Descrição de chapéu Financial Times

Renúncia de presidente do Banco Mundial levanta questões sobre papel da instituição no futuro

Escolha de sucessor por Donald Trump poderia limitar financiamento benéficos à China e contra mudanças climáticas

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James Politi, Sam Fleming e Mark Vandervelde
Londres | Financial Times

Um dia depois de anunciar subitamente que deixaria a presidência do Banco Mundial para trabalhar em um grupo de capital privado em Wall Street, Jim Yong Kim falou à equipe da instituição para tentar se explicar.

No átrio da sede do banco, a apenas dois quarteirões da Casa Branca, Kim disse a uma grande audiência que estava saindo três anos antes do planejado para assumir um posto lucrativo e parecido com o que ele desempenha no Banco Mundial —ajudar o setor privado a financiar projetos de infraestrutura em mercados emergentes. 

"A oportunidade surgiu, e vocês sabem que é difícil prever quando essas coisas aparecerão na vida de cada um", ele disse.

Kim, 59, que trabalhou em universidades e no setor de saúde pública, deixou a reunião apressadamente, logo em seguida, dizendo que tinha muitos "telefonemas a fazer"; a tarefa de responder às perguntas da audiência ficou para outros dirigentes do banco. Muita gente na audiência - pessoas com quem Kim entrou em choque repetidamente desde que assumiu a presidência do Banco Mundial, por indicação de Barack Obama, em 2012, não ficou satisfeita com as explicações. "A reunião com o pessoal não esclareceu coisa alguma", disse um empregado do Banco Mundial.

(O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, que vai deixar o posto para trabalhar em companhia privada em Wall Street - MANDEL NGAN - 26.set.2018/AFP

A saída abrupta e voluntária de Kim não só causou frustração e confusão na equipe do banco, mas despertou questões graves sobre a liderança e o futuro papel de uma instituição que foi peça central da ordem econômica internacional liderada pelos Estados Unidos.

Criado, em companhia do Fundo Monetário Internacional (FMI), logo depois da Segunda Guerra Mundial, para ajudar a reduzir a pobreza mundial, a influência do Banco Mundial vem caindo, diante de concorrência crescente de empresas privadas e de bancos de desenvolvimento regionais, e da postura muito mais assertiva da China como fonte de empréstimos diretos a muitos países pobres. 
Embora o Banco Mundial tenha realizado US$ 64 bilhões em empréstimos no ano fiscal de 2018, algumas estimativas apontam que os empréstimos bilaterais chineses foram diversas vezes maiores que isso.

Além disso, porque a instituição é tradicionalmente presidida por um americano, agora está diante da perspectiva - muito antes do que boa parte do pessoal do banco esperava - de um novo presidente escolhido por Donald Trump, que vem expressando ceticismo aberto quanto a instituições multilaterais e pode tentar mudar a forma pela qual o banco opera.

Um presidente do Banco Mundial escolhido pelo governo Trump poderia, especialmente, tentar limitar o financiamento de projetos para enfrentar a mudança do clima, bem como qualquer trabalho que seja visto como benéfico à construção de projetos chineses de infraestrutura, como parte da Iniciativa Cinturão e Estrada de Pequim - e pode insistir também em outras grandes mudanças de rumo.

"Eu penso, francamente, que no momento o pessoal do banco esteja preocupado sobre como proteger a instituição", diz um antigo executivo do Banco Mundial.

Que um americano venha a presidir o Banco Mundial é provável, mas não automático. O conselho deu início a um processo seletivo, prometendo que seria "aberto, baseado em mérito e transparente" —o que significa que a escolha não necessariamente estaria associada à nacionalidade do candidato. 

Alguns observadores expressaram a esperança de que a saída prematura de Kim fosse uma oportunidade para que o mundo se unisse em torno de um candidato alternativo, por fim derrubando o acordo de cavalheiros que atribui o comando do Banco Mundial a um americano e o do FMI a um europeu.

Jogo Complicado

Mas outros dizem que isso não passa de otimismo infundado. David Dollar, que foi executivo do Banco Mundial e emissário do Tesouro americano à China, e hoje é pesquisador na Brookings Institution, diz que se houvesse uma tentativa de outros países para bloquear a indicação de um americano, o tiro poderia sair pela culatra.

"É um jogo muito complicado", ele diz. "Meu instinto é que existe uma forte probabilidade de que o indicado dos Estados Unidos seja aprovado. O mundo tem interesse em que os Estados Unidos continuem envolvidos no Banco Mundial".

Já há nomes circulando em Washington, entre os quais os de David Malpass, hoje um dos funcionários de primeiro escalão na área internacional do Tesouro americano; Nikki Haley, antiga embaixadora dos Estados Unidos na ONU; Mark Green, presidente da Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos; e até mesmo Ivanka Trump, a filha do presidente. 
Uma porta-voz do Tesouro diz que o departamento recebeu "número significativo de indicações de bons candidatos", e estava "iniciando um processo interno de revisão para fazer sua recomendação.

Ainda assim, pessoas informadas sobre o processo seletivo dizem que uma disputa pode se materializar. Entre as alternativas possíveis, nos países de mercado emergente, está Ngozi Okonjo-Iweala, economista nigeriano que disputou a indicação contra Kim em 2012; Donald Kaberuka, economista ruandês que presidiu o Banco de Desenvolvimento Africano; e Sri Mulyani Indrawati, ministro das finanças da Indonésia.

