Avaliação é que divergências no governo Bolsonaro levam ruído à economia

Informações contraditórias sinalizam falta de alinhamento entre equipe econômica e Planalto

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São Paulo

Ao sugerir um aumento de imposto para compensar gastos, o governo perdeu a chance de mandar uma mensagem correta sobre a situação fiscal do país, além de ter levantado dúvidas sobre quem é a verdadeira voz de comando na economia —tudo isso em menos de 24 horas. 

"Responder a um ato irresponsável do Congresso Nacional com mais imposto não me parece razoável", diz o ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências, Gustavo Loyola. 

Por volta do meio-dia de sexta-feira (4), o presidente Jair Bolsonaro confirmou a informação dada pela Folha de que tinha assinado um decreto para elevar a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para compensar incentivos fiscais ao Norte e Nordeste. 

Horas depois, o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, negou a ação e, no fim da tarde de sexta-feira (4) o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, colocou fim no assunto ao dizer que o presidente "se equivocou".

Para Loyola, o governo tinha todas as condições de renegociar com um Congresso renovado o fim do benefício regional e não o fez, o que pode ser interpretado como um sinal dúbio num momento em que a equipe se prepara para negociar a reforma da Previdência. "Fica a ideia de que o governo tem dinheiro", diz ele. 

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Presidente Jair Bolsonaro fala com jornalistas durante solenidade de passagem do comando da Aeronáutica - Marcos Corrêa/PR

O ex-presidente do BC diz também que não vê sentido em elevar a alíquota do IOF em meio aos esforços para reduzir o spread bancário (diferença entre o que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram nos empréstimos). 

"Me parece meio maluco. Aumentar impostos vai contra o discurso do governo de que o país tem uma carga tributária alta." 

A economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute, em Washington, diz que as idas e vindas do governo levantam dúvidas sobre quem de fato fala pela área econômica. 

Bolle diz que o governo deveria se organizar em torno de uma só voz, sob risco de não conseguir tirar nada do papel. "A dinâmica de várias pessoas falando coisas aparentemente divergentes não é boa para acelerar as reformas", diz.

A avaliação é que os ruídos até eram esperados, dada a inexperiência da equipe, mas o governo ainda parece estar no "modo campanha". "Ou dão carta branca ao Paulo Guedes ou as expectativas do mercado vão se mostrar equivocadas", diz Bolle 

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que não faria muito sentido que uma das primeiras medidas do novo governo fosse aumentar impostos —algo que Bolsonaro disse tanto que não faria. 

"Seria melhor ter pensado em outras alternativas, como diminuir outras renúncias fiscais", diz o economista. 

Para Vale, o mais preocupante é o "bate-cabeça" da equipe, algo que identifica também nos discursos sobre a proposta de reforma da Previdência.

"O presidente tem falado coisas que não deveriam estar na proposta final e, em apenas três dias, houve muita divergência. Acho preocupante o que pode acontecer nas conversas para a Previdência", diz Vale.
Durante entrevista a uma emissora de TV na quinta-feira (3), Bolsonaro defendeu idades mínimas de 62 e 57 anos para aposentadoria.

Um economista que já passou pelo ministério do Fazenda avalia que, no caso da Previdência, parte dos problemas reflete uma diferença de agenda entre o presidente e a equipe econômica. 

Mônica de Bolle diz ser curioso que, enquanto Paulo Guedes enfatizou durante o seu primeiro discurso a necessidade de mudanças de um sistema de aposentadorias que é, sobretudo, desigual, Bolsonaro repete mais ou menos o que tinha dito durante a campanha.

"Afinal, o ministro Paulo Guedes tem ou não autonomia?", questiona.

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