Com prisão de Ghosn, França quer buscar novo presidente para Renault

Segundo a agência de notícias Reuters, o conselho da montadora francesa está dividido

Laurence Frost
Paris | Reuters

O governo francês está buscando candidatos para substituir Carlos Ghosn, diretor da Renault, após alguns membros do conselho da empresa começarem a expressar dúvidas quanto a mantê-lo no posto, segundo apuração da agência de notícias Reuters. 

Ghosn está preso em Tóquio, desde o dia 19 de novembro, por acusações de delitos de conduta. Ele foi acusado pelas autoridades japonesas por um esquema de remuneração postergada que ocultava US$ 43 milhões dos seus pagamentos.

Em comunicado divulgado na sexta-feira (14), Philippe Lagayette, presidente interino do conselho da montadora, disse que o grupo não havia debatido a substituição de Ghosn, em reunião realizada no dia anterior, e negou reportagens que falam em divisões entre seus integrantes.

Na reunião da quinta-feira (13), os conselheiros da Renault foram informados sobre a investigação conduzida pela Nissan, parceira da montadora francesa em uma aliança automotiva, que conduziu à detenção de Ghosn no Japão, um mês atrás.

A Nissan demitiu Ghosn da presidência de seu conselho três dias depois da detenção, mas a Renault resistiu às pressões. Desde que o escândalo eclodiu a aliança automotiva entre as duas empresas tem se desgastado.

O vice-presidente do conselho assumiu interinamente a presidência do conselho desde a prisão de Ghosn  e Thierry Bolloré, vice-presidente executivo da companhia, está no comando das operações.

Em uma declaração inicial divulgada pela Renault depois da reunião, o conselho apontou que, a esta altura, "não tem informações referentes à defesa de Carlos Ghosn".

Mas durante a reunião de cinco horas, diversos conselheiros, liderados por Cherie Blair, mulher do ex-premiê britânico Tony Blair, começaram a expressar impaciência com a situação, disseram duas pessoas próximas do debate.

"O que ela disse, na prática, foi que não podemos continuar nessa situação para sempre", disse uma fonte, sobre Blair. "Chegará o momento em que teremos de ir adiante e deixar essa situação para trás".

Lagayette "refuta os rumores que a imprensa divulgou sobre diferenças de opinião" entre os membros do conselho, afirmou a Renault em comunicado na sexta-feira.

Em declaração separada à Reuters, Blair disse que estava "triste por a confidencialidade da reunião do conselho ter sido violada, especialmente no que tange à sua descrição completamente imprecisa de minha contribuição".

Ela acrescentou que "posso confirmar que eu, e outros membros do conselho, fizemos diversas perguntas aos advogados da Renault sobre o seu conhecimento do sistema legal japonês, sua estimativa quanto à duração da detenção de Ghosn, e sua melhor estimativa sobre quando Ghosn estaria disponível para retomar suas funções".

Lista de candidatos

Funcionários do governo francês já começaram a preparar uma lista de possíveis substitutos para Ghosn como presidente-executivo, segundo a agência Reuters apurou.

Didier Leroy, executivo de primeiro escalão da Toyota, está entre os nomes cotados.

Um funcionário do Ministério das Finanças francês se recusou a comentar. O governo da França é o maior acionista da Renault, com uma participação de 15% e dois assentos no conselho, e costuma desempenhar papel importante no planejamento de sucessões.

"Não comentarei sobre especulações, e estou 100% concentrado em meu trabalho na Toyota", disse Leroy à Reuters.

A crise no conselho abalou a aliança entre Renault, Nissan e Mitsubishi, e o presidente-executivo da Nissan, Hiroko Saikawa, apelou por mudanças para enfraquecer o controle da parceira francesa sobre sua companhia.

A Renault detém 43,4% da Nissan, cuja participação recíproca de 15% na montadora francesa não porta direitos de voto. A Nissan, por sua vez, controla a Mitsubishi por meio de uma participação acionária de 34%.

A intervenção de Blair na reunião do conselho foi ecoada durante a reunião por dois outros conselheiros independentes e por representantes dos trabalhadores da Renault, disseram duas das fontes - e algumas dessas pessoas também expressaram reservas quanto à maneira pela qual o comando da companhia está lidando com a crise.

Advogados em oposição

Ainda que isso possa agravar as tensões, Bolloré instruiu a Nissan a que não tentasse fazer contato com conselheiros da Renault antes da reunião, noticiou a Reuters na terça-feira; a montadora japonesa queria divulgar as conclusões de sua investigação.

Conselheiros também entraram em confronto com os executivos da Renault sobre o seu direito de contratar advogados externos para assessorar o conselho, e sobre lhes dar acesso às conclusões da Nissan, disseram outras pessoas.

Advogados da empresa que trabalham sob o comando de Mouna Sepehri, que exerce dupla função como secretária do conselho da Renault e chefe de gabinete de Ghosn na presidência executiva da empresa, até agora vêm se recusando a mostrar o relatório aos conselheiros ou seus advogados, invocando o sigilo da investigação.

Lagayette minimizou as tensões.

"O conselho, ao contrário do que parte da imprensa afirma, congratulou os gestores da empresa" pela sua condução da situação, disse Lagayette. A reunião "não debateu a possível sucessão de Ghosn".

Pressionado pelo governo francês, Ghosn vinha estudando uma união mais profunda ou mesmo uma fusão completa entre os parceiros da aliança, apesar das fortes reservas da Nissan.

Quer represente violação da lei, quer não, o esquema de Ghosn para manter sua remuneração sob sigilo - o valor dos pagamentos a que ele tem direito sobre os cinco anos até 2015 é mais de duas vezes superior ao declarado - representa uma questão política delicada na França, onde o presidente Emmanuel Macron vem enfrentando protestos.

Os argumentos de defesa apresentados pelos advogados e partidários de Ghosn não negam que ele tenha recorrido a planos diferenciados de remuneração. Seu advogado no Japão, Motonari Otsuru, afirmou em comunicado à imprensa que os contratos de remuneração de seu cliente não haviam sido devidamente ratificados.

A Nissan informou que suas investigações quanto a denúncias recebidas sobre Ghosn também identificaram uso pessoal de fundos da empresa e outros desvios de conduta, detalhados em um relatório encaminhado aos advogados da Renault esta semana.

A Renault, que lançou uma auditoria sobre seus pagamentos a Ghosn depois da detenção dele, declarou na quinta-feira que sua "conclusão preliminar" era a de que a remuneração do executivo "cumpre as leis aplicáveis" e as normas governamentais.

Ghosn e um suposto cúmplice, Greg Kelly, conselheiro da Nissan, continuam presos e têm oportunidades limitadas de responder a acusações ou apresentar defesas, especialmente em público.

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