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Privatização marca esgotamento da era do clientelismo

Setor de energia foi a base para o financiamento da perpetuação de um projeto de poder

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Paulo Pedrosa

A privatização da Ceal (Companhia Energética de Alagoas) encerra o ciclo de venda das seis distribuidoras da Eletrobras. Mais suportada pelo pragmatismo do que pela ideologia, ela marca o esgotamento de uma era e ilustra uma gigantesca e inevitável transformação do país.

O setor de energia foi costumeiramente usado como um instrumento opaco de transferência de renda. Por meio de dezenas de mecanismos, serviu a interesses opostos aos da sociedade, promovendo privilégios com subsídios, reservas de mercado e proteção de ineficiências, sempre pagos por contribuintes e consumidores. 

Refém de alianças políticas e econômicas grandiosas, que influíram no marco legal do setor com objetivos clientelistas, o setor foi a base para o financiamento da perpetuação de um projeto de poder, fazendo da energia elétrica brasileira uma das mais caras e de maior carga tributária do mundo.

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Representantes do BNDES, da Equatorial e o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, no leilão da Ceal  - Zanone Fraissat/Folhapress

As distribuidoras federalizadas foram ao longo de 20 anos sendo incorporadas à Eletrobras e produziram prejuízos acumulados de mais de duas dezenas de bilhões de reais, prestaram serviço de qualidade baixa e permitiram o aumento descontrolado do furto de energia. 

Investiram muito aquém do necessário e limitaram o desenvolvimento de suas regiões. Mesmo programas públicos subsidiados, como o Luz Para Todos, foram conduzidos de forma ineficiente. Fizeram as tarifas de todos aumentarem, por demandarem recursos de subsídios e por contaminarem as referências da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para definir as tarifas.

Enquanto isso a gestão dessas empresas não era orientada ao serviço, aos consumidores e aos acionistas, mas a interesses locais e corporativistas que destruíram o valor das companhias, da Eletrobras e do patrimônio público.

Mas o avanço geral se impôs, e as vacinas que o país vem desenvolvendo atuaram para reverter o processo. 

De um lado, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos impediram que o problema fosse perpetuado com aportes públicos. De outro o poder dos investidores minoritários da Eletrobras, as regras de governança e a qualidade dos administradores fizeram que a empresa não aceitasse mais conviver com prejuízos da ordem de R$ 4 bilhões anuais, preferindo assumir e estancar suas perdas. 

Com destaque para os Ministérios de Minas e Energia, Fazenda e Planejamento, o conjunto de instituições do país atuou em movimentos que levaram ao desdobramento atual com destaque para a Aneel, CVM (Comissão de Valores Mobiliários), PPI (Programa de Participações de Investimentos) e TCU (Tribunal de Contas da União), mas sem desprezar o papel da imprensa e de outras instituições que, em paralelo, atuavam para enfraquecer e desarticular segmentos que se oporiam às mudanças.

O modelo adotado permitiu a venda por licitação do controle acionário das empresas pela Eletrobras associada à outorga pela União de uma nova concessão de distribuição, por 30 anos, cumprindo o comando da Constituição. 

Essa solução foi detalhada para atender aos consumidores locais, com a oferta vencedora sendo a de maior deságio na tarifa. 

A medida provisória que suportou esse modelo, melhor do que qualquer outra, refletiu o conflito entre o velho e o novo. Dezenas de emendas que perpetuavam e promoviam privilégios foram derrubadas na tramitação, e ela mereceu 17 vetos presidenciais.

Mas a privatização não é só uma vitória da Eletrobras e dos consumidores. Também representa avanço no ambiente de investimento no país e, em especial, de nosso ecossistema político, com a redução de instrumentos que desequilibravam seu jogo.

O próximo passo em favor da sociedade é a desestatização da Eletrobras. Apesar dos excelentes resultados de sua gestão recente, a empresa, com as amarras estatais, não é capaz de sustentar custos menores do que as receitas nos segmentos regulados e não é competitiva na expansão da geração e da transmissão. Além disso, seu acionista controlador não tem capital para aportar para novos investimentos.

O novo ambiente institucional do país se imporá, as pautas corporativistas, clientelistas e de atraso serão inviáveis, e tornarão cada vez mais arriscados os movimentos para retomar o poder na Eletrobras. Esse cenário nos dá confiança no futuro do setor elétrico. Nos faz acreditar e nos dá confiança no futuro do país.

Paulo Pedrosa foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia entre 2016 e 2018
 

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