Anvisa propõe manter aval a glifosato, mas com restrições

Para agência, não há evidências suficientes de que agrotóxico seja cancerígeno

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Brasília

Agrotóxico mais usado no país e motivo de embates entre pesquisadores, o glifosato deve receber novo aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para continuar no mercado, mas com novas restrições a fabricantes e trabalhadores rurais.

As medidas integram as primeiras conclusões da equipe técnica da agência em um processo de reavaliação toxicológica do produto.

Alvo de críticas pelo atraso, o processo foi iniciado em 2008, mas ganhou impulso apenas em 2015. O objetivo era avaliar possíveis novos riscos à saúde que poderiam impedir que o produto continuasse a ser usado no país.

Na análise, a equipe técnica da agência concluiu que não há evidências suficientes para classificar o glifosato como produto carcinogênico, mutagênico ou teratogênico –ou seja, capaz de causar câncer e outros danos graves, como casos de má-formação de fetos na gravidez.

Com isso, não haveria como proibi-lo, diz o coordenador de reavaliação, Daniel Coradi. “Não encontramos evidências suficientes para dizer que ele não pode ser comercializado.”

Os riscos, afirma, seriam maiores para trabalhadores rurais e pessoas que circulam nas áreas de lavouras. Não há preocupação para consumidores de alimentos produzidos com o pesticida, de acordo com avaliação da agência.

Com base nestes dados, a equipe propõe novas medidas de controle e restrições de uso. Os resultados foram divulgados na manhã desta terça-feira (26), quando diretores da agência aprovaram a abertura de uma consulta pública com sugestões de novas regras para o agrotóxico.

Entre elas, está a mudança na classificação do glifosato de "pouco tóxico" para "extremamente tóxico" devido ao seu potencial de irritação dos olhos, e a definição de novos limites para exposição de trabalhadores e consumidores ao glifosato. Até então, não havia um parâmetro para monitoramento e avaliação de risco. 

Os limites variam a até 0,1 mg/kg por dia, no caso de trabalhadores possivelmente expostos ao ingrediente, até 0,5 mg/kg ao dia, quantia que equivale a quanto um consumidor poderia estar exposto ao produto por meio de alimentos, por exemplo. A agência diz que não há dados da média de exposição atual.

Em outra frente, a agência sugere a proibição de produtos com emulsão óleo em água (que poderiam aumentar o risco de exposição e intoxicação acidental por trabalhadores), a determinação de que as diferentes etapas de aplicação do produto com trator sejam feitas por mais de um trabalhador e novos prazos de carência para reentrada em áreas tratadas.

Hoje, a recomendação é que cada produtor espere por 24h antes de entrar na área de aplicação do glifosato sem equipamento de proteção. Agora, a previsão é que haja prazos como 10 a 39 dias para diferentes culturas.

Ingrediente ativo de agrotóxico mais usado no mundo, o glifosato tem hoje permissão para uso em ao menos 23 culturas, caso do algodão, arroz, café, fumo, maçã e soja, por exemplo.

Fora da questão agrícola, a agência propõe ainda proibir o uso do produto concentrado para jardinagem.

Já para empresas fabricantes, a Anvisa prevê ainda proibir a presença de polioxietilenoamina em concentração acima de 20% nos produtos à base de glifosato. Hoje, essa substância costuma estar presente para melhorar a eficácia da aplicação do herbicida nas lavouras, mas sua alta toxicidade preocupa.

A proposta segue pareceres técnicos e decisão adotada por países como Estados Unidos e Canadá. E fica abaixo das medidas adotadas pela Europa, que proibiu a presença do componente.

Atualmente, não há registros de proibição do glifosato em outros países. As discussões sobre o tema, no entanto, se acirraram nos últimos anos.

Em 2015, a IARC (Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer), vinculada a Organização Mundial de Saúde, concluiu com base em análise de pesquisas que o glifosato era “provavelmente cancerígeno” em humanos.

O resultado levou pesquisadores a pressionar a Anvisa a acelerar o processo de reavaliação do produto, que até então vinha ocorrendo de forma lenta. Questionada, a agência diz que a demora ocorreu devido à priorização inicial da da análise de outros agrotóxicos.

Segundo Adriana Pottier, gerente de monitoramento e avaliação de risco na agência, a divergência na metodologia de diferentes estudos, sem comprovação clara sobre possíveis riscos, levou a agência a concluir que o glifosato não pode ser enquadrado como cancerígeno. 

Dados, porém, apontam alto volume de notificações de intoxicação de trabalhadores –o que reforça seu possível risco à saúde. De 2007 a 2015, cerca de 37% das notificações de intoxicações ao Ministério da Saúde ligadas ao glifosato foram de produtores que apresentaram sintomas após contato acidental ou no uso diário do produto, ou 842 ao todo. Outros 27,9% relataram exposição ao glifosato, mas sem sintomas.

Questionada, a Anvisa diz que avalia sugerir que empresas fabricantes façam programas de treinamento dos trabalhadores para uso adequado do produto.

A agência diz ter analisado também dados de possível presença de resíduos do agrotóxico na água e em alimentos, o que poderia afetar os consumidores. No caso da água, os resultados mostraram que 27% das amostras tinham resíduos do glifosato. A concentração, porém, estava abaixo dos limites permitidos. O mesmo resultado foi verificado em alimentos. “Do ponto de vista do alimento, não estamos expostos ao risco”, diz Coradi.

Apesar da sinalização favorável pela agência, o produto tem sido alvo de crescentes embates na Justiça. No ano passado, uma decisão liminar da Justiça Federal chegou a suspender novos registros de produtos a base de glifosato. A medida foi revogada pouco tempo depois.

O debate também cresce em outros países. Em agosto do 2018, um júri da Califórnia condenou a Monsanto a indenizar em US$ 289 milhões (R$ 1,1 bilhão) um zelador que alega que pesticidas baseado em glifosato teriam lhe causado câncer. A empresa recorreu. Desde então, outros processos semelhantes tramitam nos Estados Unidos.

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