Descrição de chapéu The New York Times

Por que o divórcio de Bezos deveria preocupar os investidores na Amazon?

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James B. Stewart
Nova York | The New York Times

Jeff Bezos e sua mulher, MacKenzie, podem ser o primeiro casal bilionário dono de uma imensa participação em uma empresa gigantesca de tecnologia a anunciar o divórcio.

Não serão o último.

O anúncio de que os Bezos se divorciariam depois de 25 anos de casamento surgiu de surpresa na semana passada, e instantaneamente gerou questões sobre os 16% de participação que eles detêm na Amazon, avaliados em US$ 140 bilhões. Como fundador, presidente-executivo e do conselho, e maior investidor na companhia, Jeff Bezos exerce controle quase integral sobre a empresa que criou.

A grande questão é: e agora? MacKenzie Bezos venderá sua parte na vasta participação que a família detém na Amazon? Vai buscar um assento no conselho da empresa? Pressionará por grandes mudanças de estratégia ou gestão?

O divórcio dos Bezos pode ter consequências para investidores em outras empresas cujos fundadores se tornaram bilionários —Google, Facebook, Groupon e Snap, para citar apenas alguns exemplos. Ao contrário de Jeff Bezos, que detém ações da Amazon com direitos de voto comuns, os empreendedores que criaram as companhias de tecnologia citadas exercem controle sobre elas por meio de ações de classe especial, que lhes conferem poderes adicionais.

Para expressar o problema de maneira mais específica: o que aconteceria se Mark Zuckerberg e sua mulher decidissem se divorciar?

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O fundador da Amazon, Jeff Bezos, e a ex-mulher, MacKenzie Bezos - AFP

Não estou querendo indicar, com isso, que haja qualquer problema no relacionamento entre Zuckerberg e Priscilla Chan, ou nos casamentos dos acionistas que controlam outras das maiores empresas de tecnologia.

Mas é inevitável que aconteçam mais separações como a dos Bezos —afinal, o índice de divórcios na Califórnia é de cerca de 60%, e muitos dos fundadores das empresas de maior sucesso no Vale do Silício estão chegando só agora à proverbial crise da meia-idade.

O fenômeno de empresas de tecnologia controladas por seus fundadores é relativamente recente. O Google ditou a tendência ao abrir seu capital em 2004 lançando duas classes de ações, que garantiam a posição de Sergey Brin e Larry Page como acionistas controladores. Nos 15 anos que se seguiram, cerca de dois terços das ofertas públicas iniciais que contaram com o apoio de fundos de capital para empreendimentos envolveram ações com poderes especiais, de acordo com a Dealogic.

O destino dessas fatias controladoras, em caso de divórcio, é ou deveria ser assunto de forte interesse para os investidores.

David Larcker, diretor da Iniciativa de Pesquisa sobre Governança Empresarial, na escola de administração de empresas da Universidade Stanford, e coautor de "Separation Anxiety: The Impact of CEO Divorce on Shareholders" [ansiedade de separação: o impacto de divórcios de presidentes de empresas sobre os acionistas], disse que sua pesquisa apontava que "os acionistas deveriam prestar atenção a questões relacionadas à vida pessoal dos presidentes-executivos das empresas, e levar essas informações em conta ao tomar decisões de investimento".

A lei não requer explicitamente que os acionistas controladores façam acordos pré-nupciais ou recorram a outros instrumentos que possam afetar a distribuição de suas posições em empresas em caso de divórcio. Mas alguns especialistas dizem que favoreceriam que isso fosse um requisito.

"É completamente relevante, e como resultado informações quanto a isso deveriam ser divulgadas", disse John Coffee Jr., diretor do Centro de Governança Empresarial da Universidade Columbia. Em teoria, ele disse, qualquer cláusula que reassegure os investidores poderia resultar em preço mais alto para as ações. "Não há questão de que isso serve ao interesse dos acionistas", ele afirmou.

Charles Elson, professor e diretor do centro de governança empresarial da Universidade do Delaware, também apoia que acordos pré-nupciais sejam revelados. "Ninguém achava que o divórcio dos Bezos fosse um fator de risco" para a Amazon, disse Elson. "Agora, ninguém sabe como isso vai ficar. Da perspectiva dos acionistas, é certamente relevante".

Larcker disse que exigir que esse tipo de acordo seja revelado pode ser exagero, considerando as questões de privacidade envolvidas. Mas ele concordou em que, no mínimo, o conselho precisa ser plenamente informado.

"Quando negociações para um divórcio estiverem em curso", ele disse, "o conselho precisa pensar sobre a possibilidade de que o ex-cônjuge exija um posto no conselho, se este planeja liquidar suas ações ou talvez vender um bloco delas a um investidor, quem sabe um investidor ativista. Todas essas decisões podem ter impacto real no valor para os acionistas".

