Urbanização dá fôlego para China crescer por 30 anos

Aumento da produtividade compensa riscos de desaceleração e envelhecimento

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Rodrigo Zeidan
Xangai

O início de 2019 promete ser turbulento para a economia chinesa. Mas a grande esperança é que 2016 não se repita. Nesse ano, a preocupação com o colapso da segunda maior economia do mundo levou as Bolsas mundiais a desabar, o petróleo a cair a menos de US$ 30 e à desvalorização cambial na maioria dos países emergentes.

Um fato é inegável: a economia chinesa está desacelerando, embora ainda cresça muito acima da média mundial. 

O alvo do governo é para que cresça 6% em 2019, abaixo dos 6,5% esperados para 2018. O PIB (Produto Interno Bruto) do ano passado será divulgado nesta segunda (21). 


Analistas temem que o crescimento seja na casa dos 5% —taxa que pode parecer muito alta para nós, já que a economia brasileira tem crescido a menos de 3% ao ano desde o início do Plano Real, mas é a menor desde 1990. 

A economia chinesa é dezenas de vezes maior do que na última vez em que o crescimento foi abaixo de 6%, mas 560 milhões do 1,4 bilhão de chineses vivem no campo, e o crescimento é básico para que a renda dos mais pobres cresça.

No momento em que um chinês migra da área rural para a cidade, sua produtividade triplica. Isso, por si só, garante um crescimento econômico de 2% a 3% ao ano. Cerca de 250 milhões de pessoas 
—mais que a população do Brasil— devem deixar o campo nos próximos 15 a 20 anos. 

A economia chinesa já cresceu muito, mas ainda tem muito espaço para avançar.

Hoje, o PIB por pessoa empregada na China é de menos de US$ 30 mil, enquanto nos EUA é de US$ 115 mil. Isso significa que um trabalhador chinês é, grosso modo, 25% tão produtivo quanto um americano.

Com todos os avanços tecnológicos na China, podemos imaginar que um trabalhador chinês possa ter 60% da produtividade americana antes de o país bater nos limites de produtividade.

Se fizermos hipóteses conservadoras, com a economia chinesa crescendo a 5,5% ao ano e a americana a 2,5%, a produtividade chinesa chegará à barreira de 60% em 2048. 

Ou seja, a economia chinesa pode crescer 30 anos sem crises —e não será estranho.

Colheita de trigo em Beigaoli; 250 milhões devem deixar o campo em até 20 anos - Liang Zidong - 21.dez.18/Xinhua

Mas o fato de a economia ainda estar longe de bater no limite de produtividade não quer dizer que não haja riscos. 

Em dezembro de 2018, pela primeira vez desde o susto de 2016, indicadores de confiança de investimentos da indústria foram abaixo de 50 —o que indica possível contração. 

O único índice que se mantém acima desse nível é o de produção esperada e atividade de negócios. Ou seja, as empresas esperam aumentar a produção, mas pode ser que não aumentem o investimento —um sinal de cautela.

Embora a indústria possa desacelerar, o país passa por uma grande transformação, deixando de ser somente a grande fábrica do mundo para se tornar cada vez mais uma economia de serviços.

Em 2016, pela primeira vez desde o início do processo de industrialização, o setor de serviços passou a responder por mais da metade do PIB do país (além de 40% do emprego e 80% dos lucros corporativos). Com o aumento da urbanização, algo visto com bons olhos por políticos chineses, a tendência deve continuar. 

A título de comparação, serviços respondem por 63% do PIB no Brasil, 66% na União Europeia e 77% nos EUA.

As vendas ao consumidor crescem por volta de 8% ao ano, acima do crescimento do PIB (embora a venda de carros caia). Ademais, a queda dos indicadores de confiança da indústria é, em parte, contrabalançada pelo setor de serviços, que continua a mostrar robusta expansão. 

Os imóveis, não obstante a incerteza da economia, dão sinais de recuperação, com preços nas cidades de porte médio crescendo acima dos das maiores cidades, onde os valores já são bem altos. O preço por metro quadrado em Xangai é comparável ao de Nova York.

No ano passado, os imóveis ficaram mais caros em 63 das 70 maiores cidades e em 11 das 15 principais capitais.

No campo das finanças públicas, o déficit público chinês está sob controle e foi de cerca de 2,5% do PIB em 2018. Como há um medo de desaceleração, o governo deve aumentar seus gastos, com o déficit primário subindo para algo entre 2,6% e 3% em 2019. 

Mas a dívida pública é de menos de 50% do PIB e o país tem US$ 3 trilhões em reservas internacionais. 

