'Minha orientação é não fazer nomeação política', diz futuro ministro de Minas e Energia

Almirante diz que vai incentivar investimentos em energia nuclear e que privatização da Eletrobras precisa ser avaliada

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Brasília

Futuro ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, 60, vai demorar para responder às 1.500 mensagens de WhatsApp que lotaram seu telefone desde que foi nomeado, na semana passada.

Em entrevista à Folha, ele afirmou que passa a maior parte de seu tempo estudando os assuntos do ministério e que defenderá a privatização da Eletrobras caso esse seja o melhor modelo para a companhia e para o país.

Pretende diversificar a matriz energética nacional, restringindo projetos de grandes hidrelétricas, e estimular a produção da energia nuclear, concluindo Angra 3, e modificando a legislação que, hoje, amarra a exploração de urânio no país.

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Almirante Bento, da Marinha, indicado por Bolsonaro para o Ministério de MInas e Energia, durante entrevista em seu gabinete no CCBB, sede do governo de transição - Pedro Ladeira/Folhapress


 

O senhor estava cotado para assumir o Ministério da Defesa e terminou em Minas e Energia. Como se chegou ao seu nome?

O presidente Bolsonaro me convidou na quarta-feira à noite da semana passada. Até então eu não fazia a mínima ideia de que estaria compondo a equipe do presidente, muito menos o Ministério de Minas e Energia. Tivemos uma longa conversa, ele deu orientações, mas disse que só anunciaria depois que eu falasse com o comandante da Marinha, o atual e também o que virá a sucedê-lo.No dia seguinte, procurei os dois almirantes, falei da minha conversa com o presidente eleito.
 

O que eles disseram?

Ficaram satisfeitos e fizeram uma brincadeira. Pelo desafio que o presidente colocou para mim, disseram que mar grosso é que faz bom marinheiro (risos).

Que missão o senhor recebeu de Bolsonaro, afinal?

Quando ele me convidou, falou que tinha o perfil para estar à frente do ministério pelo meu currículo, mas por outro motivo também. Ele disse: “O senhor é uma pessoa que não pertence a nenhum grupo de interesse, a nenhuma corporação envolvida no setor de minas e energia; muito menos tem militância político-partidária”. Foi nesse contexto que ele fez a escolha para essa pasta. Acho que é um novo ciclo dentro daquilo que eu estava acostumado a ver na Esplanada.

Sua escolha, então, é para blindar o ministério e o próprio setor de casos como os que ocorreram em Angra 3?

Não sei se para blindar. Recebi uma missão dentro de um novo contexto. Não recebi nenhum pedido para que nomeasse A, B, C ou D. Tenho liberdade total para conduzir o ministério, e a gente sabe que anteriormente isso [indicações] fazia parte de um jogo político para [o governo] ter base.

A recomendação que recebi foi para que, primeiro, não houvesse nenhum tipo de nomeação por interesse de nenhum grupo, inclusive político. Mas, por outro lado, que eu tivesse preocupação em interagir com o Congresso. Mas não no sentido de troca. No sentido de que o Congresso seja aliado e participe das ações, principalmente dentro daquilo que compete a ele [legislar]. Queremos até inovar com o ministério assessorando o Congresso [na elaboração de leis].

O senhor foi escolhido há três dias. Já sabe quais serão as prioridades? 

Na segunda-feira (3), após o anúncio, vim para Brasília e tive contato com o ministro Onyx Lorenzoni, chefe da transição, e com Paulo Coutinho, coordenador da equipe de transição. Disse o que eu gostaria de saber o que desenvolveram [de estudos e trabalhos] do setor de mineração, óleo e gás e elétrico. Prepararam isso muito rapidamente e me apresentaram ontem [quarta] à noite. Então qualquer proposição que eu venha a fazer estou tirando um pouco daquilo que estou querendo transmitir ao tomar posse, que é credibilidade, previsibilidade e governança do setor. Minha prioridade é a governança do ministério. Ele é enorme, cada vez que olho o organograma, fico mais impressionado. Mas isso não assusta.

Eu tinha relação muito próxima com o setor nuclear, tendo em vista que tocava os dois programas principais da Marinha e dois dos programas estratégicos do Ministério da Defesa —o programa nuclear e o desenvolvimento de submarinos [nucleares].

O senhor defende continuar Angra 3? Primeiro, se resolveu o problema do preço desse tipo energia [nuclear] para tornar o investimento viável. Antes, não justificava o investimento. Isso mudou há cerca de duas, três semanas. Esse ponto da equação está resolvido. Agora, e o investimento?

