Lava Jato investiga suposto esquema de propina de empresas internacionais a Petrobras

Multinacionais Vitol, Trafigura e Glencore são suspeitas de pagar US$ 15,3 mi entre 2011 e 2014

Movimentação na sede da Polícia Federal, no Rio de Janeiro (RJ), durante a 57ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã desta quarta-feira (5)
Movimentação na sede da Polícia Federal, no Rio de Janeiro (RJ), durante a 57ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã desta quarta-feira (5) - Jose Lucena/Futura Press/Folhapress
Curitiba e São Paulo

A Polícia Federal deflagrou na manhã desta quarta-feira (5) nova fase da operação Lava Jato para investigar o suposto pagamento de propinas bilionárias a funcionários da Petrobras por vantagens na aquisição de derivados de petróleo e em negócios de locação de tanques de armazenagem. 

Entre as empresas investigadas, estão as multinacionais Vitol, Trafigura, Glencore, Chemoil, Chemium e  Oil Trade & Transport.

“São verdadeiros gigantes do mercado de trading e comercialização de commodities”, disse o delegado Filipe Pace.

O esquema teria movimentado pelo menos US$ 31 milhões em propina, entre 2009 e 2014, segundo o Ministério Público Federal.

Apenas três multinacionais (Vitol, Trafigura e Glencore) são suspeitas de pagar US$ 15,3 milhões, entre 2011 e 2014, em operações de compra e venda de petróleo e seus derivados e no aluguel de tanques para estocagem.

As companhias atuam no mercado de distribuição de combustíveis. A Glencore adquiriu, em junho deste ano, 78% das ações da brasileira Ale, quarta maior empresa do setor. Recentemente, a Vitol, de origem holandesa, também comprou um ativo no setor, a Rodoil.

Procurada, a Petrobras afirmou que colabora com as autoridades que conduzem a Operação Lava Jato e que "é reconhecida pelo próprio Ministério Público Federal e pelo Supremo Tribunal como vítima dos crimes desvendados". "É a maior interessada, portanto, em ver todos os fatos esclarecidos. A companhia seguirá adotando as medidas necessárias para obter a devida reparação dos danos que lhe foram causados", afirmou a estatal, em nota. 

Contatados pela Folha, funcionários da Vitol informaram que a empresa não se manifestaria. Procurada , a Glencore também disse que não vai se manifestar. A reportagem não conseguiu contato com a Trafigura. Também foram procuradas as empresas Chemoil, Chemium e Oil Trade & Transport por meio de seus escritórios fora do país, mas ainda não houve retorno. 

Foram executados 11 mandados de prisão preventiva, 27 de busca e apreensão, além de sequestros de imóveis e bloqueio de valores dos suspeitos.

Entre os presos, estão ex-funcionários da estatal, supostos intermediadores de pagamentos de propina, advogados e parentes que teriam ajudado a lavar o dinheiro. Há ainda um empregado da Petrobras que ainda atua na estatal, na sede em Houston (EUA). 

Além dos 11 presos, há outros investigados, que incluem membros de alta cúpula das companhias mencionadas. 

Entre eles estão diretores das companhias, como Antônio Maaraqui, diretor da Vitol nos Estados Unidos, e Thomas Claude Holzmann, diretor da Chemium International Corporation​ nos EUA, que teria conhecimento do suposto esquema.

Entenda o suposto esquema

A investigação identificou pagamentos de vantagens indevidas em contratos de asfalto, óleos combustíveis (usados em fornos e caldeiras), gasóleo de vácuo (usado na produção de gasolina e diesel) e bunker (combustível para motores de navio).

Segundo a Polícia Federal, o esquema criminoso operou até meados de 2014, mas existiria a possibilidade de continuar até os dias atuais,  já que as empresas investigadas continuam negociando com a Petrobras  normalmente.

Há também registros de que os representantes das companhias seguem visitando recorrentemente os prédios da estatal. 

As companhias investigadas atuam na compra e venda de petróleo e derivados. Tais negociações são celebradas com diversos agentes no mercado internacional de combustíveis, entre eles a Petrobras.

Segundo a investigação, essas companhias, através de um grupo intermediador, corrompiam funcionários da Petrobras encarregados destas negociações, para que a estatal vendesse o produto por um preço mais baixo que o justo, e comprasse a valores mais altos.

E-mails e trocas de mensagem, que incluem alguns dos principais executivos das companhias, estão entre as provas.

Em uma das conversas envolvendo diversos membros do grupo investigado, de setembro de 2011, a divisão de tarefas dos integrantes é detalhada.

"Cada um de nós tem um papel dentro do processo e todos são igualmente importantes para o jogo (...) Fico muito gratificado de ter fazer parte de uma equipe profissional, lutadora, composta de verdadeiros amigos que vem superando todos os desafios e se impondo na organização", afirma "Phil", supostamente o ex-funcionário da Petrobras Carlos Roberto Martins Barbosa. 

"Quando aceitei o convite pra esta missão, graças ao convite do Phill, imaginei que estava diante de uma grande oportunidade, mas nunca imaginaria que seria tão boa!", diz em outro e-mail "Robson Santos", supostamente o empregado da Petrobrás na sede em Houston, Rodrigo Berkowitz.

A diferença do preço obtido no contrato, por meio do pagamento das vantagens indevidas, era chamada internamente na estatal de “delta”, segundo o Ministério Público Federal.

Era assim que os funcionários corrompidos apelidavam a propina que recebiam. De acordo com os investigadores, eles chegavam a se referir ao esquema como “delta business”.

Os valores eram detalhados em planilhas obtidas pela investigação, que indicavam o “delta” em centavos por barril.

“São variações ínfimas de preço, mas um ou dois centavos fazem muita diferença”, disse Pace. Em alguns casos, o valor de propina chegava a US$ 1 por barril.

Há suspeita de que o esquema tenha sido replicado em outras subgerências da Petrobras, atuantes na área comercial da estatal. Dois dos servidores que foram alvos dos mandados ainda trabalham na empresa, e um deles continuava a negociar produtos com as multinacionais de maneiras não convencionais, por mensagens de texto, por exemplo.

“É apenas a ponta do iceberg; muito ainda será aprofundado e revelado”, disse o procurador Athayde Ribeiro Costa.

Os investigadores destacaram que a operação ataca a atividade fim da Petrobras, que é a compra e venda de produtos derivados do petróleo.

“A Petrobras comprava em valores mais caros do que o mercado, e vendia mais barato. Isso certamente gerou prejuízos à empresa”, afirmou Costa, que destacou que a estatal está colaborando com as investigações.

A operação desta quarta foi batizada de Sem Limites, “em referência à transnacionalidade dos crimes praticados (que ocorrem em diversos locais no país e no exterior), à ausência de limites legais para as operações comerciais realizadas e a busca desenfreada e permanente por ganhos de todos os envolvidos, resultado sempre na depredação do patrimônio público”, disse a PF em nota.

A reportagem entrou em contato com os advogados dos investigados, mas nenhum quis se manifestar sobre as suspeitas por ora. 
 

Estelita Hass Carazzai, Taís Hirata e Wálter Nunes

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