Até agora, os investidores mal reagiram ao divórcio dos Bezos - as ações da Amazon subiram um pouco, desde o anúncio. Isso pode estar acontecendo porque o casal fez questão de caracterizar a separação como amigável, afirmando que planejam "continuar a levar vidas compartilhadas, como amigos".

Quando há muitos bilhões de dólares em jogo, divórcios amigáveis são raros, mesmo que comecem assim. "A maioria dos divórcios começa e termina contenciosa", disse Samantha Bley DeJean, advogada especialista em questões matrimoniais, em San Francisco, que trabalhou com muitos empreendedores do Vale do Silício e está representando Angelina Jolie em sua batalha pela guarda de seus filhos com Brad Pitt. "Quando as coisas começam de modo amigável, é possível ter alguma esperança de que continuem dessa maneira, mas, em minha experiência, só pioram".

Em 2017, Mark Pincus, o bilionário fundador da Zynga, empresa que produz jogos para a internet, e sua mulher, Alison Gelb Pincus, iniciaram um processo de divórcio. Existia um acordo pré-nupcial entre eles, cujos termos não foram divulgados, mas presumivelmente tratava da fatia de 70% das ações com direito a voto na Zynga que ele detinha. Em entrevista ao The New York Times no ano passado, Pincus caracterizou o divórcio como amigável.

Depois do início do processo de divórcio, Pincus converteu suas ações com direitos especiais de voto em ações ordinárias, e reduziu seu controle sobre a Zynga a cerca de 10%. Ele disse ao jornal que a conversão nada tinha a ver com seu divórcio.

Alison Gelb Pincus também é empreendedora: ajudou a fundar a companhia de varejo online One Kings Lane, vendida em 2016 à cadeia de varejo Bed Bath & Beyond por quase US$ 30 milhões. Os Pincus concluíram discretamente seu divórcio no ano passado, em termos que não foram revelados. A Zynga não divulgou qualquer modificação na posição acionária de Mark Pincus, desde então.

Uma porta-voz da Zynga, que mantém Pincus como chairman executivo, se recusou a comentar. DeJean, que representou Alison Gelb Pincus, disse que não comentaria sobre o caso. Mas afirmou que, em termos gerais, o fato de que os dois cônjuges sejam imensamente ricos não muda a dinâmica do divórcio.

"As coisas se tornam questão de princípio", ela disse, "e princípios podem ser perigosos em situações como essas, especialmente quando existe dinheiro suficiente para promover litígios".

Em seu divórcio, em 2010, Steve e Elaine Wynn, fundadores da operadora de cassinos Wynn Resorts, dividiram ao meio a fatia controladora de 36% das ações da companhia que detinham como casal, avaliada na época em US$ 1,4 bilhão. Para preservar o controle de Steve Wynn sobre a empresa, Elaine concordou em assinar uma procuração que dava ao ex-marido controle sobre suas ações, nas votações internas da empresa.

Na época, o arranjo parecia amistoso. Elaine Wynn descreveu Steve calorosamente como "meu parceiro por 41 anos e pai dos meus filhos", e Steve Wynn se disse deliciado por sua ex-mulher permanecer no conselho da companhia.

Isso não durou muito. Depois de dois anos acrimoniosos, Elaine Wynn foi expulsa do conselho e abriu um processo para retomar o controle de suas ações, nas votações internas.

A animosidade só se aprofundou, depois que o The Wall Street Journal noticiou, no ano passado, que Steve Wynn estava sendo acusado por diversos casos de assédio sexual contra trabalhadoras da Wynn Resorts, e que havia pago US$ 7,5 milhões a uma manicure, depois que ela contou a outras pessoas que Wynn a havia forçado a fazer sexo.

Isso levou Wynn a renunciar ao seu posto como presidente-executivo da Wynn Resorts. Ele vendeu suas ações, o que deixou sua ex-mulher como maior acionista da companhia. Depois de um pico atingido em 2014, as ações da Wynn Resorts caíram em mais de 50%.

A pesquisa de Larcker constatou que, entre 24 presidentes-executivos que se divorciaram entre 2009 e 2012, sete (29%) deixaram seus postos nos dois anos posteriores aos seus divórcios.

DeJean disse que recentemente preparou diversas propostas de acordo pré-nupcial para jovens empreendedores. Negociar os acordos é um processo delicado: não é especialmente romântico discutir a divisão de ativos em caso de divórcio no meio de um namoro ou noivado.

A ideia de divulgar publicamente os termos desses acordos seria anátema para os clientes.

Mas ainda assim, DeJean disse que "posso ver por que os investidores desejariam saber".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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