Novo governo é oportunidade para Brasil mudar posição no mundo, diz chefe da OMC

Para Roberto Azevêdo, escalada de medidas restritivas ao comércio representa ameaça real

Júlia Zaremba
Washington

A mudança de governo criará uma oportunidade para que a posição do Brasil no mundo seja repensada, e alguns países já demonstram otimismo quanto à possibilidade de uma maior abertura do país para o comércio internacional.

É o que afirma Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), que esteve em Washington nesta semana para se reunir com autoridades americanas e receber o prêmio de personalidade do ano do NFTC (National Foreign Trade Council).

Em entrevista concedida à Folha por email durante a viagem, Azevêdo afirma que enxerga muitas oportunidades para o país, como a negociação de acordos comerciais com novos parceiros, e que a nova administração deve buscá-las de forma pragmática.

Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio)
Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) - Eric Piermont/AFP

"Esse caminho bilateral ou regional complementa bem o que se faz na OMC. Aliás, é o que todos os países fazem", afirma. "Mas tudo isso passa por uma incessante busca da competitividade no plano externo." 

O diretor disse que espera ter a chance de se encontrar com o futuro presidente, Jair Bolsonaro, em breve. "Mais do que falar, gostaria de ouvir, de conhecer melhor os interesses e as preocupações do novo governo nos temas que nos tocam", diz. "E, naturalmente, procurarei identificar como a OMC pode ajudar o novo governo a alcançar seus objetivos, sobretudo na área econômico-comercial." 

Em meio à ascensão de governos nacionalistas pelo mundo e do enfraquecimento do sistema multilateral de comércio, a OMC torna-se ainda mais necessária para evitar que a "lei da selva" entre em vigor, segundo o diretor da organização. 

Um levantamento divulgado pela organização em novembro mostrou que países do G20, grupo das maiores economias do mundo, aplicaram 40 novas medidas restritivas ao comércio entre maio e outubro, que chegaram a atingir US$ 481 bilhões (R$ 1,82 trilhão), maior volume desde 2012. 

Para Azevêdo, a escalada dessas medidas representa uma ameaça real. "Se continuarmos nessa linha, os riscos econômicos aumentarão, com efeitos para o crescimento, empregos e preços ao consumidor no mundo todo", diz. 

Durante o seu discurso na cerimônia de premiação do NFTC, realizada na noite desta quarta (5) no Andrew W. Mellon Auditorium, uma das casas de eventos mais tradicionais da capital federal, Azevêdo mandou um recado de forma tácita a Donald Trump. 

Afirmou que "o comércio está profundamente inscrito no DNA do país" e que os Estados Unidos sempre estiveram entre as principais nações comerciais do mundo: "E eu não tenho dúvidas de que permanecerá sendo." 

Também disse que as trocas entre os países não são as responsáveis pelas perdas de emprego, mas sim o avanço das tecnologias, e que "ninguém será ajudado com o sufocamento do comércio, mas fazendo o oposto". 

O presidente americano, Trump, insiste no discurso de que os estrangeiros estão "roubando" os empregos dos americanos --por meio de acordos comerciais que seriam nocivos ao país, por exemplo. 

Azevêdo vê a trégua na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, acordada durante o fim de semana na cúpula do G20, como um sinal positivo. Mas, apesar de considerar o diálogo bilateral fundamental, diz que "uma solução de longo prazo passa por um diálogo com mais países e uma discussão mais ampla sobre as regras para o comércio global." 

A reforma da OMC é uma das condições para a solução para os dilemas nas relações internacionais de comércio, como apontou o documento final da reunião das maiores economias do mundo. 

Segundo o diretor-geral, que defende a modernização do sistema, muitas ideias foram apresentadas nos últimos meses por membros da organização para melhorar o seu funcionamento. Formas de dar mais transparência às medidas comerciais dos países e de agilizar a negociação de novas regras foram algumas delas. 

Também estão na lista propostas para resolver o bloqueio nas nomeações para o Órgão de Apelação da OMC, patrocinado por Trump. O impasse é classificado como "extremamente preocupante" por Azevêdo. 

O supremo tribunal do comércio mundial está operando com apenas três juízes de um total de sete, o mínimo que precisa para funcionar. "Os Estados Unidos apresentaram suas preocupações, mas neste momento não há um entendimento entre os membros a respeito de como lidar com elas', diz. "De qualquer forma, é preciso haver uma mudança drástica no ritmo dessas conversas para evitar a paralisia do sistema." 

As discussões sobre a reforma da OMC ainda estão no início. Um dos maiores desafios para levá-la adiante é conseguir engajar os 164 membros da organização, com realidades distintas, no nível político, diz Azevedo. "O importante é avançar de maneira pragmática", afirma. "Não se trata de lançar uma nova rodada de negociações, mas sim de buscar mudanças práticas." 

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