Bolsonaro vai encontrar uma Davos mais pessimista

Quase um terço os executivos temem declínio na economia

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São Paulo

A apresentação do presidente Jair Bolsonaro ao grande mundo dos negócios, esta semana em Davos, ocorre em um momento pouco feliz: a porcentagem dos executivos das grandes corporações globais que se diz pessimista sobre a evolução da economia mundial neste 2019 é seis vezes o número de pesquisa semelhante identificara em 2018.

É o que mostra levantamento com 1.138 executivos (CEOs ou executivos chefes, no jargão corporativo) de 91 países que a consultora PricewaterhouseCoopers faz há 22 anos consecutivos. Foi apresentada nesta segunda-feira (21), véspera da inauguração do encontro anual 2019 do Fórum Econômico Mundial, repetindo a tradição. Serve, portanto, como uma tomada do pulso dos chefes de corporações, que são a grande clientela de Davos.

O relatório da Pwc mostra que houve um “salto recorde” no pessimismo, com 29% dos executivos projetando um declínio no crescimento da economia global, seis vezes os 5% que estavam pessimistas em relação a 2018.

É natural que tenha caído mais ou menos na mesma proporção a porcentagem de otimistas: de 57% em 2018 para 42% agora. O restante acha que a economia manterá passo igual ao atual.

O lógico, em um ambiente de relativo pessimismo, é que o empresariado jogue na retranca e segure investimentos, o que é obviamente ruim para o Brasil.

Não basta como compensação o fato de que os executivos brasileiros ouvidos pela PwC sejam algo mais otimistas no item relativo ao desempenho de suas próprias empresas e não a respeito da economia global: 43% dos CEOs do Brasil acreditam que suas empresas devem crescer ao longo de 2019.

Na pesquisa anterior, que considerava o sentimento para 2018, esse índice era de 39% (houve um aumento de 4 pontos percentuais, portanto).Na média global, apenas 35% dos executivos esperam crescimento no faturamento de suas companhias pelos próximos 12 meses.

O otimismo relativamente maior dos brasileiros não basta porque a economia brasileira necessita de investimentos externos, que, por sua vez, são baseados na situação econômica global. É o que deixou claro, para o Financial Times, Tony Volpon, economista-chefe do grupo UBS em São Paulo: ele diz que os investidores locais estão encantados com Paulo Guedes, o liberal ministro da Economia, por entenderem que ele levará Bolsonaro para a direção certa.

Mas, acrescentou, “para os investidores globais tais considerações domésticas são de segunda ordem. Eles estão preocupados com a economia global".Preocupação que aparece nitidamente na resposta à pergunta (tradicional nas pesquisas da PwC) sobre quais os três mercados, fora os dos próprios países em que operam, que os executivos consideram mais importantes para o crescimento de suas companhias.

Presidente da República, Jair Bolsonaro, embarca com o filho Eduardo para Davos, Suiça
Presidente da República, Jair Bolsonaro, embarca com o filho Eduardo para Davos, Suiça - Alan Santos/PR/Divulgação

Intrometeram-se, nas respostas, duas negativas que demonstram a insegurança do empresariado global: 15% não souberam responder, o dobro praticamente dos 8% apurados em 2018; e 8% cravaram “nenhum” (contra apenas 1% no ano passado).O Brasil tem aparecido sistematicamente entre os 10 mercados atraentes. Este ano, surge de novo, com 6%, um ponto abaixo do que obtivera em 2018. Atrás de Estados Unidos (27%), China (24%), Alemanha (13%), Índia (8%), Reino Unido (8%), além dos dois “não sabe"/"nenhum".

Chama a atenção a enorme queda na atratividade das grandes economias: os EUA são agora importantes para 27%, quando o eram para 46% no ano passado; a China recua de 33% para 24%; a Alemanha cai de 20% para 13%; o Reino Unido vai de 15% para 8%, neste caso muito provavelmente por causa do “brexit".Há um item da pesquisa que ajuda a entender a queda na avaliação pelo menos de EUA e China: 31% dos consultados mencionam “conflitos comerciais” como uma das 10 maiores ameaças à economia, ocupando este ano o 4.o lugar, quando, em 2018, nem aparecia entre as 10 mais.

A pesquisa não mede qualquer tipo de sentimento específico em relação a Jair Bolsonaro e a seu governo, pela simples razão de que foi iniciada em setembro (antes da eleição) e finalizada em outubro (o segundo turno deu-se apenas no dia 28 deste mês, sem tempo portanto para que se captasse o sentimento em relação ao resultado).

De todo modo, a pesquisa permite interpretar que haverá dois tipos de acolhida a Bolsonaro em Davos: desconfiança em relação ao populismo, com que é rotulado sistematicamente pela mídia internacional (de grande audiência entre os CEOs que vão a Davos), mas simpatia pelo liberalismo de seu ministro Paulo Guedes.

Quando perguntados sobre as 10 maiores ameaças, 28% dos executivos responderam “populismo”, que ocupa o oitavo lugar entre os riscos. A pesquisa não define de que populismo se está falando, mas o relatório da PwC diz que “os CEOs estão se adaptando ao forte sentimento nacionalista e populista que se estende no planeta".

É sintomático que, na América Latina, território de predominância secular de diferentes tipos de populismo, esse risco aparece como o maior, apontado por 60% dos executivos da região.

Como compensação para esse suposto (ou real) risco, no global da pesquisa, os executivos mostram preocupação maior com um item que é permanente na lista de ameaças para eles: 35% põem “regulamentação excessiva” no primeiro lugar. Rótulo que pode ser lido como excesso de intervenção do governo na economia —exatamente o que Paulo Guedes promete limar e o que pretende dizer ao público de Davos.

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