 

Dizem que seria preciso mais R$ 15 bilhões, e já gastamos R$ 16 bilhões. Vale a pena? Eu acho que vale muito a pena. Agora, o país tem recursos para isso? Qual parceria seria melhor para isso?

Vão abrir para a iniciativa privada?

Sei que a Eletronuclear está trabalhando nisso e vamos atuar de forma integrada com a equipe econômica e outros atores do governo nisso. Virão sócios privados. Pelo que sei, até 49% [do capital] seria possível.Vai depender do modelo, o tipo de negociação dessa energia [produzida na usina], o prazo, para que o investimento possa dar retorno. Porque você não pode investir em um negócio que, no final, não tiver retorno ou ele chegar muito alongado. Senão, melhor investir em outra coisa.

Vocês irão então diversificar a matriz energética?

Temos de diversificar nossa matriz energética, não podemos pensar em energia para os próximos quatro anos. Temos de pensar para os próximos 50 anos. Alguns desafios temos de vencer agora. Porque, se o país crescer 3% daqui até 2022, que é o período desse governo, em 2023, independentemente de quem venha a ser governo, pode se inviabilizar.


O que é diversificar, na sua avaliação?

Determinadas matrizes estão atingindo o limite. As grandes hidrelétricas, por exemplo. Economicamente, geram energia barata. O investimento em Itaipu já se pagou, e agora é só lucro, em tese. Tudo que investi agora o dinheiro volta porque a manutenção é barata. Mas o modelo de grandes hidrelétricas já não é mais viável, seja por questões ambientais ou pelo próprio esgotamento dos recursos hídricos. Então, diversificar é ver o papel da eólica, que já ocupa um espaço que não tinha há dez anos. E vamos contar com a pasta de Ciência e Tecnologia para fazer inovações, como os medidores inteligentes, a possibilidade de gerar quem gerar energia inserir no sistema para baixar ao máximo o preço da energia.
 

O senhor vai avançar com a capitalização da Eletrobras?

Tive uma primeira conversa com Wilson Ferreira Jr, atual presidente da Eletrobras. Ficamos de retornar a conversa. Já combinei com o ministro Moreira Franco [Minas e Energia] que vou começar a me dedicar a isso na próxima semana.  A Eletrobras é uma das maiores companhias do mundo. Tem de considerar tudo isso na hora de pensar em privatização.O que a gente quer, na realidade, é ter energia para que o investidor tenha confiança de que vai poder investir em alguns setores. E energia é fundamental para o custo do produto que ele vai oferecer ou produzir. Se a gente não der uma sinalização, seja com uma estatal ou não, será muito ruim.


Existe algum preconceito em relação a privatizações nesse setor?

Preciso conhecer melhor a empresa, mas não tenho ideia preconcebida de nada.


Mas não é contra?

Não. Será o que for melhor. As telecomunicações, por exemplo, são estratégicas e há duas décadas foram privatizadas. Somos um país continental e temos um serviço com tecnologia bem próxima do que existe em qualquer lugar mais desenvolvido do mundo. Agora, não é só privatizar. Tem de ter determinado controle. Comunicação é estratégico, mas isso não significa que todas as empresas precisam ser estatais.

O Estado tem de ter segurança de que tem o controle [da prestação do serviço] e ele regula. Para mim, isso é fundamental. E isso, por analogia, vale tanto para o setor elétrico, óleo e gás, quanto para a mineração. Não adianta, por exemplo, ter urânio e não tirar um grão desse minério para processar.
 

O senhor irá estimular essa exploração?

Ah, vamos. Só três países têm grande quantidade de urânio e dominam a tecnologia nuclear, Rússia, EUA e Brasil. Para mim, é um paradoxo dominar a tecnologia, ter grandes reservas e não exportar combustível, que tem alto valor agregado. Estamos aqui para dar uma contribuição, porque o próprio ordenamento jurídico impede isso.


Poderia explicar melhor esse impedimento?

O urânio é monopólio da União. A Indústrias Nucleares do Brasil é uma empresa dependente. Ela explora com tecnologia desenvolvida pela Marinha, vende o combustível para Angra e não consegue investir porque tudo que ela vende vai para o Tesouro.Acho que é uma coisa que o Estado tem de resolver.


A empresa vai ganhar uma emancipação, então?

Claro. Que a receita seja dela. Ou outras alternativas. Por que a IMB é responsável pela mineração e pela produção de combustível? Será que precisa ficar com os dois? Estou falando mais do meu passado, ainda não como ministro, mas essa é uma coisa que afeta [o setor] porque dentro da minha pasta estão as usinas de Angra 1, 2 e 3, que espero que saia.


Tem alguma posição sobre revisão do marco regulatório do pré-sal?

Ainda não deu tempo de discutir esse assunto.

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