Polos atacadistas de roupas criam sites para sacoleiros digitais

Lojistas usam internet para reduzir custos de clientes com longas viagens; vendas crescem na web

Filipe Oliveira
São Paulo

Morador de Belém, Edinaldo Nazareno, 43, gastou R$ 690 do que recebeu ao ser demitido de seu último emprego, em maio, para comprar 30 peças de lingerie do Brás, em São Paulo. Fez sucesso e, cinco meses depois, inaugurou a loja Toque Íntimo com sua mulher, Deise.

A encomenda foi feita pela internet, o que permitiu começar o negócio com investimento baixo, sem custos de viagem e hospedagem enfrentados por quem trabalha como sacoleiro, buscando mercadoria em polos de venda de moda por atacado.

Nazareno conta que, pelo site Atacado.com, que reúne ofertas de 50 atacadistas, encontra peças diferentes das que conseguiria viajando pelo Norte e Nordeste do país.

 

“Meus preços ficam muito atrativos. Consigo comprar peças por R$ 9, revendo a R$ 35, abaixo do praticado pelos concorrentes”, afirma.

Esses novos sacoleiros digitais surgem ao mesmo tempo em que os polos de confecção enfrentam a perda de movimento causada pela crise dos últimos anos, que impede que muitos revendedores mantenham a frequência de viagens para regiões como Brás e Bom Retiro, em São Paulo.

 

“O comércio eletrônico foi a forma que encontramos para fortalecer o comércio local”, diz Viviane Marrense, uma das criadoras do site Giro no Brás, idealizado há dois anos e no qual se compram itens de 48 lojistas do bairro.

Assim como o Giro no Brás e o Atacado.com, existem ao menos outros quatro marketplaces (shoppings virtuais que expõem produtos de várias empresas) que querem reunir ofertas de atacadistas em um lugar só (Atacado.moda, Klimb, Feirinha da Madrugada SP e Vende Moda).

O novo canal ajuda as empresas dos polos de moda a encontrar novos públicos.

Segundo Andre Niero, cofundador do Atacado.com, a maioria dos compradores de seu site é formada por pessoas que perderam emprego na crise e usam a plataforma para começar a comprar itens para revender de porta em porta.

Foi justamente o encerramento do escritório da empresa onde trabalhava como coordenadora de marketing que fez Rafaela Camiola, 35, moradora de Mauá (SP), passar a trabalhar com moda.

No início do negócio, ela comprava roupas para esporte e academia de atacadistas do Rio de Janeiro para vender de porta em porta e pela internet. Aos poucos, diversificou tipos de peças e encontrou fornecedores em cidades de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Em julho, montou a loja Espaço Sempre Linda com a amiga Vanessa Cassiano, na cidade em que vivem.

Raramente visita o fornecedor. “A gente evita ao máximo. Qualquer saída para comprar faz perder o dia, tem custos altos. Em vez disso, pegamos uma hora livre no computador e fazemos o pedido”, diz.

Mesmo gostando de visitar o Brás, a enfermeira Galba Chagas, 36, do Rio de Janeiro, também acabou aderindo às compras online.

Ela tinha o hábito de viajar de carro com o marido para buscar mercadoria para revender, mas, como seu trabalho exige fazer plantões de fim de semana, a compra online é mais conveniente.
“Na internet pode até ser um pouco mais caro, mas é vantajoso”, diz.

Jane Vasconcelos, 44, mora em Petrolina (PE) e está no comércio de roupas há 19 anos. Diz que trocou a compra via representantes comerciais pela internet para poder escolher com mais calma.
“O representante termina influenciando, e a gente compra o que não quer”, diz.

Pioneiro já concentra maioria das vendas pela internet

Nivaldo Birô, 69, proprietário da rede atacadista de seis lojas que leva seu sobrenome, vende na internet há quase 20 anos por insistência de seu filho, que apostava que o preço das passagens de ônibus e da hospedagem faria os revendedores optarem pela compra online.

“Eu sempre ia contra. Não adiantava ser pioneiro, só a gente fazer, se o cliente prefere comprar na loja física.”

Segundo ele, a iniciativa só começou a dar algum resultado há seis anos.