O país conta com controles de capitais para conter a volatilidade cambial. No passado, o país tinha câmbio fixo, mas hoje o regime é de bandas cambiais, com a entrada líquida de moeda estrangeira afetando a taxa de câmbio. As autoridades monetárias, em 2015, tiveram que ceder a um ataque especulativo. Chegaram a vender quase US$ 1 trilhão em reservas antes de ceder, desvalorizando o câmbio.

Hoje, mesmo com a guerra comercial, ainda mantém elevados saldos comerciais, embora no primeiro trimestre de 2018 o saldo tenha ficado negativo pela primeira vez desde 2013 —efeito, em parte, do Ano-Novo Chinês, quando as fábricas fecham e dão férias.

O fato é que, nos últimos 40 anos, desde o início das reformas, a China saltou de um país pobre, com 88% da população em extrema pobreza, para classe média alta.

Há obstáculos, como o endividamento das empresas estatais, a guerra comercial com os EUA, a queda nas expectativas da indústria e outros. Mas nunca na história da humanidade uma sociedade conseguiu tanto em tão pouco tempo, tirando da pobreza mais de 1 bilhão de pessoas (e contando). 

O lema de Deng Xiaoping, pai das reformas de mercado e que morreu em 1997, ainda é o grande motor da economia: “Enriquecer é glorioso”.

Véspera dos 40 anos do início das reformas de Deng Xiaoping na cidade de Shenzhen, - 17.dez.18/AFP

Trabalhador escravo

Ainda temos na cabeça a ideia do trabalhador chinês ganhando muito pouco, quase como um escravo que trabalharia até a exaustão por salários minúsculos. Essa visão está errada, por dois motivos.

Em primeiro lugar, o país atingiu o pico do número de trabalhadores. A população chinesa não deve passar muito de 1,4 bilhão de pessoas. Em 20 anos, deve ser menor do que hoje. 

O importante: a população, já com idade mediana de 37 anos (ou seja, 700 milhões de pessoas têm mais idade que isso), vai envelhecer sobremaneira. A idade mediana deve ir para 47, com redução de 90 milhões de trabalhadores nas próximas duas décadas, segundo o Banco Mundial. 

Em segundo lugar, o salário mínimo tem aumentado bem acima da inflação —que é bem baixa, de cerca de 2% ao ano. 

Na China não há salário mínimo nacional, e em 2018 mais da metade das 31 províncias aumentou o salário. 

A variação regional é grande. Em Pequim, o salário mínimo é de 2.120 yuans (cerca de R$ 1.100), enquanto em Anhui, uma província pobre, ele é de 1.150 yuans (R$ 632). 

Em Xangai, onde moro, vi de perto o processo de melhoria de vida ao longo dos dez anos que vou ao país. Em 2009, um corte de cabelos custava 15 yuans (R$ 8). Hoje, não sai por menos de 42 yuans (R$ 23). 

Grande parte do aumento foi direto para a conta dos trabalhadores —assim como no Brasil, é comum que patrões chineses reclamem dos aumentos constantes de salário. 

Claro que ganhar salário mínimo, como em qualquer lugar, não faz de ninguém na China classe média, e quem ganha pouco corta um dobrado, mas também não dá para dizer que as pessoas são semiescravas.

Em outra frente, o país tem avançado tecnologicamente. O processo de industrialização é como uma escada, na qual cada degrau significa produzir menos produtos pouco sofisticados e mais bens tecnologicamente superiores. 

A China já investe quase 50% do montante investido nos EUA em pesquisa e desenvolvimento. O plano do governo é de aumentar esse investimento dos atuais 2,2% do PIB para mais de 2,5% já em 2020. 

O país já é colíder mundial em inteligência artificial e no chamado machine learning —aprendizado de máquinas, uma forma de aplicar a inteligência artificial. 

Muito da produção de bens de baixa qualidade já se mudou para Bangladesh, Camboja e outros países.

Outra característica importante: o trabalhador chinês é bastante sofisticado, tendo acesso a uma gama de produtos com os quais a maioria dos brasileiros nem sonharia. O Taobao, da Alibaba, por exemplo, tem cerca de 800 milhões de produtos a venda. 

A Alibaba, em 2018, vendeu produtos para mais de 600 milhões de chineses. As vendas são de mais de US$ 1 trilhão por ano e cresceram 20% em 2018. A cada 10 compras online no mundo, 4 são na China.

Isso permite que muitas pessoas se tornem microempreendedoras e consumidores busquem o melhor preço em qualquer lugar do país. Assim, o salário vai mais longe.

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