Legado

Quem quer que surja como vencedor terá de lidar com o espinhoso legado de Kim. Quando deixou a reitoria do Dartmouth College para comandar a instituição, em 2012, Kim, um americano de origem coreana, tinha pouca experiência prévia em finanças ou serviço público. Mas ele iniciou uma grande reforma interna no banco, para eliminar os "silos" existentes na instituição e encorajar o compartilhamento de informação.

No entanto, seus esforços atraíram oposição de muita gente na equipe do banco, e o moral da instituição caiu. "Sua reorganização frustrada foi revertida peça a peça", diz um importante funcionário do Banco Mundial. "As muralhas continuam tão firmes quanto no passado, se é que não se tornaram mais firmes". 

A resistência a Kim dentro do banco se tornou tão forte que a associação de funcionários do Banco Mundial se opôs à sua campanha de reeleição em 2016, e mesmo depois de sua vitória pessoas informadas sobre o banco dizem que alguns empregados continuaram a criticar Kim abertamente, por seu estilo de gestão e por suas ideias para a instituição. 

"Ele é um cara introvertido, não se envolve, fica quase invisível", disse o funcionário sênior.

Algumas das decisões de Kim sobre pessoal também se provaram problemáticas. O ex-economista chefe Paul Romer saiu no ano passado depois de apenas 15 meses no posto, por conta de choques com o pessoal da instituição quanto a gramática e metodologia nas pesquisas e relatórios do Banco Mundial.

Mas enquanto Kim fazia inimigos internamente, ele conquistava vitórias significativas, fora do banco. Uma foi garantir o reabastecimento dos fundos para investimento nas economias dos países em desenvolvimento mais pobres. Sua principal realização, porém foi garantir um aporte de capital de US$ 13 bilhões para o Banco Mundial depois de negociações complicadas com o governo Trump que incluíram limitações no salário do pessoal da instituição e foram ajudadas por seu apoio ao fundo de empoderamento de mulheres defendido por Ivanka Trump, em um processo no qual ele exibiu talento para a diplomacia.

"Quando o governo Trump começou, as pessoas estavam imaginando o que a estratégia de América Primeiro significaria para o Banco Mundial, e ele estava muito ciente disso", disse Judy Shelton, americana que é diretora executiva do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento. "Mas ele logo negociou o acordo com Ivanka Trump... ela encontrou um parceiro, nele, e acho que essa foi uma atitude muito inteligente".

Ainda que o aporte de capital não tenha sido confirmado pelo Congresso americano até agora, coloca o Banco Mundial em situação financeira muito mais estável, e pode garantir sua relevância por muitos anos.

"Muita gente achava que não haveria apoio ao aporte de capital, mas ele veio", diz Andrew Rogerson, associado sênior de pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Internacional de Londres. "Não se pode dizer que o  Banco Mundial está sob forte pressão, no momento; ele é grande, é diversificado e está sendo conduzido em diferentes direções por seus proprietários, para fazer cada vez mais", acrescenta o pesquisador.

Futuro

Mesmo ao sair, Kim pode continuar incomodando o pessoal do Banco Mundial, já que seu novo emprego provavelmente se sobreporá consideravelmente às suas funções anteriores —e parece de fato ter sido criado exatamente para que isso aconteça.

Kim vai trabalhar na Global Infrastructure Partners, empresa criada por Adebayo Ogunlesi, antigo executivo de primeiro escalão do banco Credit Suisse. Embora a empresa no momento não seja grande investidora nos países de mercado emergente, Kim deu a entender que, depois de um ano de afastamento, para atenuar quaisquer conflitos de interesse, ele pretende trabalhar em estreito contato com o Banco Mundial.

Um antigo funcionário sênior do Banco Mundial disse que se Kim trabalhar em quaisquer projetos relacionados à controvertida Iniciativa Cinturão e Estrada, da China, isso pode incomodar muita gente de Washington que parece obcecada com a competição chinesa.

"Kim vem promovendo a Iniciativa Cinturão e Estrada, apesar das objeções e da insatisfação de muita gente do banco e do Tesouro americano. Espero que ele não se envolva nesse tipo de transação", disse o ex-funcionário. A Global Infrastructure Partners não revelou qual será a remuneração de Kim como sócio, mas, caso informações a esse respeito venham a surgir, podem causar novas reações desfavoráveis, por conta da forma pela qual ele saiu.

"Se você se preocupa de verdade com questões de clima e gênero, por que deixar o posto por dinheiro quando está trabalhando na instituição que mais faz quanto a isso?", pergunta um diplomata estrangeiro em Washington.

Depois dos primeiros e confusos dias da semana, fontes informadas sobre o Banco Mundial parecem ao menos reconfortadas por Kim não ter sido forçado a sair —ele decidiu fazê-lo por motivos pessoais. Alguns dizem que ele já estava se preparando para deixar o posto há alguns meses, entregando muitas das responsabilidades do dia a dia a Kristalina Georgieva, antiga comissária da União Europeia que serve como presidente-executiva do Banco Mundial e vai substituir Kim na presidência interinamente.

"Ele sumiu de vista enquanto procurava outra coisa", diz um funcionário.

Mas Kim lançou uma grande iniciativa em outubro, com a criação do ranking de "capital humano" dos países membros, para medir os gastos nacionais em saúde e educação.

Muito dependerá, em última análise, de quem o governo Trump decidir escolher como seu candidato para o posto. Shelton diz que não deve haver nada a temer: "O governo Trump não rejeita o multilateralismo; aprova o multilateralismo que funciona. Gostaria de ver o banco trabalhar melhor".

Tradução de PAULO MIGLIACCI
 

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