Descrição de chapéu Previdência Governo Bolsonaro

Se assumir liderança política, Bolsonaro pode aprovar a Previdência que quiser, diz economista

Para economista-chefe do BNDES, presidente tem capital político formidável para conter o que chama de crime contra o futuro

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São Paulo

Fabio Giambiagi, 57, economista-chefe do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), afirma que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem “todas as chances” de aprovar ainda neste ano uma reforma da Previdência.

“Bolsonaro derrotou simplesmente a maior liderança surgida no país desde Getúlio Vargas”, diz, referindo-se ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve sua candidatura substituída pela de Fernando Haddad.

“Esse é um capital político formidável. O presidente pode aprovar a reforma que quiser se assumir a liderança do processo”, afirma.

Acompanhando mensalmente as estatísticas do sistema, Giambiagi diz que cerca de 60% das aposentadorias por tempo de contribuição vêm sendo concedidas a pessoas com até 55 anos. No caso das mulheres, quase 30% até os 50 anos de idade e mais de 75% até os 55 anos.

“Isso é um crime contra o futuro. Um país onde as pessoas se aposentam com 52 ou 53 anos não tem direito a se queixar quando falta dinheiro para a segurança.”

Leia entrevista à Folha:

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Filho de argentinos criado no Brasil, tem graduação e mestrado na área econômica pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); atuou no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e integra o Departamento Econômico do BNDES desde 1996 - Ricardo Borges/Folhapress

 

O Brasil vive um paradoxo em que as condições para crescer são favoráveis, com inflação e juros baixos, capacidade ociosa elevada, setor externo arrumado e otimismo com o novo governo. Mas o país precisa de cerca de R$ 300 bilhões ao ano para interromper a trajetória explosiva da dívida pública. Há alternativa sem reformar a Previdência? Paulo Guedes (Economia) sugere as desvinculações no Orçamento caso a reforma não seja aprovada. Funcionaria?

Se tomarmos 2016, ano de referência para o teto de gastos, e trabalharmos com as contas a preços de 2019 e com uma boa estimativa de despesas para este ano, temos o seguinte: em três anos, o gasto do INSS terá  aumentado em torno de R$ 73 bilhões, a despesa com pessoal mais R$ 39 bilhões e as demais terão diminuído em R$ 82 bilhões. 

Essa queda não compensou o aumento do gasto com INSS e pessoal porque em 2017, pelo mecanismo definido na própria PEC do teto, ocorreu uma “superindexação” do valor real do teto, que foi atrelado a uma inflação passada elevada, em um ano em que os preços despencaram. 

O fato, porém, é que essa tendência não pode continuar indefinidamente, pois, em algum momento, as despesas se tornarão rígidas à queda. 

Em 2020, a despesa com pessoal deixará de ser pressionada e espero que em termos reais ceda um pouco. Mas, sem reforma, o crescimento das despesas do INSS inviabilizaria na prática o respeito ao teto. 
O fracasso da reforma da Previdência lembra uma reportagem da The Economist de 2001 abordando o eventual fim da conversibilidade na  Argentina, cujo título era “Thinking the inthinkable” (“Pensando o impensável”). Seria um desastre. O dólar subiria rapidamente, pressionando juros e inflação, num filme velho que já conhecemos e que ninguém quer ver de novo. 

Discussões mais aprofundadas sobre Previdência já têm três anos, e ela quase passou em 2017, não fossem as denúncias contra Temer no caso JBS. Há maturidade nessa discussão? Quais são as chances de a reforma passar com a oposição votando contra?

Cito um fato ocorrido com um amigo. Ele era assessor do ministro do Planejamento e fez uma apresentação no Congresso.

No final, um dos líderes do governo na época se vira e diz: “Ok, já entendi. A Previdência vai quebrar, mas preciso saber uma coisa: ela vai quebrar neste governo ou não?”. O dramático é que o ministro era o Delfim Netto, e o diálogo ocorreu em 1982! 

Mais de 35 anos depois, continuamos raciocinando com a mesma lógica. O sujeito entrou no mercado de trabalho naquela época, trabalhou 35 anos, está se aposentando agora e continuamos sem ter resolvido um problema que está mapeado pelos especialistas há quatro décadas. 

Há uma frase famosa de um dos livros do Vargas Llosa, se não me engano “Conversa na Catedral”, em que um personagem pergunta ao outro: “Quando foi que o Peru se perdeu?”. Sou de 1962, quando a Coreia do Sul era muito parecida com o Brasil, e não tenho dúvida de que o Brasil se perdeu na minha geração e isso se deu essencialmente por ter mantido um regime previdenciário que, aos olhos de qualquer observador isento, é um disparate. 

Daqui a poucos meses, aos 57 anos, eu poderei me aposentar pelo INSS, ao completar 35 anos de trabalho. Isso é um completo absurdo. Eu estou em pleno uso de minhas condições físicas e mentais. 

Se morasse nos Estados Unidos, teria de trabalhar até os 65 anos. Mas, morando aqui, num país com enormes carências, posso me aposentar oito anos antes. Não faz nenhum sentido.

Não farei usufruto do benefício porque eu milito no time dos otários, mas o mais aberrante de tudo é que, no universo daqueles que se aposentam por tempo de contribuição, a essa idade eu já estou no grupo dos mais velhos.

Todos os meses, entre 60% e 61% das aposentadorias por tempo de contribuição são concedidas a pessoas com até 55 anos de idade. No caso das mulheres, quase 30% até os 50 anos e mais de 75% até os 55 anos. Isso é um crime contra o futuro. 