Agora a situação se inverteu: cerca de 60% das vendas já são pelo canal digital, e a empresa faz sua publicidade a partir de redes sociais, WhatsApp e em ações com youtubers.

“O cliente que vinha há cada 15 dias agora está vindo a cada três meses e está antenado com as mídias sociais”, diz.

Nelson Tranquez Junior, presidente da CDL (Confederação de Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro, diz que a internet permite diminuir o tempo entre as compras dos clientes, o que é importante em época em que eles estão indo menos para a região.

Segundo ele, as principais ferramentas usadas são o WhatsApp e o Instagram, para divulgação.

A própria entidade tem uma página na rede social para fazer publicidade. Ele diz que cada associado tem direito a duas postagens por semana e elas costumam ter 5.000 visualizações.

Porém, apenas uma minoria tem uma plataforma mais profissional para fechar as vendas, na avaliação de Tranquez Junior.

Ele diz acreditar que o ganho de importância do digital não acabará com o papel das lojas.

“Os revendedores que já conhecem os produtos podem vir um pouco menos e comprar mais na internet, mas a loja é importante para atrair quem busca fornecedores novos, quer encontrar produtos diferentes”, diz.

Para Antonio Almeida, superintendente da Brascol, atacadista de roupas infantis no Brás, os clientes que compram pela internet, na maioria das vezes, não deixam de frequentar a loja, mas suas visitas ficam mais espaçadas.

“Ele faz as maiores compras aqui e usa a internet para a reposição de alguns produtos quando precisa. Isso gera um acréscimo de vendas bem interessante”, diz.

Segundo Almeida, 40% dos clientes da loja também compram de seu site. O canal é responsável por 3% do faturamento da Brascol.

No último mês, a empresa criou um modelo novo de loja para estimular o uso de seu site.

Em vez dos mais de 1.000 m² dos outros endereços da empresa, o espaço aberto no mês passado tem apenas 50 m².

Os itens expostos ali não são entregues na hora, é preciso fechar a compra pela internet —eles podem ser recebidos no ônibus em que o sacoleiro voltará para sua cidade. “Usamos o espaço para ensinar o cliente a comprar online”, diz Almeida.

Fauze Yunes, presidente da Alobrás (associação de lojistas do Brás), diz ver desafios para o crescimento das vendas de atacado na internet.

Segundo ele, clientes que têm o hábito de ir à loja se incomodam quando o atacadista coloca o mesmo preço que pratica no local em seu site. “Eles veem uma concorrência desleal”, afirma o presidente da associação.


Sites de atacado que reúnem fabricantes têm regras diferentes para compras

Atacado.com

  • Site paulistano que reúne fabricantes de todo o Brasil
  • 50 empresas cadastradas
  • Como funciona: cliente do site paga mensalidade de R$ 29 e o pedido mínimo é de R$ 200. O site junta os produtos e envia

Atacado.Moda

  • Sediada em Caruaru, reúne fabricantes do polo de Pernambuco
  • 15 empresas cadastradas
  • Como funciona: cada atacadista é responsável pelas entregas e define pedido mínimo, em geral de R$ 300

Giro no Brás

  • Vende itens de atacadistas do Brás, em São Paulo
  • 50  empresas cadastradas
  • Como funciona: Permite compras no varejo e atacado, oferecendo descontos para volumes maiores. O atacadista é responsável por enviar as peças

Klimb

  • Site de Porto Alegre que reúne fabricantes de todo o Brasil
  • 15 empresas cadastradas
  • Como funciona: cada fabricante define sua política comercial, agrupando clientes em grupos com nível de desconto diferente

Vende Moda

  • O que: Shopping de atacadistas criado em Caruaru, busca fabricantes em todo o Brasil
  • Empresas cadastradas: 25
  • Como funciona: Inspirado no WhatsApp, privilegia a conversa entre atacadista e revendedor para permitir negociação. Cada fabricante define preço e pedido mínimo
     

Feira da Madrugada SP

  • O que: Reúne produtos de lojistas da região do Brás
  • Empresas cadastradas: cerca de 40
  • Como funciona: Semelhante a uma loja virtual tradicional, o site é responsável pelo cadastro de produtos, armazenamento e envio. O pedido deve ser de, no mínimo, seis itens e há desconto em frete e preços para pedidos maiores.
     
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