumo médio de frango por pessoa passou de 24 kg para 42 kg ao ano. Ainda assim, o país se tornou o maior exportador e o segundo maior produtor mundial, atrás dos EUA.

Segundo Mendes, a globalização do setor de genética, a concentração das empresas produtoras e a uniformização mundial do tipo de frango estão na base da mudança, dos sucessos e dos problemas, mesmo na qualidade da carne (que por vezes ficava gordurosa demais ou com pontos duros, “amadeirados”).

O objetivo da avicultura industrial é fazer com que os bichos comam cada vez menos para ganhar mais peso no menor tempo possível —quase 70% do custo de produção do frango é nutrição (milho e soja), segundo a Embrapa. Esse bicho eficiente é criado por meio de seleção genética (mas não é transgênico).

Duas multinacionais dominam o mercado de pesquisa e produção de linhagens de frango comercial, a Aviagen e a Cobb-Vantress. Essas firmas criam as avós das aves das granjas e as “marcas” de galinha, muito parecidas, e são responsáveis por 99% dos frangos produzidos no mundo, conta Mendes, da ABPA.

Isto é, afora criações de nicho, de alguns tipos de galinhas “caipiras”, por exemplo, a carne de frango é quase tão globalizada quanto a batata frita de fast food.

Essas multinacionais usam muita tecnologia a fim de selecionar características como ritmo de ganho de peso, conversão de ração em carne, forma do corpo, qualidade das patas e perfeição do esqueleto e empenamento (uma boa plumagem protege o corpo de bicadas, de arranhões e de vários defeitos na carne).

Mas nem tudo é genética. O manejo, a criação, pode ampliar ou atenuar defeitos. “Uma combinação de fatores produziu progressos. Havia perdas devido a problemas de saúde animal e houve a conscientização de consumidores. Certos mercados que importam nossos produtos fazem exigências”, diz Mendes.

Europeus exigem um limite para o tamanho do peito e de lotação das áreas de criação, de 34 kg de aves por metro quadrado. Japoneses querem coxas e sobrecoxas de tamanho idêntico; chineses fazem exigências quanto às asas. Países muçulmanos compram mais galetos, que, na verdade, na grande produção comercial, são fêmeas abatidas jovens (têm mais gordura, carne mais macia, e não vale a pena abater um frango, que pode ganhar mais peso).

ONG de proteção animal tenta ‘botar ordem no galinheiro’ 

Houve progresso, mas nem tanto, diz José Rodolfo Ciocca, gerente da área de animais de fazenda da Proteção Animal Mundial (ONG internacional de defesa de cuidados com animais).
A ONG já ofereceu treinamentos gratuitos de abate humanizado, formando fiscais federais e funcionários de grandes frigoríficos.

Agora promove a campanha “Mude pelo Frango”, que procura informar consumidores a respeito das condições de criação. Em breve, devem publicar um ranking de empresas, como as de fast food, compromissadas com o bem-estar das aves, o “Botando Ordem no Galinheiro”.

Ciocca, formado em zootecnia pela Unesp, acredita que houve alguma melhoria na vida das aves a partir do início da década. Ainda haveria problema. Por exemplo, a hiperlotação das granjas, de 38 kg a 40 kg por metro quadrado, diz. 

“Os europeus fazem exigências maiores, de fato, mas são apenas 7% das exportações brasileiras. A Arábia Saudita, que importa o dobro, acaba de fazer exigências mais estritas de abate sob normas religiosas muçulmanas, como a degola dos frangos sem nenhum atordoamento”, diz Ciocca.

Países do Oriente Médio, na maioria muçulmanos, compram um terço das exportações brasileiras —os produtores estão receosos de que certas deferências de Jair Bolsonaro com Israel prejudiquem as relações comercias com o mundo islâmico.

A Proteção Animal Mundial pretende limitar a densidade na criação a 30 kg de aves por metro quadrado. Quer limitar o ganho médio diário de peso a um ritmo inferior ao da média da produção nacional.

“Conter o sofrimento leva também a ganhos econômicos. A ideia é permitir que as aves tenham liberdade para expressar seus comportamentos naturais, empoleirar, se espojar, fazer banho de areia, bicar, ciscar, ficando assim mais saudáveis”, diz Ciocca.

Para tanto, as aves precisam de espaço e de um organismo mais equilibrado. 

Ariel Mendes, da ABPA, vai na mesma direção, por outro caminho. Acha que os geneticistas e os criadores precisam se preocupar mais e mais com o bem-estar animal porque essa é uma preocupação que se difunde pela sociedade.

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