Não dá para tergiversar: para qualquer pessoa de qualquer outro país que olha esses dados, trata-se de uma realidade chocante. Um país onde as pessoas se aposentam com 52 ou 53 anos não tem direito a se queixar quando falta dinheiro para a segurança. 

E a realidade é essa: falta dinheiro para ter uma melhor política de segurança porque todo mês milhares e milhares de pessoas se aposentam em idades inacreditavelmente precoces à luz dos padrões mundiais. 

Até as pedras da rua sabem que há uma reforma da Previdência que clama para ser votada. Cabe agora ao governo liderar esse debate. 

Um dos maiores problemas da Previdência hoje é a conta de inativos nos estados, que não para de crescer. Houve aumento de 8% apenas nos últimos 12 meses, segundo o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], e todo o dinheiro novo arrecadado vem sendo drenado para aposentadorias. Como resolver a crise nos estados que é, essencialmente, atuarial em razão da Previdência?

O que defendo é que seja adotada, na administração pública, uma regra bem dura: 65 anos de idade mínima com vigência imediata para os homens e 63 anos para as mulheres. Se fosse aprovada, melhoraria muito a situação fiscal dos estados, porque pessoas que completassem 60, 61, 62 anos e que com a regra atual se aposentariam não poderiam fazê-lo e teriam que esperar mais alguns anos. 

Com um estancamento do crescimento da despesa previdenciária, ao mesmo tempo em que a receita aumentaria num processo de crescimento da economia, o resultado fiscal dos estados melhoraria rapidamente. 

Vejo essa medida ou uma variante dela como fundamental para a possibilidade de os estados retomarem seu papel na elaboração das políticas públicas, uma vez que atualmente a maioria dos governadores virou apenas administradora de folha de pagamentos. 

Paulo Guedes promete melhorar o ambiente de negócios no país com medidas de cunho liberal. O sr. vê a classe política e o funcionalismo, geralmente mais voltados ao corporativismo, preparados para um choque nesse sentido? Que, na prática, atacaria justamente muitos dos privilégios de que hoje desfrutam?

Reformas como as de que o país precisa exigem cinco atributos. Primeiro, um diagnóstico claro. Segundo, profunda convicção, porque, como se trata de convencer a população, isso não será impossível se ela perceber que os governantes não acreditam no que defendem. 

Terceiro, muita energia, porque defender reformas é uma atividade desgastante. Estou nesse ofício há três décadas e perdi a conta das vezes em que fui xingado por email ou de pessoas que me destrataram em palestras. 

Quarto, uma enorme capacidade de persuasão, porque quem liderar o processo terá que ir aos programas populares da TV, comparecer ao Congresso, escrever artigos de jornal e participar ativamente do debate. 

Finalmente, no país com a nossa fragmentação política, aprovar a reforma exige uma tremenda articulação. 

Na semana passada, conversava com um amigo e ele disse: “Veja, eu não votei no Lula na eleição”. Foi um ato falho, porque o candidato foi Fernando Haddad. O que quero dizer é que todo o mundo sabia que Haddad era Lula. Ou seja, Bolsonaro derrotou simplesmente a maior liderança política surgida no país desde Getúlio Vargas. 

Esse é um capital político formidável. Estou convencido de que o presidente pode aprovar a reforma que ele quiser se assumir a liderança do processo. Hoje, ele tem uma força política enorme. 

Além de reformar a Previdência, o novo governo prometeu não elevar a carga tributária. É possível um ajuste da magnitude de que o Brasil precisa sem aumento de impostos? A diminuição das bilionárias isenções tributárias para dezenas de setores não configuraria aumento da carga, por exemplo?

Eu faço a seguinte conta: em números redondos, a despesa objeto do teto de gastos ano passado foi da ordem de 20% do PIB. Se o gasto ficar congelado em termos reais e o PIB crescer a uma média de 2,5% ao ano, em cinco anos a despesa cairá quase 2,5% do PIB. 

Na prática, o gasto poderá crescer um pouco porque ele está abaixo do teto, mas o PIB também pode crescer um pouco mais que 2,5%. Ou seja, é um bom ajuste. 

Pessoalmente, eu preferiria que houvesse também um pouquinho de elevação da carga tributária, mas entendo, e é legítimo que assim seja, que haja muitas resistências da sociedade a aumentar impostos. 

Como o BNDES encara as perspectivas para 2019? 

Trabalhamos com cenário de crescimento do PIB de 2,7% neste ano e de 3,0% em 2020, com ocupação gradual da capacidade ociosa e com expansão do investimento em torno de 6% em cada um dos dois anos. 

Em 2016, quando mudou o governo, eu dizia na época que o grande desafio para a equipe econômica, numa economia morta, era religar o motor de arranque. 

Ele foi ligado ali pelo final de 2016 e começo de 2017. Então ficou claro que aquela paralisia tinha ficado para atrás. O problema é que a recuperação foi medíocre, por uma série de razões. 

Agora, o desafio é engatar uma segunda e depois uma terceira marcha. Isso será conquistado na base de ações que injetem confiança, e nisso o avanço da agenda no Legislativo será fundamental. 

O governo precisará mostrar que não tem apenas boas ideias, mas que entrega. Ou seja, que aprova as suas propostas. Se entregar, vai sendo gerada uma dinâmica positiva, de confiança incremental. 

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